Oswaldo Aranha, figura central na diplomacia brasileira do século 20, ofereceu uma visão que mistura fascínio e reprovação ao tratar da China, evidenciada em seus discursos e no prefácio de Ásia Maior – O Planeta China, de Maria Martin, escrito em 1959.
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Marcado por um viés ocidental e influenciado pelas tradições cristãs e valores liberais, Aranha enalteceu a riqueza cultural e histórica do país asiático, mas demonstrou reservas quanto ao modelo político emergente liderado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh).
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Aranha, alinhado aos padrões diplomáticos de sua época, reconhecia a China como um pilar geopolítico. No entanto, sua abordagem frequentemente oscilava entre a romantização do passado chinês e a crítica condescendente ao regime comunista.
No prefácio, ele celebra a civilização chinesa como um “reservatório de sabedoria” e um exemplo de resiliência histórica. Contudo, descreve o comunismo como um sistema “alheio à essência” da cultura chinesa, refletindo uma visão orientalista que via o Ocidente como modelo de progresso universal.
Orientalismo de Aranha
Aranha exemplifica o orientalismo em sua forma clássica, um conceito definido por Edward Said como a maneira estereotipada e condescendente com que o Ocidente constrói o “Oriente”.
Em trechos como “A China, com sua história milenar, seus templos imponentes e a profunda sabedoria de seu povo, representa uma civilização que resistiu ao tempo e aos invasores”, ele reforça a visão exótica do país, sem contextualizar as complexas dinâmicas internas que moldavam a sociedade chinesa naquele momento.
Por outro lado, ao afirmar que “a China se encontra dividida entre sua tradição e os desafios impostos pelo comunismo”, Aranha ignora a legitimidade e as circunstâncias históricas que levaram o país a adotar o socialismo.
Sua análise prioriza uma narrativa de ruptura entre o passado cultural e o presente político, em vez de considerar o comunismo como uma resposta às desigualdades internas e às interferências estrangeiras.
Cristianismo e condescendência
O cristianismo permeia o olhar de Aranha sobre a China, sendo utilizado como referência moral para criticar o materialismo e a suposta desumanização do regime comunista.
Ele posiciona os valores cristãos como superiores e mais alinhados a uma visão de progresso civilizatório, reproduzindo uma narrativa binária de “civilização versus barbárie”. Essa abordagem, embora compreensível no contexto ideológico da época, reduz a complexidade da China a um confronto entre moralidades incompatíveis.
Ao mesmo tempo, Aranha exalta o papel do Ocidente como “guia” para a China, refletindo uma condescendência que era comum na diplomacia orientalista do período. Essa perspectiva ignora a autonomia cultural e política do país asiático, tratando-o como um “enigma” a ser desvendado e orientado por potências externas.
Admirador e crítico
Apesar das limitações de seu olhar, Aranha reconhecia a relevância estratégica da China. Ele entendia que o país estava destinado a desempenhar um papel central na política global, mesmo enquanto expressava desconfiança em relação ao regime comunista.
Essa dualidade entre admiração e crítica reflete as tensões ideológicas e geopolíticas enfrentadas por muitos líderes ocidentais ao longo do século 20.
No prefácio, Aranha demonstra respeito pela longa história e pela força cultural da China, mas não consegue evitar a armadilha de projetar valores ocidentais como parâmetro universal.
Sua análise, lida hoje, revela os limites de uma perspectiva que romantiza o passado e condena o presente sem um entendimento profundo das forças históricas que moldaram o país.
Quem foi Oswaldo Aranha
Oswaldo Aranha (1894-1960) foi um dos mais influentes diplomatas e políticos do Brasil no século 20. Natural de Alegrete, no Rio Grande do Sul, formou-se em Direito e ingressou na política como líder do movimento revolucionário de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder.
Durante sua carreira, ocupou posições de destaque, como ministro das Relações Exteriores, onde consolidou a política de aproximação com os Estados Unidos e desempenhou um papel central na entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados.
Aranha ficou internacionalmente conhecido por presidir a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947, onde teve um papel decisivo na aprovação da partilha da Palestina, que levou à criação do Estado de Israel. Admirado por sua habilidade diplomática, também teve passagens marcantes pelo Ministério da Fazenda e pela embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
Sua trajetória combina pragmatismo político, visão estratégica e um comprometimento com a projeção internacional do Brasil. Apesar de suas contribuições, suas visões refletem as tensões de seu tempo, incluindo a adesão a perspectivas ocidentais que influenciaram sua análise sobre potências emergentes, como a China.
Oswaldo Aranha faleceu no Rio de Janeiro em 1960, deixando um legado de liderança em momentos cruciais da história brasileira e global.
Lições e reflexões
O prefácio de Aranha para o livro de Maria Martins encapsula as contradições de sua época, mas que teimam em persistir nos dias de hoje, e serve como um lembrete de como visões limitadas podem distorcer análises de realidades complexas.
Enquanto celebra a cultura chinesa, ele reforça uma narrativa de superioridade ocidental que subestima as particularidades e a resiliência da China contemporânea.
No contexto atual, suas palavras nos convidam a repensar como entendemos e interagimos com culturas e sistemas políticos diferentes dos nossos. Ao superar as lentes do orientalismo, é possível construir diálogos mais inclusivos e equilibrados, reconhecendo a multiplicidade de caminhos para o progresso e a convivência global.
A trajetória de Oswaldo Aranha, com suas qualidades e falhas, continua relevante para refletirmos sobre as complexidades das relações internacionais e os desafios de superar preconceitos históricos.