No dia 07 de agosto de 2006, fruto da luta incansável das mulheres brasileiras no combate à violência contra mulheres, foi criada a Lei Maria da Penha, durante o primeiro mandado do Governo Lula. A lei é, até hoje, uma das mais avançadas legislações sobre violência contra as mulheres do mundo, um marco na luta pelos direitos das mulheres. Agora, estamos em 2022, diante de uma nova possibilidade de eleger um governo democrático e progressista depois de 4 anos de fascismo que brutalizou nossa sociedade e disparou os índices de violência contra as mulheres. Por isso, hoje, queremos renovar esse compromisso no combate à violência de gênero.
A lei Maria da Penha não atuou apenas como texto para embasar serviços públicos, mas revolucionou o modo de se pensar o que significa violência doméstica. Através da Maria da Penha, a sociedade abriu um importante debate sobre como as mulheres passavam a apanhar dentro de casa, sobre o porquê muitas não denunciavam e até mesmo quais violências prévias deveriam ser identificadas antes de uma tentativa cabal de feminicídio. Portanto, desde sua criação, ameaças de perda de guarda de filhos, retenção de patrimônio, violência psicológica, agressão verbal, tudo isso começou a ser caracterizado como violência doméstica. Foi a Lei Maria da Penha que permitiu que avançássemos no debate para cunhar o termo feminicídio, como um crime específico contra as mulheres.
Se essa é uma das maiores legislações do mundo sobre o tema, sua aplicação fica muito aquém na realidade. Ainda mais durante os últimos 4 anos. A Lei Maria da Penha não prevê ações apenas no âmbito da polícia, como ficou conhecida por prever a possibilidade de pena de prisão para os/as agressores/as, mas sua atuação requer uma série de medidas em diversas áreas, como a saúde, a assistência social e a educação. A atuação conjunta da sociedade e do poder público na identificação da violência, na denúncia e na proteção e assistência às vítimas é essencial para o projeto funcionar.
Em 2021, um ano após o início da pandemia, período em que a violência doméstica se agravou, apenas 66% do orçamento federal previsto para o enfrentamento à violência contra as mulheres havia sido executado. E, segundo o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o orçamento do Governo Federal para as mulheres em 2022 foi reduzido em 33%. Sendo que, de acordo com o INESC, as casas de acolhimento à violência contra a mulher não receberam nenhuma verba do Governo Federal até o momento. O montante de R$ 7,7 milhões previstos no orçamento do Ministério da Mulher jamais foi empenhado.
Somente no primeiro ano do governo Bolsonaro os casos de agressão à mulher já tinham aumentado 27%. O presidente é um entusiasta da violência contra as mulheres, tendo já sido condenado pelo STF, quando ainda era deputado, por ter dito à Deputada Federal Maria do Rosário que “só não a estuprava porque ela não merecia”. Além da condenação por ter feito insinuação sexual a uma jornalista. Bolsonaro é inimigo das mulheres.
Além do agravamento da violência no último período, a desigualdade entre as mulheres é também cada vez maior. Em dez anos, das 50 mil brasileiras assassinadas, 67% eram mulheres negras (Atlas da Violência). As mulheres negras, indígenas e quilombolas são as mais afetadas pelo desmonte das políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Os elementos que combinam o racismo estrutural, a desigualdade de renda e de acesso a serviços de atendimento, pois muitos se concentram em áreas metropolitanas, engrossam o caldo de desigualdade entre as mulheres mais atingidas.
Ainda hoje, o movimento feminista luta também para ter dados mais elaborados na identificação da violência que incluam também a orientação sexual e de gênero para ser possível medir os índices de lesbocídio e transfeminicídio. Dados que hoje são coletados por organizações da sociedade civil e não pelo governo. A ausência desse tipo de pesquisa acarreta na invisibilização da violência e, consequentemente, no apagamento das formas de combater suas especificidades.
“É urgente que os números crescentes de violência contra as mulheres deixem de ser contabilizados pelo número de chamadas ao 180 e sejam enfrentados com número de atendimentos nos serviços públicos. Que o indicador a ser celebrado seja a queda nos feminicídios de mulheres negras e indígenas, sobre quem ainda sequer existem dados oficiais de violência – mas não faltam notícias sobre violações a seus direitos.” Esse é um trecho do artigo de Myllena Calasans de Matos, advogada feminista, integrante do Consórcio Lei Maria da Penha, do Cladem (Comitê Latino Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher) do Brasil e do Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Famílias da Universidade de Brasília para o Jornal Nexo.
É urgente que o pacto democrático para um Brasil livre do fascismo e do ódio inclua de forma contundente o avanço nas políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero, seja pelo fortalecimento dos equipamentos de assistência social e acolhimento às vítimas, seja no enfrentamento às desigualdades entre mulheres e mesmo na politização de uma sociedade que não pode - em hipótese alguma - naturalizar a violência contra as mulheres. O que queremos nesses 16 anos de Lei Maria da Penha é que o novo governo meta a colher e erga as mangas para construir uma sociedade em que nenhuma mulher seja violentada, humilhada, agredida ou morta por ser mulher.