JORNALISMO

As metamorfoses de Reinaldo Azevedo - por Julian Rodrigues

Da Libelu ao neoliberalismo, do antipetismo ao antibolsonarismo: a peculiar trajetória do Tio Rei

Reinaldo Azevedo.Créditos: Reprodução de Vídeo
Escrito en OPINIÃO el

Por honestidade intelectual sinto-me compelido a abrir este texto com uma confissão.  Assistir ao O é da Coisa, de Reinaldo Azevedo, transmitido pela Rádio Bandeirantes é para mim puro guilty pleasure. Trata-se provavelmente do melhor programa jornalístico do PIG (Partido da Imprensa Golpista – Paulo Henrique Amorim, presente!)

Azevedo é um quadro político preparado, formado dentro da tradição marxista e trotskista. Foi militante da quase lendária Libelu (Liberdade e Luta), tendência estudantil com epicentro na USP, criada em meados dos anos 1970, seção brasileira da  OSI – Organização Socialista Internacionalista; atualmente a corrente petista O Trabalho.

Trata-se de uma tendência socialista e petista  ligada à  IV Internacional  (aquela liderada pelo francês Pierre Lambert). Sabe-se que existiram e existem diferentes grupos mundo afora alinhados às distintas correntes do movimento trotskista.

Em geral pouco expressivas a maior parte dessas organizações autoproclamaram-se nas últimas décadas como sendo as  legítimas herdeiras e continuadoras da Quarta Internacional - aquela fundada por Leon Trotsky em 1938.  

Leninistas, centralizados, organizados e geralmente pequeninos, os mais diferentes grupos trotskistas têm em comum o enorme esforço dedicado à formação política de seus quadros.  

Uma tendência histórica a contínuo fracionamento, orgulhoso sectarismo mais a fragilidade orgânica da maioria dos grupos trotskistas em todo e qualquer tempo e lugar viraram lenda e senso comum. Tem inspirado décadas a fio toda uma tradição de piadas no campo da esquerda, uma mais, outras menos razoáveis, digamos assim.

Resumidamente, no Brasil, as principais correntes trotskistas são as dos: morenistas (a ex-Convergência Socialista, hoje PSTU,) e  o MES de Luciana Genro, a CST de Babá, e outras menores; lambertistas (O Trabalho é a mais relevante); mandelistas do SU – Secretariado Unificado (origem da tendência Democracia Socialista do PT)  e muitos microgrupos mais, digamos, exóticos – como os posadistas (seguidores do argentino Juan Posadas, conhecidos por postular a existência de extraterrestres).  

(Reparem que fiz questão de ignorar aquela oportunista e esdrúxula liberal-trosca seita armamentista, particular propriedade do senhor RCP. Prudência e tino político aconselham-me a não escrever o que realmente penso sobre o PCO. Melhor manter a  elegância, não xingar  ninguém, não ajudá-los a ganhar clicks e, ademais, evitar contendas judiciais).

Liberdade e Luta

Chama a atenção quanta gente hoje importante passou pela Libelu (Liberdade e Luta). A caminhada dessa corrente foi registrada no imperdível documentário dirigido por Diógenes Muniz: “Libelu-Abaixo a Ditadura”, de 2020. 

Talvez seja possível agrupar os ex-Libelu em três grupos: i) os que continuaram na tendência; ii) os que foram para o campo majoritário do PT ou permaneceram na esquerda moderada, alguns como militantes partidários outros não; iii) os que se transmutaram em liberais e/ou conservadores de diversas cepas.

Seriam aproximações toscas, of course. Toda taxonomia é falha e arbitrária a priori. Quase nunca é possível ou eficaz operar com  categorias rígidas, estanques – sobretudo se estamos a lidar com tantos e tão heterogêneas personalidades.

Mas, vamos lá. Na primeira turma - a dos que continuam do lado certo da história, ademais no mesmíssimo lugar – temos Markus Sokol, Misa Boito e Júlio Turra (atual e tradicional trio dirigente da tendência petista O Trabalho).    

É preciso mencionar o deslocamento de parte importante dos quadros de OT (O Trabalho) em direção ao campo majoritário e mais moderado do PT em meados dos anos 1980. 

Tornou-se lendária tal movimentação - maldosamente apelidada de “Sonrisal” –  rotulada como uma dissolução. Isso porque ao invés de os quadros lambertistas executarem a conhecida tática do entrismo –  tentando influenciar os rumos da corrente majoritária do PT – ao contrário, terminaram muitos deles se incorporando à Articulação. 

