PANC e segurança alimentar: alternativas para enfrentar a alta dos alimentos no Brasil
Curso online ministrado pela nutricionista agroecológica Bruna Crioula ensina como plantas desconhecidas e consideradas "mato" podem diversificar a dieta, melhorar a qualidade nutricional da população e enfrentar o racismo alimentar
O aumento dos preços dos alimentos tem sido uma preocupação crescente no Brasil, impactando especialmente as famílias de baixa renda. Dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mostram que o setor de Alimentos e Bebidas registrou uma variação interanual de 6,1% no segundo semestre de 2024, enquanto a cesta básica de São Paulo acumulou um crescimento de 8,1% no mesmo período.
Esse cenário compromete significativamente o orçamento familiar. Para quem ganha entre 1 e 1,5 salário mínimo, a alimentação já representa até 22% da renda mensal, enquanto nas famílias com renda superior a 30 salários mínimos, esse percentual cai para 11,3%.
Diante desse quadro, as Plantas Alimentícias Não Convencionais ou Não Colonizadas (PANC) emergem como uma alternativa viável para diversificar a dieta e melhorar a qualidade nutricional da população.
PANC: Alimentação sustentável e nutritiva ao alcance de todos
As PANC são plantas comestíveis que, apesar de não serem amplamente cultivadas comercialmente, possuem alto valor nutricional e estão presentes em diversas regiões do Brasil.
Benefícios das PANC
- Valor nutricional elevado – Ricas em vitaminas, minerais e fibras essenciais.
- Acessibilidade e baixo custo – Crescem espontaneamente e exigem menos recursos para cultivo.
- Sustentabilidade – Promovem biodiversidade e práticas agrícolas de baixo impacto ambiental.
Exemplos de PANC no Brasil
- Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata) – Rica em proteínas e fibras, usada em refogados e sopas.
- Taioba (Xanthosoma sagittifolium) – Suas folhas são consumidas cozidas, semelhante à couve.
- Beldroega (Portulaca oleracea) – Fonte de ômega-3, utilizada crua em saladas ou refogada.
- Peixinho-da-horta (Stachys byzantina) – Popular na culinária brasileira, empanado e frito.
- Caruru (Amaranthus spp.) – Consumido como verdura em diversas regiões.
Racismo alimentar: como a desigualdade influencia o acesso à comida de qualidade
Outro aspecto importante no debate sobre os preços dos alimentos e o uso das PANC é o racismo alimentar. O conceito refere-se às desigualdades no acesso a alimentos saudáveis e culturalmente apropriados, impactando principalmente comunidades racializadas e historicamente marginalizadas.
Esse problema se manifesta de diversas formas, incluindo:
- Desertos alimentares: Regiões urbanas e periféricas onde há escassez de alimentos frescos e saudáveis, enquanto fast foods e mercados de conveniência predominam.
- Desvalorização de saberes e práticas alimentares tradicionais: Ingredientes e pratos típicos de povos indígenas, africanos e quilombolas são frequentemente marginalizados, enquanto alimentos de origem europeia ou norte-americana são promovidos como padrão.
- Políticas públicas excludentes: Subsídios agrícolas frequentemente beneficiam grandes indústrias de ultraprocessados em detrimento da produção local e sustentável.
O combate ao racismo alimentar passa pela valorização da culinária tradicional, pelo incentivo à agricultura familiar e pela promoção de políticas que garantam o acesso equitativo a alimentos saudáveis.
As PANC desempenham um papel fundamental nesse processo, pois resgatam saberes ancestrais e oferecem uma alternativa nutritiva e acessível para populações vulneráveis.
"O sistema alimentar brasileiro foi construído a partir do racismo, onde os alimentos disponíveis e a segurança alimentar estavam diretamente ligados às classes sociais e à cor de quem se alimentava. Os efeitos da colonialidade nos sistemas alimentares vêm da colonização, e muitos alimentos foram marginalizados nesse processo. Esse curso é um reencontro com a ancestralidade africana", afirma a nutricionista e ativista alimentar Bruna Crioula.
Curso "Mato é Comida? Conheça as PANC Ancestrais"
Nesse contexto, Bruna, fundadora da Crioula Curadoria Alimentar, acaba de lançar a terceira edição do curso online "Mato é Comida? Conheça as PANC Ancestrais".
Voltado para quem deseja ter uma relação mais consciente e crítica com a comida, o curso explora a conexão entre alimentação, território e ancestralidade, resgatando saberes tradicionais que atravessaram gerações.
A escolha pela modalidade online visa democratizar o acesso ao conteúdo, reduzindo os custos e permitindo que mais pessoas possam participar.
Influência de Nêgo Bispo no curso
A formação oferecida pela ativista segue uma abordagem de aprendizado contínuo e coletivo, baseada nos princípios da circularidade e da "gira", conceito difundido pelo pensador quilombola Nêgo Bispo. Ele é referência no pensamento decolonial brasileiro e defende a valorização dos saberes tradicionais, rompendo com a visão linear e eurocentrada da história e do conhecimento.
Bruna relembra um momento marcante em sua trajetória, quando foi corrigida por Bispo ao se referir às PANC como "não convencionais".
"Ele me disse: ‘Você trabalha com Plantas Alimentícias Não Colonizadas’. Naquele momento, eu ainda não compreendia a profundidade dessa afirmação. Só com o tempo e a prática fui entendendo que o afastamento da comida de verdade nos distancia de um conhecimento mais amplo e profundo sobre as possibilidades alimentícias", explica Bruna.
