45 minutos do segundo tempo. A bola está na marca do pênalti. Não é uma final de campeonato, mas é como se fosse. É um jogo pesado, de grande rivalidade, e a torcida lota o estádio esperando que seu craque corra na direção da pelota com a sua genialidade de sempre, mas... parece que ele segue para cobrar a penalidade máxima como quem sente câimbras, e corre o risco de chutar para fora.
Eu, como bom flamenguista, não consigo não lembrar do Zico na copa de 86. Era o grande craque da Seleção de Telê Santana e tinha em seus pés a chance de despachar a França e avançar para as semifinais daquela fatídica copa. Pouca gente lembra que o jogo foi para os pênaltis e que, na disputa, Zico marcou o seu, mas Sócrates e Júlio Cesar desperdiçaram suas cobranças. Ninguém lembra disso. O jogo ficou marcado pelo pênalti perdido por Zico e Zico ficou marcado por esse pênalti perdido.
Pois Lula tem agora, e só ele poderia ter essa chance (é o nosso grande craque, ainda) de marcar um gol histórico: escolher para compor o STF uma mulher negra. É um dos grandes pênaltis da vida de Lula (ele já teve outros, com certeza) e não dá pra desperdiçar essa cobrança. Qualquer outro chute será um pênalti perdido. QUALQUER OUTRO. Pode ser o Flávio Dino, que todos admiramos e queremos (um dia, não agora) no nosso Supremo Tribunal ou outro qualquer grande nome do Direito brasileiro, mas, se não for uma mulher negra, será um chute pra fora. Mais que isso, uma bola isolada bem longe da meta.
Lula não tem desculpas para não fazer isso. A declaração de que não será gênero nem “cor” que definirá a sua escolha nos enche de interrogações. Será que ele vai perder mesmo essa chance de uma reparação histórica num governo que foi eleito, entre outras coisas, para justamente efetuar essas reparações, após quatro anos de barbárie, racismo institucional e Ministros escolhidos não por sua capacidade e força histórica, mas para agradar um nicho religioso ávido por sangue e destruição de direitos, inclusive da população negra do Brasil.
Nem mesmo a escolha de uma mulher negra para a Suprema Corte da Justiça brasileira será uma “grande reparação”: caso seja essa a escolha de Lula o STF ainda contará com ONZE pessoas BRANCAS, sendo DEZ HOMENS BRANCOS. Não há argumento que sustente uma decisão de escolher mais um HOMEM BRANCO para essa Corte. Lula se torna indesculpável caso não opte por uma mulher negra. Seria declarar, em alto e bom som, que não há mulher negra capaz de assentar-se numa daquelas desejadas (e odiadas por muitos) cadeiras. E há! Muitas delas, por sinal! Não apenas uma, mas várias!
Não há para onde fugir: caso não escolha uma mulher negra para o STF Lula estará, DECIDIDAMENTE, optado pela continuidade do racismo institucional, pela manutenção dos privilégios brancos, pela opressão das mulheres e subalternidade eterna das mulheres negras. Repito: QUALQUER OUTRA escolha será desperdiçar a maior oportunidade de tentativa de reparação histórica que, neste momento, se coloca nas mãos de nosso Presidente.
Por fim, caso insista no patriarcado branco, Lula comete, também uma grande incoerência presidencial: de que adianta, por exemplo, um MINISTÉRIO DE IGUALDADE RACIAL se, na oportunidade que tem de praticar essa igualdade, refuga? De que adianta o discurso de um Brasil multicolorido em reconstrução se, na “hora do vamos ver”, repete as escolhas de governos anteriores, num pacto solene de branquitude masculina? Chegou a hora de fazer valer os milhões de votos que recebeu das mulheres negras do país, que anseiam por igualdade.
Caso o contrário, continuará sendo o nosso Presidente, sim, a melhor escolha entre a democracia e a barbárie em 2022, mas marcado para sempre por um pênalti perdido: a chance de tornar real o discurso de igualdade de sua campanha e a transformar em verdade a existência de seu MINISTÉRIO DE IGUALDADE RACIAL. Negar a uma mulher negra o assento no STF será dizer que esse e outros ministérios são apenas aparatos para agradar os movimentos negros, mas sem efetividade alguma quando se trata das decisões presidenciais.
Chegou a hora, Lula. E eu espero que você marque esse gol. É hora de virar o jogo!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.