Fundada em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas e símbolo da soberania nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale SA, se comporta hoje como se fosse uma “estatal chinesa”, afirmou Márcio Zonta, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, o MAM.
Privatizada em maio de 1997, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, por apenas R$ 3,3 bilhões — uma fração do valor de suas reservas —, a Vale controla uma das maiores regiões minerais do planeta, na serra dos Carajás, no Pará.
Em tese, a empresa deveria ter enriquecido todo o seu entorno ao longo dos últimos 26 anos, mas não é o que se vê no Pará, nem em Minas Gerais, onde a Vale tem forte atuação.
Desde 1985, a Vale opera um trem que percorre 892 quilômetros entre Carajás e o porto da Ponta da Madeira, no Maranhão. São mais de 30 mil toneladas de minério por viagem.
No percurso, o trem passa bem ao lado da Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís. É quando a riqueza brasileira, em escoamento, passa por um dos símbolos da miséria social da região.
Zonta disse que a Vale se transformou em uma “estatal chinesa” durante entrevista ao programa Fórum Sindical, conduzido pela historiadora Conceição Oliveira.
Em julho de 2023, 74% das ações da Vale estavam pulverizadas pelo planeta. A Previ tem 8,72% das ações, a Mitsui japonesa 6,31% e a BlackRock, maior gestora de investimentos do mundo, 6,01%.
O controle da China não acontece através de compra de ações, mas por abocanhar 60% de todo o minério de ferro exportado pela Vale. O aço produzido na China retorna depois ao Brasil, em parte, como componente de produtos manufaturados.
Como o objetivo principal da Vale é o lucro rápido, o ritmo de exploração de Carajás não atende aos interesses soberanos do Brasil, mas da China.
Carajás repete o modelo que se viu na serra do Navio, no Amapá, nos anos 40, quando uma gigantesca mina de manganês — componente essencial para fabricar ligas metálicas, como o próprio aço — serviu ao esforço de guerra dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
Na prática, as reservas de manganês eram controladas pela gigante estadunidense Bethlehem Steel, da Pensilvânia. O manganês praticamente se esgotou e o entorno da mina, no Amapá, continuou tão pobre quanto antes do empreendimento.
A reprise, em Carajás, se dá em boa parte por conta da Lei Kandir, aprovada em 1996 durante o governo de FHC, que isentou do imposto de circulação de mercadorias a exportação de produtos primários, como os minérios.
Em função disso, governantes do Pará calculam que durante a primeira década e meia de vigência da lei o Estado perdeu mais de R$ 15 bilhões em arrecadação — mesmo com a “compensação” da União determinada pelo STF.
Na entrevista, Márcio Zonta denuncia que a CEFEM — Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais —, paga pelas mineradoras às prefeituras, é gasta sem nenhum controle social.
O tributo foi criado levando em conta que os recursos são finitos. No papel, as prefeituras deveriam utilizá-lo para incentivar alternativas econômicas. Mas, não é o que acontece.
Por isso, segundo Zonta, Itabira, em Minas Gerais, onde a Vale praticamente esgotou as reservas, se tornou a ex-Cidade do Ferro, com altas taxas de suicídio.
De acordo com o militante do MAM, a atividade minerária tem um padrão internacional de alta intensidade, responsável pelo adoecimento dos trabalhadores do setor.
Ele atribui a isso os altos índices de alcoolismo em cidades que vivem da mineração.
Márcio Zonta afirma que é uma triste ironia que trabalhadores terceirizados e quarteirizados retirem da terra os minérios que hoje são essenciais para fazer os produtos de maior valor agregado — de aparelhos da telefonia celular às naves espaciais.
O setor da mineração é altamente concentrado. As empresas investem pesado na espionagem de movimentos sociais que se opõem à destruição ambiental, diz Zonta.
No Brasil, a Vale privatizada foi responsável pelos dois maiores desastres ambientais, em Mariana e Brumadinho, que resultaram em ao menos 300 mortes e a destruição dos vales dos rios Doce e Paraopeba.
Apesar disso, a mineração continua beneficiária da Lei Kandir, mesmo na reforma tributária negociada recentemente pelo governo Lula.
Segundo Zonta, além de revogar a Lei Kandir, os movimentos sociais defendem o controle social sobre os investimento da Cefem e a retomada da soberania brasileira sobre os recursos minerais.
Não é uma tarefa fácil. De acordo com o militante, diante da crescente reação das populações locais contra os danos ambientais causados pela mineração, as empresas decidiram investir pesado nas relações com pastores e padres, muito influentes nas comunidades.
A estratégia foi discutida inclusive em um seminário realizado em Belo Horizonte.
Em artigo que publicou, Zonta cita o padre Dario Bossi, da Rede Igrejas e Mineração, que denunciou: “As empresas têm a esperança de que conquistando o favor de um pároco ou de um bispo conseguirão automaticamente garantir o apoio e reconhecimento de todos os fiéis daquela igreja em favor de seus projetos”.