Nunca, nenhum domicílio do estado de São Paulo – ou até mesmo do país – ficou sem luz durante cinco dias seguidos, a não ser que não tenha pago a conta. Nem mesmo na pior crise energética do Brasil, vivida em 2001, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorreu algo semelhante.
Isto pode ser facilmente constatado, basta conversar com pessoas de mais idade, jornalistas e especialistas. Desde a forte chuva da última sexta-feira (9), milhares de casas, prédios, empresas, fábricas entre inúmeros outros domicílios ficaram na completa escuridão.
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O fato provocou um prejuízo incalculável. Alimentos estragados, estabelecimentos comerciais fechados, máquinas paradas entre vários outros. Até mesmo algumas escolas, alunos tiveram que fazer as provas do Enem no escuro no último domingo.
As inúmeras notas da Enel, a concessionária de energia que opera na região da Grande São Paulo desde 2018, invariavelmente começam com referência aos “clientes impactados na última sexta-feira (3) após a forte tempestade com rajadas de vento de mais de 100km/h” como se nunca antes tivéssemos tido tempestades, chuvas fortes entre outros eventos climáticos do gênero.
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O prefeito Rei do Camarote
A mesma desculpa foi usada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que no sábado (4), entre uma ida ao UFC e outra a Interlagos para ver a corrida de Fórmula 1 – fatos que renderam a ele o apelido de “Rei do Camarote” dado pelo deputado federal Guilherme Boulos (Psol) – afirmou que “a chuva que caiu na Capital, na Região Metropolitana e Baixada Santista hoje foi excepcional. A capital paulista ficou em estado de atenção por quase 2 horas. Tivemos rajadas de ventos, em alguns locais, como na região de Congonhas que chegou a 104 km/h. Estou acompanhando às equipes, constitui um grupo de trabalho e estaremos todos empenhados para que a Cidade retome a sua normalidade o quanto antes.”
Após cinco dias de passeios e desculpas, o prefeito finalmente resolveu entrar nesta quarta-feira (8), através da Procuradoria do Município, com uma ação civil pública questionando juridicamente a Enel por responsabilidades em relação à falta de luz.
Uma questão arbórea
Por outro lado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que a falta de luz foi “uma questão arbórea”. A frase pareceria arrancada de uma cena de stand up, não fosse pela mais profunda e justificada falta de humor de quem ficou no escuro durante todos esses dias:
“O grande vilão desse episódio foi a questão arbórea. Foi a questão da quantidade de árvores que, por falta de manejo adequado acabaram caindo sobre a rede. Então, a gente precisa de um plano conjunto de manuseio arbóreo”, disse o governador durante uma entrevista a jornalistas, concedida após reunião com representantes de agências reguladoras e concessionárias.
"O plano de manejo arbóreo é, talvez, uma das soluções mais baratas, efetivas, e é uma coisa que a gente pode fazer imediatamente", completou Tarcísio.
O que diz a Enel
A Enel Distribuição São Paulo, grande responsável pelo problema (sem eximir de culpa, é claro, quem a colocou lá e também os que têm a função de fiscalizá-la), soltou nota nesta quinta-feira (9), afirmando que – é claro – “após as fortes chuvas”, a situação está praticamente normalizada, com “apenas” 1300 clientes em Cotia e Embu, dois municípios da Grande São Paulo, que ainda estão sem fornecimento desde sexta-feira. “Em paralelo, a empresa também segue atuando para normalizar cerca de 30.000 registros de falta de luz originados nos dias seguintes à tempestade”, completa a nota.
Por mais que a Enel negue, ainda há relatos de problemas na capital. Um morador do Alto da Boa Vista, bairro nobre da Zona Sul, afirmou em entrevista à rádio CBN que sua rua inteira está sem energia desde sexta-feira.
O apagão de 2001
A escassez de chuvas e a falta de planejamento e ação rápida do governo Fernando Henrique Cardoso na época, aliadas ao aumento da demanda por eletricidade e à alta dependência das hidrelétricas, fizeram com que houvesse uma sobrecarga no sistema elétrico do país, o que gerou um sério risco de apagão.
A principal medida adotada para a contenção da crise foi o racionamento de energia, que incluiu estados das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil entre junho de 2001 e março de 2002.
Residências particulares, edifícios comerciais e públicos, e indústrias, todos estavam inclusos no plano e sujeitos às regras de economia de energia. Além do impacto direto sobre as contas do consumidor final, a crise do apagão obrigou muitas pessoas a mudarem seus hábitos. O período trouxe como consequência transformações significativas no sistema elétrico, mas que não afastaram definitivamente as crises e a possibilidade de apagão.
O racionamento durou de 1º de junho de 2001 a 1º de março de 2002.
Mesmo assim, e apesar desta ter sido a maior crise energética do país, ninguém, jamais, em momento algum – nem domicílios, comércio ou indústria – ficou cinco dias sem fornecimento.
A imagem que ilustra este texto
O entusiasmo do governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao bater o martelo no final do leilão do Trecho Norte do Rodoanel em março deste ano, rapidamente virou meme nas redes socias.
O cineasta Kleber Mendonça Filho, de "Bacurau", "Retratos Fantasmas", entre outros comparou a agressividade do governador com a clássica cena do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick.