O comentário de Thais Fersoza durante o Bate-Papo BBB sobre a fala depreciativa a respeito da roupa usada por Yasmin Brunet, participante do reality show, pelo primeiro eliminado do programa, Maycon, reverberou pelas redes sociais.
A apresentadora classificou o pensamento de Maycon como "antigo".
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"É um pensamento muito antigo achar que a mulher usa peças transparentes para provocar os homens. Ela está fazendo isso porque gosta e porque pode. O corpo é dela, e a gente tem que ter um olhar respeitoso com todos".
Thais Fersoza
Enquanto estava na casa, Maycon comentou sobre o receio de se aproximar da modelo por conta das roupas transparentes que ela usa. Confrontado pela Thaís, o ex-BBB tenta se justificar e diz que é julgado por usar saia.
"Eu não quis dizer que a Yasmin ou qualquer outra mulher não pode usar a roupa que quiser. Sou um homem que usa saia e é julgado por isso. Meu ponto era: sou um homem casado e tinha medo de que pegassem um take meu olhando para ela e usassem para me prejudicar. Fui muito mal interpretado", afirmou.
Fora do BBB as roupas das mulheres também são vigiadas
Para além do episódio específico em um programa de audiência nacional, zilhões de casos semelhantes acontecem diuturnamente com mulheres, anônimas e famosas.
Entra geração, sai geração, sempre tem gente que se incomoda com decote, comprimento, ajuste e transparência das roupas usadas por mulheres.
Inclusive mulheres. Lembra do caso recente "crente não usa cropped", teoria estapafúrdia defendida pela pastora Lu Alone, da Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte (MG)?
Em 1961, em sua passagem relâmpago - de 31 de janeiro a 25 de agosto - pela Presidência da República, Janio Quadros proibiu o uso de biquínis em praias e piscinas do território nacional por considerá-los "indecentes".
Seis décadas depois, em maio de 2021, a servidora pública Patrícia Nogueira foi repreendida por um segurança do Pontão do Lago Sul, localizado na orla do Lago Paranoá, em Brasília (DF), ao andar de bicicleta usando short e a parte de cima do biquíni.
O espaço de lazer para a população abastada da capital federal é público e não tem regras específicas que proíbam o traje. A servidora filmou a ação e mostrou que um homem passou ao lado dela, sem camisa, e não foi abordado pelo segurança.
Patrícia acionou a justiça para pedir condenação por danos morais contra a empresa Emsa Empresa Sul Americana de Montagens, responsável pela gestão do local. Não há notícias sobre o resultado ainda.
No bairro do Sudoeste, também no DF, em março de 2021, a estudante de odontologia Najhara de Mello, 36 anos, recebeu uma mensagem com o título “Solicitação de vestuário apropriado”. Ao abrir o conteúdo, ela se deparou com um texto assinado por um suposto “Conselho de Mulheres do Edifício".
Em maio daquele ano, uma jovem de 22 anos também recebeu uma carta anônima, escrita à mão por um “pai de família”, pedindo para ela deixar de usar “roupas vulgares” no condomínio onde mora, em Maringá, 428 quilômetros a oeste de Curitiba, no Paraná.
O bilhete foi deixado debaixo da porta de Ana Paula Benatti, que compartilhou o conteúdo da carta em uma rede social.
Esses são apenas alguns exemplos de notícias que pululam na internet. Embora o jeito de vestir das mulheres seja alvo de vigilância constante desde que o mundo é mundo, as redes sociais turbinaram a exposição do tipo de comentário feito pelo participante do BBB.
No calor dessa sucessão de notícias sobre intimidação de mulheres a partir das roupas que vestiam, a socióloga Eva Blay, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e ex-coordenadora do USP Mulheres/ONU, deu uma declaração para o Jornal da USP de junho de 2021.
Na ocasião, ela comentou que diversos fatores contribuem para essa realidade. Inclusive o momento de retrocesso vivenciado no Brasil durante o terceiro ano do Governo Bolsonaro.
A professora destacou a criação de um Ministério das Mulheres marcado pelo atraso e que não debatia questões de sexualidade e de gênero e que proibia falar em qualquer aspecto que dissesse respeito à liberdade das mulheres.
“Tudo o que diz respeito ao corpo das mulheres mexe com a liberdade, com os direitos, com o lado cultural. Na verdade, o que se está querendo é voltar atrás, acabar com os direitos já conquistados com a Constituição de 1988, que nos deu o direito de sermos pessoas integrais. A liberdade de vestir é só a coisa mais ostensiva dessa liberdade e, aqui no Brasil, vamos fazer muita força para evitar esse retorno cultural”.
Eva Blay
Jair Bolsonaro foi vencido nas urnas. Mas o bolsonarismo e seus 'parças' da extrema direita seguem vivos e atuantes, assim como o preconceito, o machismo e a misoginia.
O que você estava vestindo?
Quando a observação sobre a roupa de uma mulher se encontra com casos de violência sexual o resultado é assustador. Sempre bom esclarecer: estupro não é sobre sexo ou sobre um cara que não consegue controlar os seus desejos. É sobre poder.
Ainda assim, tem que ache que uma mulher pode ser responsabilizada por ter sido violentada por causa da roupa que estava vestindo.
Um relatório publicado em dezembro de 2016 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que 30% dos brasileiros concordam que “a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”, e 37% acreditam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.
Ou seja, ainda persiste a noção de que as roupas que vítimas de estupro usavam quando foram atacadas influenciam na decisão do agressor.
Esse mito foi desconstruído por uma mostra na Bélgica em janeiro de 2018 que apresentou ao público as roupas que vítimas de estupro usavam quando foram atacadas: pijama, vestido infantil e conjunto de blusa e saia.
A exposição reuniu 18 conjuntos doados à ONG CAW East Brabant, de apoio às vítimas de violência sexual. Ao lado de cada roupa estava um papel, com uma pequena resposta à pergunta: “O que você estava vestindo?”.
O que se viu nesta mostra foi que mulheres vítimas de violência sexual estavam vestidas como qualquer pessoa vestiria, não roupas de látex.
A partir de comentários aparentemente inocentes como os feitos pelo primeiro eliminado pelo BBB, acaba sendo normalizado o ato de intimidar mulheres a partir das roupas que vestem. Um sinal verde para violências piores.
Nenhuma vítima é responsável pela violência sofrida por estar vestindo uma blusa transparente ou um short curto. Há apenas uma pessoa que pode prevenir o estupro: o próprio estuprador.
Deixem nossas roupas e nossos corpos em paz.