VIVÊNCIAS

Maratonei a série "Fim", da Globoplay, e fiquei mais próximo da morte

A produção é uma adaptação do livro de Fernanda Torres, que trata da única certeza que nos acompanha ao longo da vida: a de que vamos morrer

Maratonei a série "Fim", da Globoplay, e fiquei mais próximo da morte.Créditos: Divulgação
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Recém-estreou na Globoplay a série "Fim", uma adaptação do livro escrito por Fernanda Torres, que leva o mesmo nome. A trama gira em torno de um grupo de amigos cariocas e aborda a única certeza que nos acompanha ao longo de nossa existência: a de que vamos morrer. Como diz o velho clichê: não é possível falar da morte sem tratar da vida, e isso sobra nessa história.

Para avançarmos com o texto, é preciso falar um pouco da trama e do grupo de amigos, e juro fazer o maior esforço para não fornecer spoilers.

Tudo começa com a morte de Ciro (Fábio Assunção), e será neste trágico momento que o grupo se reunirá após muito tempo sem se ver. Todos aparecem para velar o antigo amigo, menos Ruth (Marjorie Estiano), que foi casada com Ciro e ambos representavam o amor perfeito; Célia (Heloísa Jorge), casada com Neto (David Junior); Ribeiro (Emílio Dantas), solteiro que ao longo de sua vida só se relacionou com garotas menores de idade ou muito jovens; Norma (Laila Garin), que foi casada com Silvio (Bruno Mazzeo); e Álvaro (Thelmo Fernandes), que se divorciou de Irene (Débora Falabella). 

Sim, vamos morrer!

Confesso que no primeiro episódio da série "Fim" quase desisti, pois não sou muito afeito a histórias que abordam homens adultos que vivem uma espécie de adolescência tardia, mas ainda bem que segui adiante, pois a série é muito mais do que isso.

Podemos dividir a história em três etapas: a primeira maturidade, quando todos os personagens têm vinte e poucos anos. Nessa fase, Ruth e Ciro são o casal que todos admiram, enxergando neles uma espécie de "amor perfeito". Outro casal que serve como inspiração é composto por Célia e Neto.

O casamento de Ciro e Ruth marca uma espécie de crepúsculo no grupo, e diante desse acontecimento, todos se casam, exceto Ribeiro. Confesso que este personagem me incomodou bastante - não li o livro e não sei qual foi a abordagem que a autora fez -, mas na série fica claro que estamos diante de um homem adulto que só se relaciona com adolescentes.

Acredito que o personagem Ribeiro poderia ter sido um pouco mais problematizado; há apenas duas cenas em que isso ocorre: quando Célia afirma que não gosta de deixar as crianças perto dele e quando a irmã de Ribeiro diz que "a preferência dele" - garotas menores de idade - dá cadeia. E ficamos por isso.

Vale a pena viver?

Para o escritor argelino Albert Camus, a única pessoa que tem a resposta para a famigerada pergunta - vale a pena viver? - é o suicida. Seu ato radical, diz o autor, nos diz que não, que não vale a pena acordar todos os dias para, basicamente, fazer as mesmas coisas. Mas, para rebater a assertiva daqueles que tiram a própria vida, Camus faz uma nova leitura do mito de Sísifo, condenado para toda a eternidade a carregar uma pedra até o topo da montanha. Para o filósofo, sim, vale a pena viver. 

Em certo sentido, a série "Fim" também pode ser entendida como uma resposta ao dilema de continuar com a vida. Nossos personagens representam as variadas formas de sucesso, fracasso, tipos de amor, além de discutir formas de maternidade, paternidade, amizade, amor e morte. Tudo termina; esse poderia ser o outro título da série e do livro.

Fiquei mais próximo da morte

Discutir a morte nunca foi um drama para mim, mas sempre percebi que esse assunto encontra muita resistência. Nunca entendi e continuo a não entender essa relação de repúdio ao fim que temos, pois, ainda que seja um baita clichê, o fim da nossa existência é a única certeza que recebemos desde o momento em que adquirimos consciência crítica sobre o "estar aqui".

Mas viver não é fácil, casar tampouco, e mais difícil ainda é, depois de anos juntos, tornar a união algo que não recaia em violências cotidianas e gratuitas, típicas quando não suportamos mais a presença de alguém em nosso dia a dia.

Também não é fácil continuar a viver quando grandes amores e amigos morrem; esse é um buraco que nunca se fecha. Seguimos, mas já não estamos mais 100%, e nunca mais ficaremos. A morte daqueles que amamos deixa buracos que não se fecham. "Fim" também é sobre isso.

Ao terminar de assistir à série "Fim" - uma produção excelente - me senti mais próximo da morte. Tenho 41 anos, já tive alguns grandes amores, mas também já perdi duas pessoas que amava. Esse é o ciclo da vida, mas, em determinado momento, ela deixa a seguinte pergunta: quem será o próximo?