Se nos guiarmos por pesquisas de opinião publicadas recentemente por diferentes institutos, veremos que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deve ser encarado quase como um “fenômeno” de popularidade. Os paulistas, ao menos pelos números, parecem estar gostando bastante da violência e estupidez gratuitas que o bolsonarista emprega em tudo que faz e, principalmente, no que não faz.
Em pouco mais de um ano e quatro meses na cadeira do Palácio dos Bandeirantes, o carioca que não tem a menor noção do que é São Paulo tem como marca principal de sua gestão algo bem insólito: a obsessão claramente patológica pela Polícia Militar. Alguém pode perguntar “ah, mas essa não é uma característica de Bolsonaro em relação às Forças Armadas?”. Sim, é. Mas no caso de Tarcísio isso transborda para a vida da população de uma forma direta e perceptível no dia a dia.
Tudo que Tarcísio faz envolve a PM. Se não envolve, ele dá um jeito de envolver. Ele só fala da PM. Se dá entrevista e trata de uma privatização, arruma uma forma de mencionar a PM. Se chega para uma reunião com empresários para negociar grandes obras, está cercado de PMs e faz referência antes de tudo à PM. É doentio e coloca essa instituição, que como muitas outras tem sua importância, num patamar quase divino.
Entretanto, o problema não está apenas nessa predileção démodé, para não dizer cafona, de ficar andando com homens e mulheres com roupas diferentes e penduricalhos metálico presos na indumentária. A prática é uma ameaça à cidadania como um todo.
Tarcísio aplaude e apoia vivamente a violência extremada e os assassinatos cometidos pela PM. Sob o pretexto de coibir a criminalidade após o assassinato de três policiais, em duas ocorrências diferentes, ele autorizou a PM a realizar duas “operações” que resultaram em 84 mortos em períodos que, somados, não dão dois meses. Um massacre, algo sem precedente no mundo civilizado e em nações que podemos considerar minimamente democráticas.
Surgem então as provas cabais de abusos, execuções e uma série de ilegalidades relacionadas a essas “operações”. Mesmo em governo mais reacionários vividos em estados brasileiros nas últimas décadas, ainda que cinicamente, há um discurso de “não permitiremos excessos e abusos, vamos apurar tudo”. Com ele não. O sangue escorre, os corpos se empilham e, mesmo com uma mãe de seis filhos morta com um tiro na cabeça no meio da rua e à luz do dia, Tarcísio dispara um sonoro “não tô nem aí”. Sim, ele disse isso.
Nesta sexta (19) mesmo, o governo determinou o afastamento do delegado que presidia o inquérito do playboy que em alta velocidade, no volante de um Porsche, atingiu outro carro e matou um motorista de aplicativo há três semanas. O que mais causa repulsa e revolta é o motivo: o delegado insistia em obter as imagens de câmeras corporais dos PMs que atenderam à ocorrência, porque eles liberaram sem qualquer justificativa o condutor aparentemente embriagado, a pedido da mãe dele, sob o pretexto de encaminhá-lo para o hospital. Tarcísio não quer de forma alguma que se veja o conteúdo dessas gravações, que por acaso podem mostrar eventualmente conduta ilegal ou criminosa por parte desses policiais militares.
Recentemente o governador deixou explícito seus planos de tornar a PM de São Paulo uma “superinstituição”. Anunciou que ela poderá fazer registros de Termos Circunstanciados, ou seja, de delitos de menor poder ofensivo, o que em todo o país (e segundo o ordenamento jurídico brasileiro) é atribuição da Polícia Civil, a organização que pela Constituição Federal é incumbida de realizar o serviço de polícia judiciária nos estados. Um inequívoco golpe contra a instituição, que expressamente está sendo descartada pelo mandachuva de extrema direita.
Para se ter noção do absurdo, a Polícia Civil, ao registrar um Termo Circunstanciado, também fica incumbida de cumprir diligências a serviço do Ministério Público e da Justiça, assim como torna-se responsável por zelar por materiais apreendidos, bem como pela tarefa de encaminhá-los para a perícia, garantindo que os resultados de análises cheguem aos juizados. Isso passaria também a ser realizado PM.
Não precisa ir muito longe. Esta semana, após uma criança de cinco anos ser atingida na cabeça por estilhaços de tiros disparados numa operação, na comunidade de Paraisópolis, na Zona Sul da capital, PMs foram flagrados e filmados por um morador recolhendo “coisas” no chão, bem no ponto onde o incidente ocorreu. PMs não são peritos, tampouco fazem parte do Instituto de Criminalística. Sabe-se lá Deus o que eles estavam pegando e tirando daquele local. O governo viu a gravação e emitiu nota defendendo tal prática absurda.
Aliás, nota defendendo a PM é algo diário na gestão de Tarcísio. O tom que o governador adota para falar da corporação, assim como seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que, para além de deputado, é PM, é de adoração. A PM pode tudo, não pode ser criticada, alvo de qualquer suspeita e suas tropas de fardamento cinza devem ser veneradas como divindades. São servidores e cidadãos de uma casta intocável e acima de todos os demais.
Quando a população paulista perceber que isso é algo sem volta para a sociedade do estado, além de perigoso e perverso, será tarde. A ideia de que uma organização militar armada ganhe carta branca para fazer o que bem entende, partindo de um pressuposto infantil, para não dizer canalha, de que são moralmente superiores, é simplesmente inaceitável.