Donald Trump anunciou no dia 2 de abril um mega tarifaço sobre produtos importados de dezenas de países em praticamente todos os continentes do globo. O objetivo principal é retomar o fortalecimento da indústria norte-americana, gerar empregos nos EUA, diminuir o deficit comercial, proteger o dólar e disputar mercados em melhores condições, especialmente com a China. Em geral, as tarifas se dividiram assim: 10% para América Latina, 20% ou mais para Europa e 30% ou mais para Ásia. A lógica foi tarifar grosseiramente países onde há mais deficit comercial para os EUA.
Vamos avaliar os possíveis cenários a curto e longo prazo, dos possíveis efeitos sobre a economia global da nova política tarifária ultraprotecionista da “democracia mais liberal do mundo”.
Te podría interesar
Cenário de curto e médio prazo
De imediato, o cenário mais provável é de incertezas sobre o sucesso da política tarifária no crescimento da economia americana. A insegurança e incerteza fazem investidores privados e estatais em todo o mundo terem mais cautela e buscarem mercados seguros ou adiar projetos. O que pode sugerir uma desaceleração econômica global ainda esse ano.
Isso significa que o mundo espera que a guerra comercial iniciada por Trump não ficará sem respostas, e produtos americanos também poderão ser atingidos por tarifas ou outros tipos de retaliação. Será provável também observar mudança de rotas comerciais, redesenhando acordos e reposicionando mercados em todas as regiões do planeta. Um exemplo disso é o recente encontro de representantes dos governos da China, Japão e Coreia do Sul, que acordaram fortalecer a cooperação econômica para enfrentar as tarifas de Trump.
Te podría interesar
Num cenário de incertezas sobre a economia americana, pelo menos a curtíssimo prazo, o dólar poderá operar em queda, o que pode ter vantagens e desvantagens para a economia global. No caso do Brasil, a queda do valor do dólar, pelo menos num primeiro momento, trará um relativo alívio para a inflação. Ao mesmo tempo em que diminuirá a margem de lucro de todos os setores da economia brasileira que compõe a pauta exportadora do país, como o agronegócio, petróleo bruto e minérios. Somado a isso, embora o Brasil tenha sido taxado em apenas 10%, a exportação de produtos brasileiros para o mercado americano poderá ser relativamente prejudicada.
Mas na eventualidade de produtos agrícolas americanos sofrerem taxação recíproca, é possível que mercados de outros países aumentem a demanda por produtos agrícolas brasileiros, principalmente na Ásia e Europa. Gerando condições para um maior superavit na balança comercial do Brasil, com o aumento das exportações, o que pode tensionar a inflação de alimentos, por falta de oferta no mercado interno brasileiro.
É preciso ainda registrar que a política tarifária de Trump, pode a curto/médio prazo aumentar os índices inflacionários nos EUA, pelo fato dos produtos importados ficarem mais caros. Até a economia americana conseguir substituir esses produtos pela sua própria produção interna ou negociações que diminuam ou suspendam tarifas em vigor, a população americana terá que conviver com tensões inflacionárias. O governo de Trump promete compensar essa situação diminuindo impostos para derrubar custos de produção. Mas, pelo menos a curto/médio prazo, tudo indica que haverá aumento da pressão inflacionária nos EUA, o que vai levar o FED a aumentar os juros, fazendo o dólar aumentar de valor. Sem falar de um possível cenário de recessão americana como uma hipótese que cresce a cada dia...
A conclusão é que no curto e médio prazo, o Brasil e o mundo, vão conviver com oscilações no valor do dólar, e os países que disputam mercados de commodities ou produtos industrializados com os EUA poderão perder vendas no mercado norte-americano, mas com chances de abrir possibilidades em mercados de outros continentes. Até essa equação se rearranjar, as dificuldades, incertezas e as tensões inflacionárias devem prevalecer. Especialmente para o Brasil, o aumento não linear, mas persistente do dólar, até o final do ano, por conta da possível alta de juros nos EUA, e o aumento da demanda por produtos agrícolas brasileiros, poderá tensionar ainda mais a inflação.
Seja como for, o governo brasileiro precisa ligar o seu alerta máximo, pois a inflação está sendo um dos principais fatores para a queda de popularidade do presidente Lula. O cenário pós tarifaço de Trump indica que um alívio consistente da inflação de longo prazo não será o mais provável.
Chegou a hora de estudar uma resposta cirúrgica a essas tarifas, que possa unificar o país contra a guerra comercial provocada por Trump. Ao mesmo tempo, denunciar o caráter colonial e serviçal do bolsonarismo, que nesse momento está defendendo a política tarifária de Trump contra o próprio Brasil.
