CHINA EM FOCO

O que é democracia? China e EUA duelam para definir o conceito na atualidade

Existe um molde único para definir processos democráticos? Pequim faz contraponto à Washington e debate o que é, afinal, um modelo democrático hoje em dia

Créditos: Canva - O que é democracia? China e EUA, duas maiores economias globais, duelam pela definição do conceito
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O que é democracia? De que forma esse conceito se expressa e se concretiza mundo afora? Qual o modelo ideal, se é que existe?

Essa talvez seja uma das questões mais pertinentes para o mundo atual. As duas maiores economias globais, China e Estados Unidos, tentam liderar a construção de um consenso sobre o tema. Cada uma da própria maneira.

Em dezembro de 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, lançou a Cúpula pela Democracia, um evento anual que tenta vender a democracia do modelo estadunidense, liberal, e ditar a métrica para fortalecer as instituições democráticas, proteger os direitos humanos e acelerar a luta contra a corrupção, tanto no âmbito interno quanto no externo.

No mesmo ano, Pequim lançou o Fórum Internacional sobre Democracia. Um evento também anual que oferece uma alternativa ao modelo liberal disseminado por Washington para construção da democracia bem diferente do ocidental.

Neste ano, os dois eventos realizaram suas terceiras edições. O encontro de Washington durou três dias, de 18 a 20 de março, e ocorreu em Seul, capital da Coreia do Sul. Já o da China teve um dia de duração e foi realizado no dia 20 de março na capital nacional da potência asiática, Pequim.

Este texto trata do que foi debatido no encontro promovido pela China.

Democracia vai além do voto?

O jornal Beijing Review, veículo estatal que circula em língua inglesa desde 1958, registra o evento em Pequim com uma alegoria que zomba do modelo de democracia liberal sustentado como único pelos EUA.

O texto remete a uma parábola na qual um fazendeiro dos EUA tem um diálogo no leito de morte com o filho. Preocupado com os destinos da fazenda quando morrer, o homem pergunta:

"E se os porcos reclamarem da comida, o gado achar seu trabalho pesado demais e as galinhas estiverem insatisfeitas com seu galinheiro bagunçado?"

O filho respondeu: "Nós poderíamos mudar a comida, reduzir a carga de trabalho e limpar o galinheiro."

O fazendeiro balançou a cabeça em negativa e disse:

"Você não tem que fazer nada. Apenas dê a eles o voto para decidir se você ou sua esposa deveriam estar no comando deles. Eles acreditarão que têm voz na fazenda."

Para além da piada sobre a democracia liberal, que destaca a centralidade do voto, essa pequena história suscita um debate mais profundo: a democracia envolve mais do que apenas votar?

Valores humanos compartilhados

Xinhua - Terceira edição do Fórum Internacional sobre Democracia em Pequim

O modelo de democracia, se é ou não determinada pela prática do voto, foi uma das questões centrais discutidas na edição deste ano do Fórum Internacional sobre Democracia: Os Valores Humanos Compartilhados.

Mais de 200 participantes, incluindo políticos, diplomatas, acadêmicos e outros especialistas em democracia de todo o mundo, debateram e trocaram pontos de vista sobre questões relacionadas à democracia.

O evento deste ano é a terceira edição do fórum anual, que foi lançado pela primeira vez em 2021. O fórum foi promovido pelo Departamento de Publicidade do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) e pelo Escritório de Informação do Conselho de Estado, e co-organizado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, Grupo de Mídia da China e Grupo de Comunicações Internacionais da China (CICG, da sigla em inglês).

Li Shulei, integrante do Politburo do Comitê Central do PCCh e chefe do Departamento de Publicidade do Comitê Central do PCCh, proferiu um discurso de abertura na cerimônia de abertura.

"A democracia é um símbolo crucial do avanço da civilização humana, e o PCCh liderou o povo chinês a embarcar em um caminho de desenvolvimento democrático com características chinesas," disse Li

Ele enfatizou ainda que a democracia é um valor comum para toda a humanidade, visando salvaguardar e realçar o consenso global.

"A China respeita plenamente o direito dos povos de todos os países de escolherem seu próprio caminho de desenvolvimento de forma independente e é contra países que criam divisões e espalham preconceitos na comunidade internacional sob o pretexto de democracia. Não se trata apenas das promessas verbais recebidas durante as eleições, mas também de quantas dessas promessas são cumpridas posteriormente", afirmou Li.