Nêgo Bispo, cujo nome de batismo Antônio Bispo dos Santos, é um intelectual, escritor e ativista quilombola, reconhecido como uma das principais vozes da luta quilombola e da resistência negra no Brasil. Nascido no Quilombo Saco-Curtume, no Piauí, ele traz uma abordagem afrocentrada e decolonial sobre território, cultura, política e educação.
Defensor da circularidade do saber, Bispo critica a imposição do pensamento acadêmico ocidental linear e propõe os quilombos não apenas como espaços de resistência, mas como modelos alternativos de organização social, econômica e política baseados na coletividade e no respeito à ancestralidade.
Entre seus conceitos mais difundidos está a "contra-colonialidade", que sugere romper com as estruturas coloniais ainda presentes nas instituições brasileiras. Para ele, a superação do racismo e das desigualdades não passa pela simples inclusão dos negros e indígenas nos moldes coloniais, mas pelo fortalecimento das epistemologias afro-indígenas e quilombolas.
Autor de obras como "Colonização, Quilombos: Modos e Significações" e "Pensamento Quilombola: Ensaios de Resistência", Nêgo Bispo influencia movimentos sociais, acadêmicos e ativistas, especialmente nas áreas de agroecologia, luta por território e soberania alimentar. Sua visão tem sido incorporada por educadores como Bruna Crioula, que cita sua abordagem sobre a circularidade do saber em cursos sobre alimentação e cultura.
Com forte tradição oral e transmissão coletiva de conhecimento, Nêgo Bispo é uma referência essencial para compreender as lutas quilombolas e o pensamento decolonial no Brasil.
Sobre Bruna Crioula
Bruna Crioula é nutricionista ecológica, mestre em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), pesquisadora e comunicadora alimentar. Atua há mais de uma década na valorização da sociobiodiversidade alimentar brasileira a partir de uma perspectiva afro-referenciada e contracolonialista.
Atualmente, lidera a área de Sistemas Alimentares Sustentáveis no WWF Brasil e é matrigestora da Crioula Curadoria Alimentar, um ecossistema criativo que desenvolve soluções ancestrais e ecológicas para a alimentação.
Programação do curso
- Módulo 1 – Comida é Memória e Resistência: Reflexões sobre alimentação, colonialidade e introdução às Plantas Alimentícias Não Colonizadas.
- Módulo 2 – Histórias Vivas: A Conexão entre Plantas e Povos.
- Módulo 3 – Sustentabilidade e Autonomia: Práticas de valorização de plantas não colonizadas.
- Módulo 4 – Reflexão e Diálogos: Discussões práticas e aplicáveis ao cotidiano.
- Módulo Extra – Oficina Culinária Online: Lembretes culinários e experiências práticas na cozinha.
Serviço
Mato é Comida? Conheça as PANC ancestrais
13, 14 (19h às 22h) e 15 de março (9h às 12h)
Por Bruna Crioula @brunacrioula | crioula.net
Inscrições aqui pelo site
1º lote: R$350
Apenas a aula culinária prática: R$250
Informações: (61) 9350-5005
Governo Lula intensifica medidas para conter alta dos alimentos
O governo do presidente Lula intensificou esforços para conter a inflação dos alimentos. O vice-presidente Geraldo Alckmin lidera reuniões com representantes da indústria de carnes, ovos, açúcar, óleo de soja e biocombustíveis para discutir formas de estabilizar os preços. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciou que Lula deve divulgar novas medidas emergenciais após o encerramento das reuniões.
A alta dos alimentos impacta diretamente a popularidade do governo. Pesquisa da Quaest revelou que mais de 90% dos entrevistados perceberam aumentos nos preços recentemente, fator que contribuiu para a pior avaliação de Lula em todos os seus mandatos. Líderes governistas reconhecem que a inflação e os juros elevados são os principais desafios para a recuperação da imagem presidencial.
Inflação alimentar no governo Bolsonaro
Entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, os preços dos alimentos aumentaram 57%, bem acima da inflação geral do período (30%). Produtos essenciais, como arroz, feijão e carnes, registraram altas expressivas – o preço do acém subiu 94%. Como resultado, a insegurança alimentar se agravou e, em 2022, mais de 33 milhões de brasileiros enfrentavam fome, enquanto 58% da população vivia em algum nível de insegurança alimentar.
Desde 2023, o governo Lula adotou políticas para controlar a inflação dos alimentos. Nos primeiros dois anos, o setor de alimentação e bebidas registrou um aumento acumulado de 8,8%, abaixo da inflação geral de 9,67%. Medidas como a ampliação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e incentivos à agricultura familiar foram retomadas para reforçar a segurança alimentar.
Economistas preveem um alívio na inflação dos alimentos ao longo de 2025, com projeções de alta de 6% no setor e 5% no IPCA geral. No entanto, a efetividade das políticas governamentais será determinante para conter os preços e melhorar a avaliação do governo.
Um novo caminho para a segurança alimentar
A crise dos preços dos alimentos no Brasil exige soluções sustentáveis e acessíveis. As PANC representam uma alternativa viável, garantindo segurança alimentar e nutricional à população.
Além disso, políticas públicas inclusivas e iniciativas educacionais, como o curso "Mato é Comida?", são fundamentais para promover a valorização das culturas tradicionais e combater desigualdades alimentares.
A gestão eficiente dos preços dos alimentos e a implementação de políticas eficazes não apenas afetam a qualidade de vida da população, mas também definem o cenário político e econômico do país.