MAIS UM ROQUEIRO REAÇA?

O triste fim de Bono Vox: de homenagem a Martin Luther King ao apoio a Israel

Como nove em cada dez roqueiros, Bono envelheceu mal, dando uma guinada ao conservadorismo, se ligando às causas e nomes mais nefastos da geopolítica global

Bono Vox em Brasília em 2006.Créditos: Ricardo Stuckert/PR Agência Brasil
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Nos anos 1980, auge da new wave e do pós-punk britânico, o quarteto irlandês U2 se destacava com uma das bandas mais engajadas do planeta. “Pride (In the Name of Love)”, talvez sua música mais conhecida, homenageia Martin Luther King Jr, ativista pelos direitos civis dos negros estadunidenses. “Sunday Bloody Sunday”, considerada pela revista New Statesman como uma das 20 principais canções políticas de todos os tempos, menciona um acontecimento marcante da Irlanda do Norte: o “Domingo Sangrento”, quando indivíduos que faziam uma manifestação pacífica foram alvejados por paraquedistas do exército do Reino Unido.

Já o título do quarto álbum de estúdio da banda – “The Unforgettable Fire” – foi inspirado no triste episódio que marcou o fim da 2ª Guerra Mundial: os bombardeios atômicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki realizados pelos Estados Unidos (para muitos o maior atentado terrorista da história).

Além das letras politizadas, em 1985 o U2 participou do Live Aid, festival organizado com objetivo de arrecadar fundos para acabar com a fome na Etiópia. Um ano depois, o vocalista Bono Vox viajou para El Salvador e Nicarágua, onde pôde constatar o sofrimento da população, em decorrência dos conflitos internos impulsionados pela intervenção do imperialismo estadunidense. Bono também se tornou conhecido por seu ativismo em favor de causas caras ao continente africano (combate a epidemias, perdão de dívidas externas, luta contra a fome, comércio internacional mais justo etc.).

No entanto, como nove em cada dez roqueiros, Bono envelheceu mal, dando uma guinada ao conservadorismo, se ligando às causas e nomes mais nefastos da geopolítica global.

Em 2020, acompanhado do guitarrista do U2, The Edge, o vocalista fez uma apresentação surpresa no metrô de Kiev, atendendo a um pedido do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, político responsável por fazer de sua população bucha de canhão da Otan em suas provocações contra a Rússia. Não obstante, Bono foi ridicularizado nas redes sociais por um poema que compartilhou sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia, em que um dos versos dizia: “O nome de São Patrício agora é Zelensky”.

Ainda sobre a geopolítica do Leste Europeu, no sábado (17/2), Bono interrompeu um show do U2 em Las Vegas para pedir que o público repetisse o nome de Alexei Navalny, extremista russo recém-falecido, adepto às ideias neonazistas, vendido no Ocidente como “opositor de Putin” e “o Mandela da Rússia”. Mas, na verdade, se tratava de mais um fantoche do imperialismo para atuar contra os interesses de seu próprio país, uma espécie de Juan Guaidó, Serguéi Tijanovski ou Jeanine Añez.

Como não poderia deixar de ser, para completar o combo “guinada ao conservadorismo”, Bono também está engajado na defesa do genocida Estado de Israel. Não por acaso, em reação a esse apoio ao sionismo, Roger Waters (um dos roqueiros que “envelheceu bem”) declarou em entrevista para a Al Jazeera: “Aqueles que conhecem Bono deveriam erguê-lo pelos tornozelos e sacudi-lo, até que ele deixe de ser um grande merda”.

Portanto, devido aos recentes posicionamentos políticos, podemos dizer que o líder do U2 se credencia ao “cobiçado” posto de vocalista da banda “roqueiros reaças”, assim como Morrissey, Phil Anselmo, Bruce Dickinson, Dave Mustaine, Eric Clapton, John Lydon, Digão, Marcelo Nova, Rodolfo Abrantes, Lobão e Roger Moreira, entre tantos outros.

Claro que ainda há nomes do rock 'n roll favoráveis a pautas progressistas (como o próprio Roger Waters citado há pouco), mas, de maneira geral, o gênero musical que surgiu nos Estados Unidos como uma forma de contestação dos valores morais e caretas da sociedade burguesa, em suas variadas vertentes, tem se tornado reduto do que há de mais conservador e retrógrado. Remetendo a um clássico de Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, mais conhecido como Belchior: “os ídolos já não são os mesmos, e as aparências já não enganam mais”.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.