Eleições na Alemanha: com firme oposição à extrema direita, esquerda ganha fôlego na reta final
Die Link, que vinha perdendo força nos últimos anos, ressurge nas últimas pesquisas com um enfrentamento direto à AfD e com a força de sua jovem líder Heidi Reichinnek
Às vésperas das eleições alemãs, que serão realizadas neste domingo (23), o partido de esquerda Die Linke, que vem enfrentando dificuldades políticas há anos, experimenta um surpreendente crescimento nas últimas pesquisas de opinião. Alguns levantamentos colocam o partido com 7% a 8% das intenções de voto, mais que dobrando o percentual que ostentava em dezembro.
Um resultado significativo para uma legenda que, nas eleições de 2021, obteve 4,9% dos votos, abaixo do limite mínimo de 5% necessário para entrar no Parlamento pelo sistema proporcional. No entanto, o partido conseguiu três mandatos diretos, o que garantiu sua presença no Bundestag graças a uma regra especial do sistema eleitoral alemão.
Uma das principais figuras por trás dessa reviravolta é Heidi Reichinnek, de 36 anos, a principal candidata do partido. Com mais de 500 mil seguidores no TikTok, ela faz sucesso entre os eleitores jovens, um grupo demográfico que havia rejeitado a legenda nos últimos anos.
A forte presença digital de Reichinnek se dá por meio de vídeos, que misturam mensagens políticas, bom humor e um enfrentamento direto à Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido de extrema direita que aparece em segundo lugar nas sondagens. Mas a sua peça mais bem sucedida e visualizada se deu por conta de um embate político no Parlamento em um dia considerado emblemático para a história política germânica.
Enfrentamento à extrema direita
Em 29 de janeiro, no Bundestag, o candidato a chanceler da União e líder da oposição, Friedrich Merz, rompeu com o chamado firewall, o muro de proteção dos partidos tradicionais alemães contra a extrema direita ao contar com os votos da AfD para aprovar uma moção de resolução pedindo uma política de migração mais rigorosa. Foi a primeira vez no período pós-nazismo que os votos da extrema direita foram aceitos para obter maioria.
O chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), acusou Merz de "quebrar um tabu". Mas o discurso mais incisivo no Parlamento foi o Heidi Reichinnek, que teve mais de 30 milhões de visualizações nas plataformas de redes sociais.
"Apesar de todas as diferenças políticas, eu nunca teria imaginado que um partido democrata-cristão daria esse passo e faria pactos com extremistas de direita. É isso que vocês estão fazendo", protestou na tribuna da Casa a líder de esquerda. "E isso apenas dois dias depois de termos lembrado aqui a libertação de Auschwitz. Dois dias depois de termos homenageado os assassinados e torturados. E vocês trabalham com aqueles que continuam a propagar exatamente essa ideologia."
A data também marcou uma filiação recorde de pessoas ao Die Link, que chegou a mais de 81 mil filiados, o auge de sua história. Segundo o partido, a maioria dos novos membros são mulheres (53%) e a idade média de quem ingressou desde janeiro é de pouco mais de 28 anos.
Histórico do Die Link
Formado em 2007, o Die Link surgiu a partir da fusão de duas siglas. Uma delas era o Partido do Socialismo Democrático (PDS), sucessor do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), que governou a Alemanha Oriental até a reunificação em 1990. A outra legenda era a Alternativa Eleitoral para o Trabalho e a Justiça Social (WASG), fundada em 2004 por ex-membros do Partido Social-Democrata (SPD) e sindicalistas descontentes com as reformas neoliberais promovidas pelo então chanceler Gerhard Schröder.
Em seu início, a legenda teve um crescimento expressivo, tornando-se a terceira força política nas eleições federais de 2009, quando obteve 11,9% dos votos e conquistou 76 cadeiras no Bundestag. Mas o partido declinou e sofreu um grande abalo em setembro de 2023, quando diversos integrantes saíram para compor uma nova sigla, a Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), formalizada no início de 2024.
Ainda que não venha a compor um futuro governo no país, o crescimento do Die Link é uma boa notícia em meio à ascensão da extrema direita no país. "[O desempenho do Die Link] deve significar uma oposição mais forte, preparada para denunciar violações de direitos humanos, bem como políticas econômicas que favorecem bilionários. Os biscoitos não serão divididos igualmente na próxima semana, mas continuarão a ser contados e monitorados por uma nova geração farta dos grupos mais vulneráveis ??sendo jogados uns contra os outros", avalia a autora, romancista, dramaturga e colunista do Guardian Europe Fatma Aydemir.