MODA E POLÍTICA

Mulheres que se vestem de cor e brasilidade na política

Janja da Silva, Sonia Guajajara e Anielle Franco são exemplos do uso de roupas para expressar ideias e lutas

Créditos: Montagem
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A roupa da Janja para a posse de Lula representa um movimento amplo de mulheres progressistas que usam a moda para expressar ideias, contar histórias, defender causas e apoiar lutas. Ela foi a primeira a usar calça para acompanhar a posse do marido, presidente da República. Representa um marco e ecoa uma mensagem: a gente pode vestir o que quiser. 

A presença feminina na política é cercada por regras, tabus e baixa representatividade. As roupas viram uma questão relevante quando se trata de mulheres na política. Algumas optam por emular o padrão masculino, com os terninhos e variações, e está tudo bem. Outras mudam a normalidade e se vestem da luta com cores, amarrações e formas.  

Decolonizar a moda

A foto oficial do novo governo mostra a pluralidade do espírito desse novo tempo em Brasília com a presença colorida das 11 mulheres ministras. Duas delas em destaque: a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, e a da Promoção da Igualdade Racial, Anielle Franco.

 Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

O cocar, as cores e as pinturas da deputada federal eleita e ministra Guajajara são mais do que peças e ornamentos, são identidade, pertencimento e orgulho. Um importante lembrete de que vai ter povo indígena nos espaços de poder. 

A tribuna da Câmara, por exemplo, terá a voz potente da deputada federal eleita pelo PSOL de Minas Gerais Célia Xakriabá, além de outros dois representantes dos indígenas progressistas, Juliana Cardoso (PT-SP) e Paulo Guedes (PT-MG).

 

O kimono de tecido africano e o colar de búzios usado por Anielle Franco também vão além de meras peças e estão repletos de história, ancestralidade e luta das mulheres pretas brasileiras. 

Reprodução internet


Mudando o protocolo 

Há um simbolismo importante na escolha de Janja por um terno e calças. A criadora de conteúdo digital Elisa Chanan, do 'Moda é Falar Sem Falar', fez uma análise sobre o look. Ela lembra que, até 1997, o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigavam as mulheres a vestir saias.

"As calças são uma peça de roupa da emancipação feminina. Elas têm um papel muito importante nesse movimento feminista. As mulheres não podiam usar calças até meados dos anos 1920. A calça começou a ser aceita socialmente a partir dos anos 1930. Mas foi só nos anos 1970 que uso calça entre as mulheres se popularizou e ficou normalizado."
Elisa Chanan

Potência da moda brasileira

Em entrevista para a Vogue Brasil, Janja deu mostras de que pode ser uma aliada da moda nacional. Ela compreende o setor para além da cultura e também para a economia. Mais de 80% da força de trabalho da indústria têxtil é feminina. Se o setor de moda mundial fosse um país, teria o décimo primeiro PIB do planeta.

A moda é um colosso e tem impactos em diversas questões globais, como geração de emprego, reindustrialização, economia verde, crise climática, desmatamento, uso de agrotóxicos, trabalho análogo à escravidão, precarização do trabalho, direitos trabalhistas e por aí vai. 

Legado de Maria Thereza

Janja recebe o legado e o exemplo da aliada pioneira da moda nacional: Maria Thereza Goulart, lembra a professora de moda Verônica Goulart pelas redes sociais. Nos anos 1960, ressalta, a primeira-dama do Brasil foi a primeira mulher de uma autoridade que optou por um jovem costureiro brasileiro, o talentoso Dener Pamplona para desenvolver as peças do seu guarda-roupa. 

"Ao escolher Dener, Maria Thereza quebra um paradigma dos anos 60, de que as roupas importadas, principalmente da França, eram melhores que as nossas e passa a ser uma embaixadora da moda brasileira, colocando a nossa indústria do vestuário no mapa mundial."
Verônica Goulart

Congresso colorido

A bancada feminina na Câmara dos Deputados será composta por 91 mulheres a partir do próximo dia 1 de fevereiro, quando começa a legislatura que vai até 2026. É uma bancada maior do que a eleita em 2018, de 77 mulheres. As mulheres vão representar 17,7% das cadeiras da Casa. Atualmente, a representação é de 15%.

Entre essas 91 mulheres há representantes do movimento que veste a causa, a luta e a identidade. A federação com parlamentares do PT e PCdoB libera a representação feminina com 21 deputadas. 

Pela primeira vez na história da Câmara, a bancada feminina terá duas deputadas trans: Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). As roupas que elas vestem representam a vitória de ser quem é e isso tem uma enorme representatividade no parlamento e para a sociedade brasileira. As duas já passaram por cargos dos legislativos locais antes de chegar à Câmara, com votações recorde em seus estados.

Pretas e potentes

As cores afrobrasileiras estarão no Congresso Nacional, vestindo a bancada das mulheres negras progressistas formada por oito deputadas que representam os partidos PT, PSOL e PCdoB.

Entre elas, duas foram reeleitas, ambas pelo Rio de Janeiro e com atuação pautada pelo combate ao racismo e na luta pelos direitos das mulheres pretas e periféricas. Benedita da Silva (PT-RJ), vai para o quinto mandato aos 80 anos de idade e abriu caminho para as mulheres pretas na política.

Talíria Petrone (PSOL-RJ), reeleita pela primeira vez, imprimiu a própria marca com um guarda-roupas autêntico e a coragem de desafiar um espaço masculino com a maternidade orgulhosa

A bancada feminina negra é jovem e quer renovar a cara do Congresso. Dandara foi eleita deputada federal aos 28 anos pelo PT de Minas Gerais, após ser a vereadora mais votada de Uberlândia. Ela também é adepta dos turbantes coloridos. 

A primeira deputada federal preta do Paraná, Carol Dartora (PT), vai desfilar as tranças e o guarda-roupas autêntico pela Câmara. Junto com os cachos de Jack Rocha, também foi a primeira mulher preta eleita deputada federal pelo PT do Espírito Santo. 

Pelo Rio Grande do Sul, Daiana Santos e Denisse Pessôa, se tornam as primeiras mulheres negras a serem eleitas deputadas federal pelo estado gaúcho. Aos 40 anos, Daiana foi a terceira mais votada do estado e se descreve como "Primeira Deputada Federal Negra e Sapatão do Rio Grande do Sul". Ela é uma potência de cor e negritude com os dreads vermelho-revolução, os turbantes e as roupas descoladas. Já Denise exerceu o quarto mandato na Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul.

Que no Brasil do Futuro que começa agora a gente possa ser quem é e se vestir do jeito que quiser. Que para além das roupas das mulheres na política, as histórias das mulheres que fazem as nossas roupas sejam contadas. Que o trabalho delas seja valorizado. Que a gente consiga responder 'Quem fez as minhas roupas'?, 'A cor de quem fez as minhas roupas?', Do que são feitas as minhas roupas?. 

Que o entendimento sobre a moda contemple a força cultural, decolonizadora, social, econômica e individual dessa indústria. Que a moda seja lida como instrumento da política e da luta por um mundo mais justo e bonito. 

* Iara Vidal é jornalista e pesquisadora independente dos encontros da moda com a política e representante do movimento Fashion Revolution em Brasília (DF).