CIÊNCIA

O experimento do ‘Gorila invisível’ e os limites da percepção humana

A metáfora do "gorila invisível" transcendeu o ambiente acadêmico e passou a ser incorporada em testes de áreas como medicina, segurança no trânsito, aviação, e até no jornalismo

Capa do livro O gorila invisível - E outros equívocos da intuição, de Chabris e Simons.Créditos: Editora Rocco / divulgação
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Em 1999, os psicólogos Daniel Simons e Christopher Chabris, da Universidade de Harvard, realizaram um experimento curioso de psicologia cognitiva. Conhecido como “O Gorila Invisível”, o estudo consistia em mostrar às pessoas um vídeo aparentemente simples, em que duas equipes, uma composta por jogadores vestidos de camisetas brancas e outra por jogadores com camisetas pretas, passavam uma bola entre si. 

A tarefa dos participantes era, então, contar quantos passes a equipe branca realizava com a bola. Mas, enquanto estavam concentrados nessa contagem, algo inusitado entrava em cena: uma pessoa fantasiada de gorila parava no meio dos jogadores, batia no peito e se retirava. 

E, apesar de o gorila permanecer entre as equipes por cerca de nove segundos, cerca de 50% das pessoas que participaram do experimento declararam não ter percebido sua presença.

O fenômeno ficou conhecido como cegueira inatencional, a incapacidade de perceber estímulos inesperados no ambiente quando nossa atenção está fortemente focada em outra tarefa. O resultado do experimento, frequentemente citado em estudos sobre atenção seletiva, tornou-se um retrato de como a percepção humana pode ser falha.

Vários estudos subsequentes replicaram e expandiram o estudo de Simons e Chabris. Em 2013, por exemplo, um grupo de radiologistas experientes foi convidado a examinar tomografias pulmonares em busca de nódulos cancerígenos, e, sem que soubessem, os idealizadores do estudo, pesquisadores da Harvard Medical School, inseriram a imagem de um gorila do tamanho de uma caixa de fósforos no exame a ser analisado.

“Um gorila 48 vezes maior que um nódulo médio foi inserido no último caso apresentado”, explica o artigo. “O rastreamento ocular revelou que a maioria dos que não avistaram o gorila olhou diretamente para sua localização.”

 O resultado foi, novamente, um tanto chocante: acontece que 83% dos radiologistas não perceberam o gorila, mesmo que muitos tenham fixado os olhos sobre ele enquanto analisavam o exame. 

A hipótese dos pesquisadores é de que o treinamento pode levar profissionais a ignorar tudo aquilo que não consideram diretamente relevante à sua tarefa, relativizando a ideia de que a experiência protege contra esse tipo de falha cognitiva. “Mesmo pesquisadores experientes, operando em sua área de especialização, estão vulneráveis ??à cegueira por desatenção”, concluem.

A metáfora do gorila invisível, além de influenciar a psicologia comportamental e cognitiva, transcendeu o ambiente acadêmico e passou a ser incorporada em testes de áreas como medicina, segurança no trânsito, aviação e até no jornalismo. 

Ela enfatiza que mesmo o treinamento especializado precisa ser constantemente sensibilizado à atenção: não basta ficar atento àquilo que ‘óbvio’; é preciso, principalmente em áreas como a aviação, reparar em detalhes que não fazem parte do ecossistema comum das análises.

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