Ela abriu a carta entre curiosa e preocupada. Era a primeira vez que recebia uma. E ainda por cima cheirosa. Geralmente na caixa de correspondência havia só boletos e cobranças. Quem ainda mandava cartas, meu Deus?
Ela leu: Amaro. Somente, sem sobrenome. Estranhou. Achei esquisito, disse depois à amiga Sheila. E o endereço era Praça dos Garis, bairro Encantado. Não havia número também. Mas a amiga só disse:
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— Cada louco com sua mania.
O importante era a carta e o conteúdo. Amaro dizia ser apaixonado por ela, mas tinha receio em se declarar pessoalmente.
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— Tão romântico!... E você não vai responder?
Ela estava em dúvida. Pensou: será que ele tem vergonha por ser gari? Mas os garis são as pessoas mais simpáticas do Rio. Além do mais, pro padrão dela (cheia de dívidas), ganham bem. Será que tem algum problema de saúde?
— Ou é muito feio! Ou velho — completa Sheila.
Ela só pensou: me deixa sonhar...
Mas, passado um tempo nessa dúvida, chegou nova carta. Cheirosa como a primeira. E novamente só "Amaro", sem sobrenome. Mas o endereço era outro: Praça Jardim Vista Alegre, no bairro de Vista Alegre.
Amaro lamentava que ela não houvesse respondido sua carta anterior. Mas dizia que havia visto a nova foto de perfil dela no Instagram. Que estava linda no vestido vermelho.
Então ele olhava o Instagram dela... Por que não escrevia por lá? Procurou entre seus amigos um com o nome de Amaro. Não havia.
Mas na carta ele comentava que a havia visto com aquele vestido outro dia no shopping. Que passou pertinho dela, mas ela nem o percebeu.
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Aquilo a deixou ainda mais curiosa. Passou pertinho dela... Sheila disse pra ela comentar no Instagram, já que ele a acompanhava por lá. Uma selfie com a carta...
Mas ela achava que não. Não tinha direito de compartilhar a carta dele. E estava curtindo receber cartas. Ia escrever uma em resposta, estava decidida.
Mas, antes disso, tinha o trabalho de operadora de telemarketing. E até um novo passeio no shopping, com uma saia curtinha e uma blusa nova, que ela ganhara no Natal mas ainda não tinha usado.
Ela nem havia tido tempo de escrever a carta, quando chegou uma nova. Amaro já havia se mudado mais uma vez. Agora para a Rua da Capela, no bairro da Piedade. Ele dizia estar muito triste, porque ela não respondia suas cartas e se sentia desprezado. Que a viu novamente no shopping, estava muito linda e com uma blusa que caiu muito bem nela, mas que ele não conhecia. E que passou outra vez bem pertinho dela...
— Acho que esse cara não bate bem — disse Sheila. Vive te seguindo, mudando de endereço. Aliás, esses endereços parecem pistas de algum mistério. Encantado, Vista Alegre, Piedade.
Ela resolveu responder a Amaro e dizer que ele fosse até a casa dela, que ele sabia muito bem o endereço, ou então que escrevesse com nome completo, um endereço que não mudasse a toda hora e uma foto. Mas não sabia se ele receberia a carta, porque poderia ter mudado mais uma vez.
Foi aos Correios, enfrentou uma fila que a fez pensar em desistir algumas vezes, mas, enfim, postou a carta. O endereço era o último, o da Piedade.
Mas nada de Amaro aparecer.
Em vez dele, chegou nova carta. Também cheirosa, mas o perfume cheirava a incenso, lembrava igreja. Ela se assustou quando leu o endereço: Rua Monsenhor Manuel Gomes, 155 - Caju, Rio de Janeiro - RJ. Até CEP tinha!
Ela entendeu que ele queria que ela fosse à casa dele. Pediu à amiga Sheila que a acompanhasse.
Pegam um ônibus. Quando chegam à rua, veem que é a do Cemitério de São Francisco Xavier, conhecido como Cemitério do Caju. Só tem ele daquele lado da rua. Do outro lado eram números pares.
Andam até a porta do cemitério e verificam o número. 155, como na carta. Era mesmo o número do cemitério, confirma um funcionário. Mas ele lhe diz mais: aquele número que ela pensou que se tratasse do CEP é na verdade a indicação de uma quadra e uma sepultura. E, pelo número, era sepultamento recente, de alguns dias.
Ela olha atônita para a amiga, que responde a seu olhar na hora, adivinhando seu pensamento:
— Nem pensar! Só entro em cemitério morta.
Ela pede a Sheila que a espere e segue nervosa as orientações do funcionário. É uma daquelas tardes de calor infernal, e a quadra aonde se dirige não tem uma bendita árvore pelo caminho.
Temerosa e intrigada, vai andando e olhando para os lados. Às vezes havia um grupo acompanhando um caixão para o sepultamento.
Até que chega à quadra e começa a procurar pelo número, o coração na boca. Por que Amaro teria feito aquilo? Bem que Sheila havia lhe dito que ele não batia bem.
Quando chega ao número indicado, o nome do morto não é Amaro. Ela olha a carta para conferir. Olha de novo o nome na sepultura. Não é Amaro.
— O Amaro não está aí. Estou aqui — apresenta-se Amaro, de surpresa, bem às suas costas.
O amor tem dessas coisas.