CYNARA MENEZES
O precedente aberto por Jair Bolsonaro ao indultar seu amigo Daniel Silveira, condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pela máxima Corte do país por atacar a democracia e ameaçar ministros, é mais que perigoso. Na prática, Bolsonaro, tal qual um Luís XIV do século 21, se atribui poderes imperiais: "o Estado sou eu". A partir dessa premissa, no futuro poderá libertar qualquer condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que desejar.
Quem será o próximo beneficiado pelo perdão bolsonarista? Os próprios filhos do presidente, investigados por corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, fake news, tráfico de influência e rachadinhas? O seu amigo Fabrício Queiroz, acusado de ser o mentor do esquema de apropriação do salário de funcionários dos gabinetes da família? Quem sabe o vizinho de Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, Ronnie Lessa, o assassino de Marielle Franco? Amigos do presidente podem tudo, é esse o recado que o indulto transmite ao Brasil.
A leniência de Bolsonaro com o crime, para dizer o mínimo, não é de hoje. Só caiu na balela de que ele e sua gente não têm "bandido de estimação" quem quis cair. Mas, sem dúvida, indultar um criminoso condenado pelo Supremo cruza uma fronteira assustadora
Curioso é ver esta turma que dizia não ter "bandido de estimação" apelando a uma flagrante inconstitucionalidade para tirar um criminoso da cadeia, sob a desculpa mentirosa de que defendem a "liberdade de expressão". Os mesmos "defensores da liberdade de expressão" que queriam prender o cartunista Aroeira por uma charge; os mesmos "defensores da liberdade de expressão" que colocaram o Ministério da Justiça atrás de um sociólogo por conta de um outdoor onde se comparava Bolsonaro a um "pequi roído". A "liberdade de expressão" só vale para os bandidos de estimação do presidente.
Aliás, a leniência de Bolsonaro com o crime, para dizer o mínimo, não é de hoje. Só caiu na balela de que ele e sua gente não têm "bandido de estimação" quem quis cair. Bolsonaro disse que apoia a tortura de seres humanos, crime inafiançável e imprescritível; a família Bolsonaro acumula indícios de ligações com a milícia e homenageou milicianos; Bolsonaro já defendeu a sonegação de impostos; Bolsonaro torra milhões em dinheiro público para fazer campanha fora de hora; o MEC de Bolsonaro é investigado por oferecer propina em troca de verbas.
Me vem à memória o deputado Marcio Moreira Alves, cujo discurso na Câmara foi utilizado pelos militares em 1968 como desculpa para o AI-5. Silveira é como um Marcito às avessas: se o Supremo reverter o indulto, pode ser o mote para o "novo AI-5" que Eduardo Bolsonaro nunca escondeu ser a intenção desta turma
Mas, sem dúvida, indultar um criminoso condenado pelo Supremo com uma canetada cruza uma fronteira assustadora. Me vem à memória o caso do então deputado federal Marcio Moreira Alves, cujo discurso na Câmara foi utilizado pelos militares em 1968 como desculpa para endurecer o regime através do AI-5. Daniel Silveira é como um Marcito às avessas: se o Supremo reverter o indulto dado pelo presidente, isso pode se tornar o mote para o "novo AI-5" que Eduardo Bolsonaro nunca escondeu ser a intenção desta turma.
A maior preocupação de todos os reais defensores da democracia agora é com o que vai acontecer em outubro. Um presidente que não acata uma decisão da mais alta Corte do país aceitará a derrota nas urnas? Isso se houver mesmo eleição... O déspota que ocupa o Planalto mostrou mais uma vez que não há limites para sua sede de poder.