Cenários de longo prazo
Considerando os efeitos desse tarifaço até o final do atual mandato de Trump, ou seja, até 2028. Se a curto prazo a previsibilidade já está difícil, a longo prazo essa guerra comercial desencadeada por Trump tende a tornar qualquer investimento, principalmente a longo prazo, uma aposta no escuro. Sendo assim, vamos trabalhar com mais de um cenário:
Cenário favorável para a economia global
Pelo fato da economia global estar totalmente integrada, e os EUA comprarem e venderem de todo mundo produtos fundamentais para a sua economia, como também para a saúde econômica da pauta exportadora de países emergentes e das nações mais ricas do globo. Se o plano de Trump der certo e os EUA conseguirem fortalecer a sua economia a longo prazo com essa política de tarifas, poderá reabrir um ciclo virtuoso na economia mundial. Embora esse cenário seja pouco provável, poderá ter uma evolução positiva a depender dos seguintes processos:
Após uma crise inflacionaria momentânea e de curto prazo, para evitar uma recessão e que o tarifaço vire um desastre, os estrategistas do governo Trump passem a negociar cuidadosamente e cientificamente tarifa por tarifa, diminuindo, suspendendo ou aumentando seus valores, de modo que haja com o tempo uma acomodação de interesses e permita ganhos mútuos nos circuitos do comércio mundial. Assim, de maneira equilibrada e gradual, a economia americana pode atrair mais fábricas, principalmente de produtos sofisticados para seu território, que através de uma política de redução de impostos e direitos trabalhistas, conseguirá produzir em alta escala produtos mais baratos e competitivos para seu mercado interno e para exportação.
Esse processo também teria que se dar para o comércio mundial de commodities agrícolas e minerais, ou seja, após um curto período de guerra comercial, o governo americano iniciaria um processo de negociação sóbrio que permitiria um rearranjo econômico com possibilidade de disputas equilibradas por mercados levando ganhos compartilhados entre a maioria dos países de pauta exportadora de produtos agrícolas e minerais.
Trata-se de um cenário muito improvável, pois entre os objetivos de Trump não consta reequilibrar a harmonia do comércio mundial, mas desestabilizá-lo para retomar a hegemonia do império ocidental, de modo que um destino compartilhado não está no cenário. A ordem é America First! Com tomada de territórios, guerras comerciais e militares na agenda...
Cenário desfavorável para a economia global
Após o início da guerra comercial provocada por Trump, o abalo na economia do globo poderá tomar proporções de dimensões que fujam ao controle a curto/médio prazo. Dizemos isso pelo fato de que as instituições internacionais construídas no pós-guerra, que de alguma forma regulam as relações diplomáticas, políticas, econômicas e militares no mundo, estão em crise e com pouca capacidade de coordenar disputas complexas.
Do ponto de vista comercial, para a economia americana, que ainda é a maior do mundo, negociar num mundo sem regras pode ser mais vantajoso. Embora a selvageria generalizada também traga riscos e perigos e é nessa perspectiva que tudo pode sair dos trilhos. Não há dúvidas que os produtos americanos também poderão sofrer retaliações e o resultado a longo prazo pode ser desastroso para os EUA. Recessão e inflação ao mesmo tempo poderão ser um cenário concreto para a economia americana.
Na condição de alcançar um mundo sem regras comerciais, será necessário enfraquecer instituições multilaterais, acordos e blocos econômicos que, de uma forma ou de outra, têm o papel de proteger economias mais frágeis. Então, a OMC, o USMCA, a União Europeia, o Mercosul, o BRICS e outros blocos e instituições precisam deixar de existir ou pelo menos perder força e influência.
Caso o plano de Trump não surta efeito no plano específico de uma guerra comercial, existe a possibilidade da radicalização nas ações de seu governo. Os anúncios que envolvem a tomada do canal do Panamá, o território na faixa de Gaza, a Groenlândia e o Canadá são o prenúncio do que ainda pode acontecer para que o projeto MAGA possa ter sucesso a qualquer custo. A guerra comercial poderá se transformar em guerra militar aberta, seja regional ou global. Esse cenário seria catastrófico e não é possível dizer com certeza se é o menos provável.
O mundo já está atravessado por guerras e instabilidades em duas regiões sensíveis na geopolítica mundial, que envolvem o oeste da Ásia e o leste europeu. Até agora, os esforços para acordos para uma paz duradoura não têm avançado, e o que estamos vendo é o aumento das tensões entre o Irã e aliados (eixo da resistência) contra os EUA e Israel. Como também um amplo projeto de rearmamento europeu vem sendo anunciado com mais gastos orçamentários para ampliação de aparato militar, incluindo um programa nuclear.