Ou seja, o plano era alojarem-se em postos-chave no interior da corrente mais influente do PT  para tentar empurrar à esquerda suas formulações.  

Na política também atuam as leis da física e da biologia. Tais militantes acabaram por mudar de rota e optaram por aderir organicamente à corrente majoritária e “moderada”, a  mesma  de Lula, dos cristãos da Teologia da Libertação, dos sindicalistas.  

Fizeram assim Antonio Pallocci, Brani Kontic, Clara Ant, Ricardo Berzoini, Zé Américo, Jorge Branco,  Antonio Donato,  o saudoso  Luis Gushiken – citando apenas alguns.

Em um segundo grupo podemos agrupar figuras públicas  que continuam no campo progressista, embora não sejam mais militantes do PT. Curiosamente as e os mais destacados são jornalistas –  todas/os com passagens pela redação do diário da Barão de Limeira como Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite, Josimar Melo, Caio Tulio Costa e Ricardo Melo.

A ala que virou a chavinha inteiramente – bandeando-se para o liberalismo e/ou até para o reacionarismo – inclui nomes como Demétrio Magnoli, Matinas Suzuki, Mario Sergio Conti – todos  jornalistas que também coincidentemente trabalham ou trabalharam na Folha de S. Paulo.

Abster-me-ei de dedicar qualquer espaço para o talvez mais conhecido ex-militante de OT: Antonio Palocci – trânsfuga vulgar um  verme. Canalha, vaidoso e corrupto trata-se de desprezível cachorro (delator).

As elites as quais tanto obedeceu divertem-se zombando do ex-poderoso ministro da fazenda – agora usuário de tornozeleira eletrônica. Corrupto rastaquera, um traíra bajulado anos a fio pela grande mídia

O sujeitinho de língua presa serviu tanto ao andar de cima e foi tão mimado por eles, que se achou inimputável (Vanity is my favorite sin ensina o Capiroto, interpretado por Al Pacino, no clássico The Devil´s Advocate).

Quando acreditou já ter virado gente diferenciada seu Palocci pôs-se a roubar com espetacular sofreguidão. Anos a fio havia cultivado a imagem de pessoa sofisticada, inteligente, ponderada – cristal que desabou em um estrondo. Pallocci roubou e roubou, rápida e desbragadamente – sem nenhuma elegância nem método – pior até que um principiante tosco qualquer. 

O ex-ministro não se via como o que de fato era: um “wannabe”. Depois terminou nos revelando sua verdadeira vocação, a de batedor de carteira – e ainda mais bobalhão que qualquer malandro de rua.

Primórdios

Inicialmente crítica ao movimento pró-PT, a então OSI brasileira – futuro O Trabalho, logo-logo incorpora-se ao esforço de construção daquele novo Partido plural, socialista, independente e classista. 

O então estudante de jornalismo Reinaldo Azevedo foi trotskista. Militou no final dos anos 1970 em O Trabalho. Deve vir daí parte  de sua consistente formação política – fundamentada naquela época em um  marxismo-trosco-lambertista-próPT.

Não sei exatamente precisar em quais momentos Reinaldo fez suas grandes transições político-ideológicas.   Do socialismo revolucionário ao neoliberalismo tucano,  passando pelo direitismo mais estridente até chegar ao  exuberante progressismo liberal de hoje.

O fato é que durante muito tempo Azevedo foi  um dos mais virulentos propagadores do antipetismo na  grande mídia.  Dotado de indiscutível talento oratório e texto primoroso, Azevedo esteve na  linha de frente. Fazia agitação e propaganda - intelectual orgânico da direita, combativo. Incansável na conservadora  oposição militante aos governos  do  PT. 

Historicamente próximo ao PSDB, Reinaldo Azevedo esteve à frente da revista Primeira Leitura  - publicação impulsionada  e  financiada  pelo  tucanato paulista, que circulou n metade inicial da década de 2000. 

O jornalista  foi   colunista da fascistoide revista Veja por 12 anos -  o período mais tenebroso de sua  trajetória pública.

Notabilizou-se como criador do neologismo petralhas, carimbo  que  mostrou-se grudento, termo virulento ao qual conservadores de todo tipo recorrem  a todo momento  para rotular  não apenas os  governos Lula/Dilma mas também o conjunto da militância petista. 

Em 2008, o ex-trotskista publicou um livro (coletânea de artigos) com um doce  título: O país dos petralhas  -  a obra fez sucesso e deu cria.