Brasileiro participa do evento

Diário do Povo - Brasileiro Evandro de Carvalho discursou no Fórum

O brasileiro Evandro Menezes de Carvalho, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro (RJ), atualmente vivencia uma temporada em Pequim como visitante Sênior na Universidade de Pequim. Ele foi um dos participante do evento.

Em declaração feita ao jornal Global Times, o brasileiro resgatou uma fala recente do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que em nome do Norte Global, comentou que, no sistema internacional, "se você não está à mesa no sistema internacional, você vai estar no menu."

Carvalho refutou essa afirmação e ressaltou a importância de reconhecer que todos os países têm a oportunidade de se sentar à mesa de negociação internacional. "O cardápio oferecido pelo Sul Global pode nos ajudar a construir um mundo mais inclusivo, justo e pacífico", destacou em seu discurso no fórum.

Pela rede social X (antigo Twitter), em postagem desta terça-feira (26), Carvalho comenta que o evento na capital nacional chinesa debateu de maneira ampla, sem restrições, o tema da democracia no mundo atual. A China, destaca o professor, entra neste debate com sua perspectiva exposta no documento “Democracia que Funciona”.

"É hora de expandir o diálogo. As democracias ocidentais, em crise de legitimidade, estão perdendo o vigor que outrora detinham. Direitos democráticos estão sendo suprimidos por meio de restrições ao exercício da cidadania e outros artifícios. Na China, estes direitos democráticos estão sendo gradualmente adquiridos com a expansão do exercício de cidadania nos processos de decisão, sobretudo nos níveis locais", escreveu.

Confira a postagem:

Democracia na Diversidade

"Democracia não é uma fórmula simples, nem possui uma solução universal. Uma democracia forte só pode florescer no contexto das condições nacionais específicas de um país. A democracia sustentável só pode ser alcançada através da resolução contínua de seus próprios desafios", disse Du Zhanyuan, presidente da CICG, no fórum.

Em sua pesquisa pela Ásia, África e Europa, Du observou que cada país, em desenvolvimento ou desenvolvido, encontra obstáculos únicos em seu caminho para a democracia. Nações em desenvolvimento lidam com questões de desenvolvimento, enquanto economias mais avançadas enfrentam conflitos partidários e polarização política.

Um relatório realizado pela Academia de Estudos Contemporâneos da China e Mundiais, divulgado durante a cerimônia de encerramento do fórum, apoia sua observação. Entre os 9.200 respondentes de 23 países, 95,7% expressaram a crença de que cada país deve adotar modelos de democracia e modernização adaptados às suas condições nacionais.

O ex-vice-presidente da Câmara Baixa do Parlamento Malaio, Ong Tee Keat, observou que a China apoia a diversidade da prática democrática. "Ela vê o nexo entre a realização das aspirações do povo e o nível de desenvolvimento social capaz de apoiá-lo", disse ele ao fórum.

"Isto é particularmente pertinente no caso do Sul Global, onde as nações relativamente jovens, anteriormente colonizadas pelas potências ocidentais, têm que priorizar as necessidades básicas de subsistência do povo em relação à urna", explicou ele.

"A palavra 'democracia' tem sido usada por mais de três mil anos com uma série de definições diferentes. A que estou utilizando hoje é a que vejo mais comumente nos meios de comunicação chineses, discursos de líderes e assim por diante. É 'ouvir o povo', e parece-me uma definição bastante simples e boa de democracia", disse Stephen Perry, presidente Emérito do 48 Group Club da Grã-Bretanha.

Ele disse acreditar que a democracia de ouvir o povo é mais simples na China do que no Ocidente porque os líderes chineses fizeram uma enorme quantidade de pesquisa sobre o que o povo está pensando, sentindo, vivenciando e desejando.

"Então, eu acho que a China está a caminho de uma boa forma de democracia. Ela ouve seu povo e tende a fazer o que seu povo quer", disse Perry. "Minha mensagem é que a democracia e a governança chinesas funcionam, e que há muito que podemos aprender com isso. Deveríamos estar estudando a China, não tentando dar lições à China", afirmou.