O secretário de Saúde da administração de Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr., enfrentou uma dura audiência no Congresso nesta terça-feira (24), marcada por acusações de mentiras, favorecimento ao negacionismo científico e decisões que colocam em risco a saúde pública. Figura histórica do movimento antivacina no país, ele foi duramente criticado por deputados democratas e até por aliados republicanos.
Durante a sessão, Kennedy afirmou — sem apresentar provas — que o deputado democrata por Nova Jersey Frank Pallone teria recebido US$ 2 milhões da indústria farmacêutica e mudado sua posição sobre vacinas por interesse financeiro. Diante da repercussão negativa, foi obrigado a retirar a acusação. O episódio agravou ainda mais o clima de tensão em torno de sua gestão, que já vinha sendo alvo de questionamentos.
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O momento mais tenso da audiência foi protagonizado pela deputada democrata por Washington e médica pediatra Kim Schrier, que acusou Kennedy de mentir ao Senado ao prometer que manteria o comitê de especialistas em vacinas do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). Após ser confirmado no cargo, ele demitiu todos os 17 membros do painel, substituindo-os por nomes ligados à desinformação sobre vacinas — incluindo defensores da falsa teoria de que elas causam autismo.
Kennedy também revogou a recomendação oficial para que gestantes tomem a vacina contra a Covid-19, contrariando evidências robustas que atestam sua segurança e eficácia nesse grupo. “Não havia ciência suficiente para manter a recomendação”, justificou, em uma declaração amplamente contestada por especialistas em saúde pública.
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Outro ponto crítico da audiência foi sua falta de conhecimento sobre investigações de fraudes bilionárias no setor de saúde. Questionado pela deputada democrata por Nova York Alexandria Ocasio-Cortez sobre a investigação contra a UnitedHealthcare — maior operadora de planos de saúde dos EUA —, Kennedy admitiu desconhecer o caso, levantando dúvidas sobre sua aptidão para liderar a pasta.
Como se não bastasse, o secretário apresentou um plano polêmico: pretende que toda a população use relógios inteligentes ou pulseiras fitness nos próximos quatro anos. O objetivo, segundo ele, seria baratear tratamentos médicos com a promoção de hábitos monitorados digitalmente. “Se você consegue o mesmo resultado com um acessório de US$ 80, é melhor para o povo americano”, afirmou.
O avanço do negacionismo
Robert F. Kennedy Jr. é sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy e filho do senador homônimo assassinado em 1968. Ambientalista de longa data, tornou-se uma das vozes mais conhecidas do movimento antivacina, espalhando teorias infundadas sobre a suposta ligação entre vacinas e autismo — desmentida por ampla pesquisa científica. Ele chegou a disputar a presidência dos EUA como candidato independente, antes de ser nomeado secretário de Saúde em meio a fortes críticas.
À frente da principal pasta de saúde pública dos EUA, Kennedy tem promovido cortes em órgãos técnicos e tomado medidas que alarmam cientistas e médicos. Para especialistas, sua gestão representa um grave retrocesso na prevenção de doenças. A nomeação de negacionistas, o desmonte de comitês científicos e o descrédito às vacinas criam um cenário perigoso, que mina a confiança da população na ciência e favorece o retorno de doenças antes controladas, como o sarampo e a coqueluche.
Um paralelo com o Brasil de Bolsonaro
A trajetória de Kennedy guarda semelhanças com a condução da saúde pública no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro (2019–2022), marcado por episódios de negacionismo científico durante a pandemia de Covid-19:
- Bolsonaro chamou o coronavírus de “gripezinha” e minimizou sua gravidade.
- O governo federal promoveu o “kit Covid”, com medicamentos ineficazes como cloroquina e ivermectina.
- Houve demora na compra de vacinas e desestímulo à vacinação, com frases como: “Se virar jacaré, problema seu”.
- Técnicos e ministros da Saúde foram demitidos por defenderem medidas baseadas em ciência.
- A CPI da Covid, no Senado, apontou crimes de responsabilidade, desinformação e omissões que contribuíram para centenas de milhares de mortes evitáveis.
Assim como ocorreu no Brasil, o negacionismo institucionalizado nos EUA ameaça comprometer décadas de avanços em saúde pública. Quando autoridades colocam em dúvida as vacinas e atacam especialistas, os mais vulneráveis — crianças, gestantes, idosos e imunossuprimidos — tornam-se as maiores vítimas de doenças que poderiam ser prevenidas com informação e política baseada em ciência.