Em pleno 2025, o Mato Grosso do Sul segue sem a criação de novos assentamentos rurais efetivos, apesar de mais de 12.980 pessoas estarem cadastradas no Incra à espera de um pedaço de terra para viver e produzir. Representando mais de 2.800 dessas famílias acampadas, uma comitiva da Frente dos Movimentos Agrários do MS (FEMAMS) foi a Brasília no último dia 21 de maio, em busca de respostas e, principalmente, ações concretas do Governo Federal.
A comitiva se reuniu com representantes do Incra nacional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Câmara de Conciliação Agrária, além de movimentos sociais de outros 19 estados. Apesar das discussões e das promessas reiteradas, os resultados continuam escassos — e a paciência dos acampados, no limite.
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A FEMAMS reúne os movimentos AFBLA (de Bonito), Nova Esperança Terra e Teto, Abraão Lincoln, MSAF, OLT, LCU-BR, MDF, USB e FETRAF. Todos denunciam a paralisia da reforma agrária no Estado e apontam que, desde o início deste governo, não houve nenhum novo assentamento estruturado no Mato Grosso do Sul. A única “política pública” implementada até agora é a chamada reforma agrária de mercado: terras compradas pelo próprio campesinato com financiamento bancário, em que o capital público, do fundo de terras, financia os proprietários rentistas — e o latifúndio é novamente premiado através do endividamento massivo dos sem-terra.
Governo promete, mas nada sai do papel
Segundo nota enviada pela assessoria de comunicação da superintendência Estadual do Incra no MS, há previsão de assentamento de 210 famílias nos “próximos meses”, e 15 famílias já teriam sido realocadas em áreas de expansão, isto é, áreas já existentes em assentamentos antigos, e não áreas novas, uma verdadeira gambiarra fundiária. O órgão também afirma que existem áreas em análise, que só poderão ser divulgadas após vistoria técnica.
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Questionado sobre o número de pessoas aguardando terra, o Incra informou que há 12.980 cadastros ativos no Mato Grosso do Sul, mas não soube informar quantas dessas pessoas estão efetivamente habilitadas para compor a lista oficial de espera — ou seja, famílias com perfis aptos, com documentos atualizados e dentro dos critérios legais. O dado, revelado sem precisão pelo órgão, reforça a falta de transparência e de organização no processo de seleção.
Caso Bonito: terras improdutivas e acampamentos invisíveis
A cidade turística de Bonito também vive um drama invisibilizado: centenas de famílias seguem acampadas, muitas às margens de fazendas visivelmente improdutivas. O presidente da AFBLA, Nei Sanches, afirma que a maioria dos acampados nasceu e cresceu no campo, tem profundo conhecimento de agricultura familiar e deseja produzir alimentos e gerar renda de forma sustentável.
“Nosso povo não está pedindo favor, está reivindicando direito. Sabemos que há grandes áreas de devedores da União em nossa região, com terra parada, enquanto famílias dormem debaixo de lona. Reforma agrária não é caridade — é justiça social e desenvolvimento local”, reforça Nei.
Entre as áreas mais polêmicas está a Fazenda Aruanã/Mutum, com aproximadamente 2.053 hectares, de acordo com dados do SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária do Incra), pertencente à chamada “seita Moon”. O Incra alega que estudos preliminares indicaram baixa viabilidade para implantação de projetos de assentamento nos latifúndios da seita coreana, devido sobretudo ao “solo ruim”, mas não se descarta novas análises das terras. Para os movimentos sociais, esse argumento serve apenas como mais uma desculpa para manter a estrutura fundiária intacta e não avançar nas vistorias.
Câmara Municipal: atuação isolada e falta de política institucional
O vereador Paulo Henrique Breda Santos, presidente da Câmara Municipal de Bonito, confirma que não há uma política institucional coletiva sobre o tema dentro do legislativo municipal. Ainda assim, seu mandato tem atuado de forma independente: “Encaminhei requerimentos ao Incra e a deputados federais solicitando informações sobre a desapropriação da Fazenda Aruanã/Mutum e participei de reuniões presenciais na superintendência do Incra em Campo Grande”, declarou.
Segundo o vereador, a concentração fundiária é histórica e precisa ser enfrentada com decisão política. “Considero fundamental que a destinação de terras cumpra sua função social, especialmente diante do número expressivo de famílias acampadas em Bonito. Não podemos mais aceitar esse ciclo de promessas e postergação.”
Ano eleitoral à vista e o risco do congelamento
A crítica mais contundente dos movimentos sociais é a paralisia anunciada que se aproxima: 2026 será ano eleitoral e, como em ciclos anteriores, o tema reforma agrária tende a ser engavetado em nome de conveniências políticas. “Todo mundo some nessa hora. O que não fizeram até agora, não vão fazer depois. É tudo discurso”, comenta uma liderança da FEMAMS.
Enquanto isso, a chamada “reforma de mercado” avança: o governo federal investe em programas onde as famílias pagam pelas terras, e o agronegócio continua concentrando a propriedade, especulando com a terras convertidas em reserva de valor.
Reforma Agrária ou negócio lucrativo?
O que está em jogo é mais do que terra. É a escolha entre um modelo de desenvolvimento que prioriza a justiça social e a soberania alimentar — ou a manutenção de um sistema em que terras improdutivas servem como ativo financeiro e moeda política.
Em 2025, o Mato Grosso do Sul continua esperando a reforma agrária que nunca chega. A pergunta que fica é: até quando?
*Gabriela Junqueira é jornalista independente, formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo (2008), com registro MTE-1034/MS. Reside em Bonito (MS) e atua com foco em temáticas socioambientais, turismo sustentável, feminismo e direitos sociais.