O segundo volume foi regurgitado em 2012. Tudo com ampla divulgação e apoio   da   revista Veja, onde Reinaldo hospedava sua coluna semanal além de toda grande mídia.

No ano de 2017 Azevedo saiu (ou foi saído da Veja). Babado, confusão e gritaria.

A incompatibilidade entre ele e a publicação hebdomadária dos Civita deu-se   aparentemente em virtude das críticas que vinha começando a tecer e torpedeavam a queridinha-mor da mídia – a  operação  Lava Jato. 

O estopim dessa   surpreendente   ruptura se relaciona com o episódio no qual Moro vazou a transcrição   de  uma  conversa comezinha entre Reinaldo e Andrea Neves (irmã de Aécio). Moro arrumou  nesse episódio um inimigo de peso. 

No   derradeiro artigo que publicou naquela revistinha fascistoide  Azevedo classificou como intimidatória a divulgação enviesada daquele  trivial diálogo entre ele (jornalista) e Andrea (fonte).Comum o papo era mesmo, mas saber  que  o mesmo aconteceu foi didático,  cá entre nós (diga-me com quem andas – ou conversas - e direis quem tu és).

Surpreendente e contundentemente Reinaldo posicionou-se como um dos pioneiros críticos   daquela supostamente maravilhosa operação justiceira,  então patrocinada  por toda  mídia. Sabemos hoje que foi uma estratégia golpista e anti-esquerda, concebida e implementada desde as profundezas do deep state norte-americano. É o petróleo, estúpido!

A tal operação supostamente épica era protagonizada por dois vaidosos   provincianos paranaenses, mal treinados nos EUA.  Não sabiam falar ou  escrever direito  nem  em português, muito menos em inglês – uma  duplinha de  limítrofes capachos das elites e proto-fascistas.

Rapidamente   a roda da história girou. É   um prazer quase orgástico assistir dia a dia à fulminante, trágica e espetacular   derrocada da dupla Moro-Dallagnol. Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou. 

Lúcido, alertou-nos Azevedo lá nos primórdios da operação ela que poderia ser o início de um   “estado policial”.  Importante lembrar:  alguns setores da esquerda flertaram e até chegaram a elogiar a Lava-Jato no início -  ranço udenista de uns e ilusões “republicanas” de outros. Ah, o Estado burguês...

Foi no mês de fevereiro de 2019  - quando atuava como comentarista político da Rede TV – que  Reinaldo deu então   um  bas-fond antológico. Resolveu pedir as contas e se desligar da emissora televisiva em grande estilo. 

Estrelou  um   piti  memorável  - ao vivo  e em cadeia nacional. Inesperada e rudemente arrancou seus microfones pondo-se de pé.  Muitos alegam que foi além e   fez um gesto similar ao de “coçar o saco”.

Na sequência, desdenhou solenemente a simpática despedida ensaiada pelo  reacionário   Boris Casoy   -que era o âncora do telejornal. Daí foi-se embora brusca e   teatralmente, espumando de raiva, performando  a ira mais santa e  vingativa.

Outro giro

Não sei precisar exatamente quando ocorreu (em 2019 talvez).  O fato é que Reinaldo Azevedo se reposicionou again. Com a mesma  ênfase e competência de sempre.

Passou a propagar posições progressistas.Ao ponto de  vir  a constituir-se, nos meios midiáticos,   em um dos mais ácidos críticos tanto do bolsonarismo  quanto do lavajatismo .  

Quase um cavaleiro solitário cavalgando na contramão pelos campos nem tão verdejantes  da  grande mídia ( trabalha Reinaldo  na Band FM e na Folha/UOL). 

Reivindica garbosamente (dia sim e outro  também)  sua filiação ideológica ao que seria um tipo ideal de   liberalismo “clássico” .  Ademais, orgulhosamente ostenta ao fundo de seu cenário um porta-retrato com a imagem icônica da filósofa  liberal-cult a  queridinha dos EUA -  senhora  Hanna Arendt. 

Todavia, entretanto, porém, contudo, na prática o apresentador tem se apresentado de forma crescentemente   crítica ao campo conservador -  e até simpático ao PT. Chegou recentemente a entrevistar Lula  não  só  corretamente (o que já seria invulgar), mas também com empatia.

A mim me parece que Tio Rei está  a vibrar em uma frequência de reconciliação com as ideias daquele  do  jovem socialista que um dia foi.  

