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Trump quer seu rosto esculpido no Monte Rushmore

Projeto no Congresso tenta incluir presidente de extrema direita entre os símbolos talhados nas Black Hills

Projeto no Congresso tenta incluir presidente de extrema direita entre os símbolos talhados nas Black Hills
Trump quer seu rosto esculpido no Monte Rushmore.Projeto no Congresso tenta incluir presidente de extrema direita entre os símbolos talhados nas Black HillsCréditos: Reprodução Pinterest
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Durante seu primeiro mandato como presidente dos EUA, Donald Trump não escondeu o desejo de ver seu rosto entalhado em Mount Rushmore — o monumento icônico que exibe, esculpidos no granito das Black Hills, em Dakota do Sul, os rostos de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.

Wikipedia - Mount Rushmore

Na época, Trump confidenciou esse sonho à então deputada Kristi Noem, hoje secretária de Segurança Interna de seu governo. Ela chegou a presenteá-lo com uma miniatura de Mount Rushmore com o rosto dele esculpido ao lado dos presidentes.

Agora, já em seu segundo mandato, a ideia voltou a circular. Em janeiro, a deputada republicana da Flórida Anna Paulina Luna apresentou um projeto de lei para incluir Trump na montanha, proposta que ainda está em tramitação na Comissão de Recursos Naturais da Câmara.

Em março, o atual secretário do Interior, Doug Burgum, chegou a dizer em entrevista que “definitivamente há espaço” para Trump em Rushmore — mas especialistas rebatem totalmente essa possibilidade.

É viável acrescentar Trump em Mount Rushmore?

Getty Images - O sonho de Trump 

De acordo com o Serviço Nacional de Parques, responsável pela gestão do monumento, Mount Rushmore é considerado uma obra concluída, sem viabilidade técnica para acréscimos. O escultor original, Gutzon Borglum, trabalhou na montanha entre 1927 e 1941 e precisou adaptar o projeto várias vezes por causa de rachaduras, veios de quartzo e camadas frágeis de xisto na rocha.

A estrutura possui fissuras e blocos instáveis que tornam impossível abrir novos espaços sem risco de comprometer partes já esculpidas. Um engenheiro geomecânico que monitorou a estabilidade do local explicou ao New York Times que qualquer escavação poderia, por exemplo, “arrancar o nariz de Lincoln” devido às falhas naturais da pedra.

Além dos obstáculos técnicos, há uma questão simbólica: “Você não adicionaria um rosto na obra de Borglum, assim como não pintaria mais pessoas na Última Ceia de Da Vinci”, comparou Dan Wenk, ex-superintendente de Mount Rushmore.

Ainda assim, o slogan “Trump em Mount Rushmore” costuma render aplausos em comícios — e provoca reações inflamadas entre críticos. Apesar disso, o “grande sonho” de Trump tem mais chance de continuar como souvenir do que de virar uma nova cabeça de granito de 18 metros de altura.

As ligações com a KKK

Getty Images - O escultor Gutzon Borglum

A história de Mount Rushmore também carrega um lado sombrio: seu criador, Gutzon Borglum (1867–1941), mantinha vínculos diretos com a Ku Klux Klan. Antes de comandar a obra na montanha sagrada dos Lakota Sioux, Borglum trabalhou no Stone Mountain, na Geórgia — outro projeto colossal, financiado e impulsionado por líderes da KKK, que pretendia eternizar figuras como os generais confederados Robert E. Lee e Stonewall Jackson, símbolos do orgulho branco sulista durante a era da segregação racial.

Borglum manteve contato próximo com a Klan, participou de reuniões e contou com apoio financeiro para viabilizar o projeto. Sua reputação como escultor nacionalista e seus laços com grupos supremacistas abriram caminho para ser escolhido para Mount Rushmore anos depois.

Embora não haja registros de que a KKK tenha financiado diretamente o monumento, a herança do escultor permanece controversa. Erguido em terras tomadas dos Lakota, Mount Rushmore é alvo constante de protestos de indígenas e movimentos antirracistas, que veem a obra como um marco de supremacia branca cravado em território sagrado.

Símbolo de usurpação e resistência

A discussão sobre entalhar ou não o rosto de Trump no monumento ignora, muitas vezes, o que Mount Rushmore representa para os povos indígenas: um dos maiores símbolos da apropriação colonial de suas terras nos Estados Unidos.

A região que hoje forma Dakota do Sul tem uma história rica, mas também sangrenta, marcada por conflitos e expropriação. Antes da chegada dos colonizadores europeus, o território era lar de várias nações Sioux, organizadas em três grandes grupos: Dakota (Santee), Nakota (Yankton e Yanktonai) e Lakota (Teton), este último o mais numeroso na região das Black Hills.

Os Lakota incluem povos como os Oglala, Hunkpapa e Miniconjou. As Black Hills (Pahá Sápa, em Lakota) são consideradas sagradas, o “centro do mundo” ou o “coração de tudo o que é” para essas comunidades.

No século XIX, a expansão para o Oeste trouxe tratados e traições. O Tratado de Fort Laramie de 1868 garantiu aos Lakota o controle perpétuo das Black Hills. Mas em 1874, uma expedição comandada pelo general George Custer encontrou ouro na região, e o governo dos EUA quebrou o tratado para abrir caminho à mineração e colonização.

Esse episódio desencadeou conflitos sangrentos, como a Grande Guerra Sioux (1876–77), que inclui a célebre Batalha de Little Bighorn, onde Sitting Bull e Cavalo Louco derrotaram Custer. Ainda assim, em 1877, os EUA confiscaram as Black Hills à força.
Até hoje, a apropriação é contestada: em 1980, a Suprema Corte dos EUA reconheceu a violação do tratado e determinou uma indenização — recusada pelos Lakota, que exigem a devolução da terra, não dinheiro.

A construção de Mount Rushmore

Mount Rushmore foi esculpido entre 1927 e 1941, exatamente no coração das Black Hills, território sagrado para os Lakota. A obra estampou os rostos de quatro presidentes — Washington, Jefferson, Roosevelt e Lincoln — como símbolo da expansão e do poder dos Estados Unidos.

Para muitos povos indígenas, o monumento representa uma violação de um local sagrado e um ícone do colonialismo, já que exalta líderes associados à ocupação de suas terras.

O Crazy Horse Memorial: um monumento vivo

Wikipedia - Crazy Horse Memorial

Em contrapartida, desde 1948, um projeto grandioso vem sendo talhado não muito longe dali: o Crazy Horse Memorial. Idealizado por Korczak Ziolkowski a convite de líderes Lakota, o memorial busca homenagear Cavalo Louco (Crazy Horse), um dos maiores símbolos da resistência indígena frente ao exército dos EUA.

A escultura, quando concluída, será a maior montanha esculpida do mundo: o rosto de Crazy Horse já é visível desde os anos 1990, mas o projeto prevê ainda o torso completo, o braço apontando para o horizonte e o cavalo montado. O trabalho é financiado de forma privada, sem verba governamental, e permanece em andamento até hoje, tocado pela família Ziolkowski e por membros da comunidade Lakota.

Mais do que uma obra monumental, o Crazy Horse Memorial se tornou um símbolo de recuperação da memória indígena e de afirmação cultural diante da presença imponente de Mount Rushmore.

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