HELENO ARAÚJO

Enfim, o piso salarial do magistério público sai em 2008: direito conquistado na política e na justiça

A eleição de um presidente operário no Brasil abriu uma janela de oportunidades a amplos setores da classe trabalhadora que estavam com seus direitos represados depois de anos de neoliberalismo no Brasil

Créditos: Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

O último artigo dessa série que reconstruiu um pouco da trajetória de luta por um piso salarial nacional profissional para os/as profissionais da educação contou como essa meta apareceu na lei do FUNDEB de 2007. Uma pauta central da luta dos/as trabalhadores/as em educação desde o século XIX no Brasil, a instituição de uma referência básica nacional de remuneração para os/as professores/as brasileiros/as veio a ser positivada na legislação brasileira somente no ano de 2008. Depois de pouco mais de um século de lutas e mobilizações, mesmo que circunscrito aos/às profissionais do magistério e, portanto, não abarcando a todos/as os/as profissionais da educação, como sempre se pautou a agenda da CNTE, o direito a um piso nacional aos/às professores/as veio junto com o governo do primeiro presidente do país de origem popular.

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A eleição de um presidente operário no Brasil abriu uma janela de oportunidades a amplos setores da classe trabalhadora que estavam com seus direitos represados depois de anos de neoliberalismo no Brasil. Com os/as professores/as não foi diferente, em especial em decorrência do nível de nossa organização sindical e política no país. Mas nada foi dado de graça. A luta e a conquista por um piso salarial nacional, com a indicação correta e explícita das receitas que arcariam com aquele novo direito, foi resultado de muita mobilização, como os artigos anteriores dessa série sobre o piso salarial tentou demonstrar. Até mesmo dentro de um governo que, teoricamente, estaria mais aberto a esse tipo de demanda, esse direito conquistado foi fruto de muita mobilização de rua e articulação política, em especial porque tratava-se naquela época, como acontece agora, de um governo de coalizão com amplos setores políticos da sociedade.

Como indicava a lei do FUNDEB em 2007, que foi sancionada em junho daquele ano, “o poder público deverá fixar, em lei específica, até 31 de agosto de 2007, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica”. Não foi o que aconteceu. Durante longos 12 meses a partir daquela data, os/as trabalhadores/as em educação do Brasil, articulados e organizados por todo o Brasil em seus sindicatos, se mobilizaram e fizerem muita pressão, nos Estados e em Brasília, para garantir o que a Lei do FUNDEB indicava. Em 16 de julho de 2008, após amplas mobilizações e marchas da educação na capital da República, além de inúmeras reuniões junto ao Ministério da Educação, a Lei 11.738 é sancionada pelo Presidente Lula.

Depois de um ano da lei aprovada, em 2009, cinco governadores decidem entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal. A Adin foi assinada pelos governadores do Paraná, Roberto Requião; do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius; de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira; do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli; e do Ceará, Cid Gomes. Esse último, anos mais tarde, veio a ser ministro da educação da Presidenta Dilma Rousseff. Em um jogo de formalidades, a Adin questionava o uso da denominação “vencimento básico”, em vez de “piso salarial”, além de inúmeras outras questões mais de mérito, como a hora-atividade e a situação orçamentária dos entes federados. Em 2012, foi dada entrada no STF em outra Adin, agora questionando o artigo 5º da Lei 11.738/2008, que assegurava o critério de reajuste anual do piso salarial nacional do magistério. 

Esses questionamentos judiciais foram caindo um a um. Apesar da demora do julgamento por parte do STF, o que terminou por causar enorme instabilidade jurídica no país, autorizando os gestores municipais e estaduais, a seu bel prazer, a não pagarem o reajuste anual do piso, a última vitória judicial dos/as professores/as brasileiros/as se deu somente no ano passado. Depois de o STF considerar constitucional a Lei do Piso em 2021, o governador do Rio Grande do Sul ainda insistiu e entrou com um embargo de declaração na ação que corria junto ao Supremo. Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a plena vigência da Lei do Piso Salarial Nacional do Magistério (11.738/2008) e da fórmula de cálculo do reajuste (art. 5º).

Os atores políticos que se mobilizaram intensamente contra os direitos do professorado brasileiro foram muitos e agiram sempre de forma muito dura. Mas a CNTE, munida de seus argumentos jurídicos e políticos, sempre conseguindo entrar como amicus curiae nas ações junto ao STF, conseguiu superar mais esses empecilhos. A luta, para variar, parece que não vai acabar com essa decisão do STF. As entidades municipalistas insistem em atuar quase à margem da lei e orientam os municípios a não pagarem o valor do piso. A disputa continua, agora, sendo política, mas também jurídica. Em defesa dessa grande conquista que o Piso Salarial Nacional do Magistério representou para essa categoria.

O atual governo do Presidente Lula, sob a coordenação do Ministério da Educação, reinstituiu no ano passado o Fórum Permanente de Acompanhamento do Piso Salarial do Magistério Público, espaço em que a CNTE divide junto com as representações das secretarias estaduais de educação (CONSED) e das municipais (UNDIME), além do próprio MEC. Essas negociações devem apaziguar esse tema para, enfim, depois de 15 anos de sancionada a Lei do Piso, possamos garantir esse direito a todos/as os/as profissionais do magistério, seja a qual ente federado ele/a estiver vinculado/a.