"Sex Education" estreou em janeiro de 2019 e rapidamente se tornou um dos grandes fenômenos da Netflix. Os motivos desse sucesso são variados: nunca uma produção havia abordado tão profundamente a questão da sexualidade em suas múltiplas camadas.
Sem sucumbir à tentação de se aproveitar do sucesso e produzir novas temporadas, "Sex Education" chega ao seu fim na quarta temporada, que foi lançada recentemente na Netflix e conclui todos os seus arcos históricos de forma magistral.
Adeus à adolescência, bem-vindo à vida adulta
O tema central da temporada final de "Sex Education" é o fim do primeiro ciclo da vida, ou seja, o término da adolescência e todas as decisões que esse período histórico traz consigo.
No entanto, embora a questão do futuro profissional seja abordada, não é esse o foco do texto da temporada final. O que está em jogo são as diferenças sexuais e a luta social entre um mundo ainda enraizado no binarismo de gênero e um que busca uma verdadeira revolução sexual, visando alterar todas as estruturas da sociedade. A maneira como a série aborda essas questões é genial.
O velho mundo tem que morrer
Com o fechamento da escola Moordale, os estudantes são transferidos para o Colégio Cavendish, que possui uma organização completamente diferente, valorizando a autonomia dos estudantes. Trata-se de um espaço que busca promover a liberdade sexual, racial e em todos os sentidos, inclusive em sua arquitetura.
Portanto, ao acompanharmos a chegada de Otis (Asia Butterfield), Eric (Ncuti Gatwa) e outros da turma, somos confrontados com um debate linguístico e ético que permeia todas as discussões socio-políticas contemporâneas, como a transexualidade, a linguagem neutra, a questão dos pronomes e as diferenças de classe, raça e orientação sexual entre os estudantes.
Quem acompanha a série sabe que "Sex Education" sempre dialogou com os dramas sexuais e políticos do mundo real, incluindo o fundamentalismo religioso, as ameaças à democracia e a busca pela autenticidade.
Dessa maneira, não é surpreendente que as questões da não binariedade e transexualidade sejam centrais nesta temporada final de "Sex Education", especialmente considerando o contexto no Reino Unido, onde a série é produzida, e o movimento de extrema direita contra pessoas trans e não binárias é um dos mais fortes do mundo.
O fundamentalismo religioso e a liberdade sexual
A questão do fundamentalismo religioso retorna em "Sex Education" com o personagem Eric, que enfrenta um dilema sobre ser batizado ou não e ter que levar uma vida dupla: uma vida sexualmente reprimida em sua comunidade religiosa e uma vida livre entre seus amigos. Esse dilema atinge o ápice nesta temporada.
Através do dilema religioso e sexual de Eric, a série busca discutir que tipo de cristianismo é esse que busca eliminar as diferenças sexuais e impor limites àqueles que desejam viver autenticamente.
Ao longo de sua jornada, Eric descobre que não está sozinho em seus questionamentos sobre os valores religiosos e a exclusão das pessoas LGBT+ em suas práticas de fé.
Uma nova revolução sexual?
Os criadores de "Sex Education" estão cientes de que uma transformação sexual está ocorrendo em vários lugares do mundo, e essa nova revolução tem provocado a ira de inúmeros setores conservadores, tanto à direita quanto à esquerda, que insistem na velha divisão entre superestrutura (cultura) e infraestrutura (economia). Na realidade, não há - se é que alguma vez houve - separação; tudo acontece e está acontecendo simultaneamente.
Todos os personagens almejam uma nova realidade em que os corpos possam viver livremente, sem medo de violência ou de serem expulsos de suas casas. No entanto, esses jovens também desejam discutir renda e trabalho, ou seja, perspectivas de futuro, mas não mais ancorados nos valores do Contrato Social que predominaram até os dias de hoje.
O Contrato Social que moldou as sociedades modernas já não encontra eco na geração atual. Ao contrário do que pensam os conservadores, esses grupos têm propostas para novas formas de organização. O problema, segundo os mais conservadores, é o "excesso" de espaço dado à questão das sexualidades.
Aliás, tal Contrato Social nunca deu conta em atender as demandas dos corpos que não fossem héteros e masculinos. Esse debate é realizado de maneira espetacular em torno da Dra. Jean Milburn (Gillian Anderson), que vivencia uma nova maternidade e se vê confrontado com a velha questão do trabalho doméstico e profissional.
Por fim, "Sex Education" termina sem oferecer respostas ou apontar caminhos definitivos. No entanto, consegue apresentar debates que continuarão a ecoar nas Américas e na Europa nas próximas décadas.