Fim de ano em um governo de Ricardo Nunes parece sempre vir acompanhado da sombra de um possível aumento na tarifa do transporte público. O prefeito, cuja gestão tem promovido uma contínua piora no serviço e apresenta uma visão ultrapassada sobre a política tarifária, evita assumir uma posição clara sobre o tema. Prefere respostas evasivas, foge de entrevistas e só se manifesta sob pressão de outros políticos.
Foi assim também no período eleitoral deste ano. Sempre que questionado, Nunes dava respostas evasivas, fazia comentários equivocados e não se posicionava. Após ser reeleito seguiu se esquivando, falando aos poucos sobre um possível aumento e repetindo sua visão equivocada que trata o reajuste anual como algo “natural”, como a chegada do verão.
É preciso ter clareza sobre uma coisa: aumentar a tarifa impacta a renda das famílias, leva à perda de passageiros – o que reduz o aumento de receita esperado - e gera um impacto social pesado na população e na atividade econômica da cidade.
Aumentar a tarifa todo ano não é algo natural. É uma decisão política. Os preços e insumos do SUS e da educação também aumentam, mas a sociedade decidiu que o Estado deve cobrir esses custos, reconhecendo seu impacto social, humanitário e econômico. Nos últimos anos cresceu o número de pessoas e cidades que começam a perceber que o deslocamento das pessoas, ou seja, a mobilidade, também tem impacto semelhante. Quem não consegue circular não vai ao SUS, nem a educação, não procura trabalho e não acessa cultura.
São Paulo tem condições de avançar nesse tema como nenhuma outra cidade do país. O orçamento público recorde que o prefeito encontrará no próximo ano é só a opção mais clara para manter a tarifa, enquanto a prefeitura deveria, em paralelo, resolver outras questões estruturais que envolvem o tema.
O debate sobre outras fontes de receita é complexo, mas a prefeitura precisa parar de fugir dessa discussão. Além disso, as concessões de terminais e pontos de ônibus, realizadas nos últimos anos, bem como o uso desorganizado e descontínuo de propaganda dentro dos ônibus, são exemplos de oportunidades perdidas. Se o prefeito e os diversos secretários de transporte que passaram por sua gestão tivessem ouvido o Conselho de Transportes da cidade, teriam aproveitado o espaço para debates e apoio a propostas sobre o tema.
Se a prefeitura de São Paulo estivesse realmente preocupada com receitas para custear o transporte, estaria se posicionando e lutando contra o fim do Novo DPVAT - que prevê uma fonte de recursos federais inédita para as prefeituras – e que está sendo revogado por pressão de governadores, incluindo Tarcísio, aliado de Ricardo Nunes. O prefeito também poderia apoiar a aprovação da PEC 25/24 e do PL 3278/21, que organizam recursos federais e locais para o transporte.
A capital paulista também é privilegiada pela quantidade de dados que possui – embora muitas vezes não divulgue, já que transparência não é um tema caro a atual gestão – sobre o impacto da tarifa na redução de passageiros. Antes da pandemia, o único período sem redução de pagantes foi após 2013, quando Haddad segurou a tarifa após as jornadas de junho. Em 2020, o corte da gratuidade dos idosos de 60 a 64 anos, promovido por Bruno Covas, não gerou a receita esperada, pois os idoso reduziam suas viagens para evitar gastos. No caso do corte das integrações do Vale Transporte, também realizado pelo grupo político do atual prefeito, a receita foi até quatro vezes menor do que a esperada, já que as pessoas passaram a fazer outros percursos ou caminhar parte do trecho, para evitar o aumento imposto pelo corte.
Iniciativas inovadoras poderiam inspirar São Paulo. No Rio de Janeiro, a Lei Complementar 237/2021, aprovada na gestão Paes, exige estudos de impacto social antes de qualquer aumento tarifário. Essa abordagem reconhece que o prejuízo financeiro para as famílias precisa ser considerado, dado o impacto estrutural do transporte em seu dia a dia.
O aumento do subsídio é frequentemente usado como desculpa por Nunes, que reclama do valor sem abrir o debate sobre sua composição. Por que, afinal, o subsídio cresce enquanto a frota de ônibus e o número de viagens diminuem?
A resposta está no modelo de pagamento às empresas de ônibus. Apesar de negar, a prefeitura ainda paga as empresas majoritariamente pelo número de passageiros transportados. Ou seja, quanto mais lotado, mais recebem! E, se não cumprirem as viagens, não perdem dinheiro e aumentam seus lucros com a superlotação. Dessa forma, no pós-pandemia, a tarifa congelada ajudou a recuperar passageiros, mas as ordens de redução de viagens e de frota fizeram com que as empresas oferecessem menos serviço e lucrassem mais.
Ou seja, existe um descontrole nos pagamentos da prefeitura às empresas, que amplia o subsídio mesmo sem a cidade receber o serviço devidamente prestado. Isso não é novidade! O novo contrato assinado com as empresas em 2019, mas elaborado na gestão Haddad, já previa a correção desse problema, porém a gestão Nunes adiou essa solução.
A precarização do transporte na atual gestão é cada vez mais visível, com uma frota mais antiga circulando, o congelamento da expansão dos corredores e faixas exclusivas e o abandono da gestão do Bilhete Único. O abandono do setor e a falta de posicionamento do Nunes sobre o tema mostram que a Tarifa Zero aos domingos e a tarifa congelada, até em desacordo com o Tarcísio, foram meras jogadas políticas. Agora, o novo alinhamento eleitoral entre prefeito e governador pode levar a tarifa para mais de R$5.
O cenário mostra que a gestão Nunes falha no controle de qualidade das empresas, promove a desorganização das contas e o aumento do subsídio, e tenta jogar a conta de seus problemas nas costas das pessoas que usam ônibus, mesmo com orçamento público recorde. A reeleição do prefeito não escondeu a insatisfação da população com o transporte, comprovada pelas inúmeras reclamações de eleitores ao longo da disputa eleitoral, inclusive em debates.