Mesmo quando faz juras ao liberalismo objetivamente cada vez mais   sustenta posições social-democratas - que lembram  um  Welfare State com cara brasileira. Reparem que formalmente segue repudiando ideias progressistas e socialistas.

Parece que sonha nosso   jornalista  com  um governo liderado por aquele velho PSDB de centro-esquerda - que seria naturalmente o porta-voz  do bom senso e do reformismo pragmático.  

Teríamos um   blending perfeito.  Mistura ideal -  e nas proporções certas  - de um social-liberalismo  com muita social-democracia. 

Esse PSDB imaginário nos salvaria. Seria o portador de um projeto quase perfeito – mesmo sendo essencialmente   paulista, elitista, modernizante, levemente reformista, mal-humorado, blasé, supostamente ilustrado e muito arrogante. 

Algo   meio Covas, meio FHC, representação da elite cosmopolita à frente de um país católico, mas que deve se manter secular.  Um governo de gente pacata, moderadamente conservadora, vaidosa e com dicção perfeita.

Por onde anda esse PSDB, afinal?

O PSDB com o qual Reinaldo sonha transformaria o Brasil em uma nação desavergonhadamente moderna, empreendedora e  globalizada, mas sem cair em exageros  ultraliberais como os de um João Doria.  

 Em sua utopia tucano-liberal-progressista o país teria a cara da Fiesp  e do agronegócio (que é pop). Mas com o charme da USP. 

 Esse projeto tucano-raiz que empolga Reinaldo projeta um Brasil contemporâneo distante tanto de esquerdismos como    de extremismos neofascistas.

Tal país que deve conservar suas liberdades democráticas -  com políticas públicas compensatórias e total pluralismo.  Mas, sem vacilar nada de dar margem à ascensão das classes populares. Muito menos para que se façam reformas estruturais. 

Seríamos então o país do presente, a terra prometida, paraíso neoliberal fingindo e se achando socialdemocrata.  Vistos   de  longe  pareceríamos civilizados, embora de fato continuaríamos profundamente oligárquicos.  

Para sempre haveríamos de ter governos medíocres, contudo racionais. Conservadores e (ou)  liberais –   entretanto sempre compassivos.

Esse Brasil   simpático, no entanto,    só vale  até o momento  no qual  a esquerda não chega ao governo.  Nessa hora imediatamente   se rasgam todas máscaras. As classes  dominantes impulsionam logo alguma modalidade de  golpe: rápida, eficaz e despudoradamente.

Dono de oratória afiada, consistente repertório cultural e  conhecedor  da boa  literatura  Reinaldo Azevedo tem cumprido  um  papel importante.  É até inusitado que continue dispondo de 60 minutos diários para opinar livremente  em plena Band News, além de  manter sua coluna  na Folha de Sâo Paulo.  

Reinaldo Azevedo, ex-professor de literatura, um   jornalista experiente maneja com talento a “última flor do Lácio”. Esbanjando   referências faz questão de exibir vaidosa e arrogantemente seu  vasto repertório cultural  - embora pareça tentar não se apartar  totalmente de  seu público-alvo (setores centristas  liberais bem informados das classes médias urbanas paulistanas   e  paulistas).

O colunista da Folha de São Paulo   não abre mão de executar um   ritual – faz todos  saludos à la bandera. Ou seja, deixa nítido que continua um liberal de carteirinha: segue confiável para seus atuais patrões, para o conjunto dos   barões da mídia e amigo dos donos do capital.

Quando em vez, ao reiterar sua posição ideológica, parece estar o âncora apenas a repetir um protocolo   -  que visa manter seu emprego e/ou  conservar sua audiência   entre  ouvintes  e  leitores senso comum. 

 Cada vez são  mais frequentes   críticas  muito  ácidas que o apresentador  expressa -  tanto à política econômica capitaneada por Paulo Guedes como a um  conjunto de clichês ideológicos disseminados  diariamente pelo partido da imprensa golpista (o famoso PIG -   termo criado pelo  saudoso Paulo Henrique Amorim). 

Recentemente Reinaldo Azevedo tem falado de política internacional. Suas análises sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia são semelhantes às da esquerda.

Meu amigo Breno Altman, editor do site Opera Mundi,  quadro petista formado na velha e boa tradição comunista,   entrevistou Reinaldo Azevedo no início do mês de junho. O clima era de camaradagem. Bem à vontade, o colunista da Folha bateu sem piedade nos liberais brasileiros. 

