Os resultados preliminares das eleições antecipadas na Alemanha, realizadas neste domingo (23), apontaram para um cenário marcado pela fragmentação política e pelo avanço expressivo da extrema direita. O Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda comprovadamente ligada a grupos e ideias neonazistas, obteve 20,8% dos votos e se tornou a segunda maior força política do país desde a Segunda Guerra Mundial. Isso no terceiro mandato de Donald Trump no outro canto do planeta.
Quando temas fundamentais são alvo de polarização e politização por extremistas, como a crise climática, os direitos das mulheres, a imigração e outros, os fatos por si só não são suficientes, pois as pessoas interpretam as informações com base nas suas primeiras crenças sobre esses assuntos, e não de forma objetiva. Isso explica por que usar apenas dados e estatísticas nem sempre funciona e os fatos, muitas vezes evidenciados por outro espectro político, continuam sendo ignorados e manipulados.
Quando as pessoas se deparam com fatos que contrariam suas crenças mais profundas, elas não os rejeitam apenas, mas reforçam ainda mais essas crenças. Isso tem a ver menos com fatos e está mais relacionado à forma que o cérebro processa e identifica o que considera como “ameaça”. É o que concluiu um estudo da Universidade de Michigan. Conhecido como "Backfire Effect", ou efeito "tiro pela culatra", esse fenômeno foi documentado pela primeira vez em 2010 por Brendan Nyhan e Jason Reifler.
“Por que percepções errôneas sobre questões controversas na política e na ciência são aparentemente tão persistentes e difíceis de corrigir? Acadêmicos, jornalistas e educadores lutam para superar a prevalência dessas crenças falsas, que estão intimamente relacionadas a identidades e sistemas de crenças como o partidarismo, que podem minar a base factual do debate público, distorcer a opinião da massa e distorcer a política pública”, afirmam os autores.
“Pessoas são frequentemente vítimas e atores de percepções erradas sobre um fato devido a falhas de capacidade cognitiva e esforço de processamento da informação em vez de um processamento crítico e motivado a informações corretas”
Ou seja, quanto mais contato uma pessoa tem com informações distorcidas, mais resistente ela se torna à informação de qualidade e aos contextos dos fatos. Esse é o campo que a extrema direita aposta dentro das redes sociais para angariar apoio político e explorar vulnerabilidades da população, com ajuda da ação de algoritmos das big techs.
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Pouca memória, crença primária e resposta emocional
As informações falsas são feitas para serem “acessíveis” à compreensão popular e assim, aumentar as chances de convencimento, como acontece com frequência em países liderados por governantes de direita ou com uma ampla base dessa linha ideológica. A fake news do Pix foi amplamente disseminada por lideranças de direita no Brasil em janeiro, e nos Estados Unidos, os decretaços de Donald Trump e a agenda “woke” foram mais um sintoma de uma história que não para de se repetir.
Tem tudo a ver com a resposta emocional aos fatos. Os pesquisadores explicam que o Sistema de Ativação Reticular (RAS) age como um filtro cerebral, determinando no que prestamos atenção e o que deixamos de lado. Quando informações desafiam nossa identidade ou crenças, a amígdala — nosso sistema de alerta emocional — pode interpretá-las como uma ameaça real, semelhante a um perigo físico. Isso ativa uma resposta instintiva de "luta ou fuga", impulsionando a defesa de ideias a todo custo.
Isso explica a forma como extremistas políticos surgem e atacam, além de levar consigo uma grande adesão popular, e fomentar cada vez mais negacionistas. Os autores destacam o fato de que “a persistência de falsas crenças ao longo do tempo pode minar efeitos da informação ou serem superadas pela influências de elites políticas”. Como, por exemplo, aconteceu com relação à alta do dólar no Brasil.
Uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada em junho de 2024, revelou os países que têm maior habilidade para identificar fake news e quais enfrentam mais dificuldades. O Brasil tinha ficado na última posição, sendo o país onde a população mais acredita em notícias falsas entre os 40.756 entrevistados de 21 nações.
De acordo com o estudo, que avaliou diferentes aspectos, os países nórdicos apresentaram os melhores resultados, enquanto nações da América Latina, como Brasil e Colômbia, demonstraram a necessidade de aprimorar a alfabetização em mídias sociais.
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O artigo citado no início da matéria sugere, para superar essas barreiras, estabelecer algum tipo de conexão e curiosidade sobre o fato com aqueles ainda sejam imunes à tentativa de politização de temas fundamentais, como os direitos humanos. A estratégia mais eficaz nesse contexto é o "Deep Canvassing", chamado de "troca aprofundada", uma técnica de conversa usada para mudar a opinião das pessoas sobre determinados temas, especialmente em questões políticas e sociais.
O estudo completo pode ser acessado por este link.