Entre muitas outras frases de efeito (o estilo é o homem) Azevedo afirmou   diretamente a necessidade de cuidarmos das contas públicas.  Mas, aí vem o que  importa, sem uma rigidez que impeça o crescimento econômico. 

Um dos maiores algozes do PT, o âncora da Band News reconheceu naquela entrevista que os governos do Partido implementaram uma política de inclusão “coisa que nossos liberais não teriam feito”. 

Além disso, enfaticamente postulou  a constituição de uma frente ampla antifascista.  Esculhambando os neoliberais brazucas,  que não falariam com os pobres,  provocou: “talvez o liberalismo seja de fato coisa de país rico".

Qual é o perfil da maioria dos atuais ouvintes/leitores de Reinaldo Azevedo hoje? Eu queria muito saber. Intuo que atualmente ele  tem  muito mais audiência no meios  progressistas do que entre supostos liberais e/ou democratas não  bolsonaristas.

A trajetória de Reinaldo Azevedo é peculiar.   Ter sido militante socialista na juventude, se formar na tradição marxista mudar de lado e aderir ao neoliberalismo - e/ou ao direitismo repugnante  - não é algo raro, pelo  contrário.

Bem   menos   usual é deparamo-nos com alguém que começa na esquerda resolve atravessar o  rubicão,   alcança a margem oposta, mas  anos  depois engata  ( ao menos parcialmente)  marcha a ré. E fica menos distante do lugar de onde partiu. 

Distopia neoliberal-fascista

Nesses dias tão estranhos a poeira nem mais “fica se escondendo pelos cantos” (saudades do Renato Russo).  

O Brasil de Bolsonaro é pesadelo bruto. Distopia. Tudo de ruim elevado à enésima potência. Sociedade hiper-capitalista   e   pós-moderna, ao mesmo tempo arcaica. Um terço do povo está sob  hegemonia  e direção política da extrema-direita.

Brasil desde sempre radicalmente    desigual  - e agora  com fascistas armados até os dentes.  Sob explícita tutela militar.  Estrutural e conjunturalmente   somos um país   misógino,   violento, racista, homofóbico. 

Em nossas metrópoles vegeta multidão de  miseráveis  a  perambular -  maltrapilhos e famintos  - como  zumbis de alguma série da Netflix. Enquanto isso um   punhadinho   de  homens brancos (cidadãos do bem)  -  milionários toscos  - refestelam-se entocados  nos  seus luxuosos condomínios-bunker. 

Protegidos e escoltados por milícias particulares –   tal  casta de rentistas flana mundo afora a   praguejar contra nossos impostos supostamente abusivos, contra a corrupção dos políticos e a burocracia do Estado.

Mas, de fato, o esporte preferido   dessa   burguesia fascistoide que se acha liberal  é resmungar contra a indolência da classe trabalhadora brasileira -  esse bando de desqualificados: uma gente  preta e parda, pobre e inculta. 

Fazem isso sem descuidar em nenhum momento das ações para garantir a hegemonia cultural e política dos dogmas pró-mercado.  Ultimamente também  do  milico fascista que  elegeram  em 2018. 

Mas não tem conversa. Já decidiram que tudo farão para reeleger Bolsonaro   mesmo  tendo um pouco de nojinho – ou não. 

Não tem sido fácil enfrentar tanta desgraceira, tanta irracionalidade -  essa baita regressão civilizatória que veio junto com o autoritarismo neofascista.  

Quedamo-nos imersos, dispersos - muitas vezes sem forças ou condições objetivas para coletiva e organizadamente remar contra esse tsunami de fétidos dejetos.  Quase esmagados pela preponderância de uma ditadura da burrice – orgulhosa, arrogante, agressiva e parecendo invencível.

Mas tentamos seguir de espinha ereta e cabeça erguida. Dia após dia. Apanhando, recuando e  também meio que avançando quando dá. Reagrupando, refletindo, reinventando. Lutando nas ruas e  chamando o voto em Lula, única forma de começarmos  a virar essa página horrível.

Daí  também deriva a enorme relevância de toda e qualquer voz que venha a se perfilar ao lado   das forças antifascistas. Mais gente contra Bolsonaro. Ainda que marchando separados podemos - devemos - seguir golpeando juntos.  

Vai, Tio Rei! Segue sendo um tanto gauche na vida.  

Se nosso existir está repleto nas palavras  de Drummond:  “ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera”, a voz de Reinaldo Azevedo:   é feia, mas é uma flor - furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.