Tudo começou numa tarde típica de acampamento de escoteiros, com todos sentados em círculo cantando sobre bondade e lealdade, quando nosso chefe anunciou a maior competição de nossas jovens vidas: vender biscoitos. Quem vendesse mais ganharia um distintivo exclusivo.
Eu sabia que o caminho para a vitória não seria pavimentado com honestidade, nem gentileza. Não, não. Eu já tinha percebido que, no jogo da vida, o tabuleiro é torto e o dado está sempre viciado. E foi assim que entrei no campo de batalha com um plano.
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Primeiro, eliminei a concorrência. Ela se chamava Rogério, um escoteiro bobo que tinha covinhas. Convenci sua avó de que os biscoitos dele estavam todos vencidos e causariam intoxicação alimentar. Ela comprou todo os meus. E ainda me deu um cala-boca de valor altíssimo para a época.
E então veio a cereja do bolo: o marketing emocional. Lembro de me ajoelhar em frente à igreja do bairro, com a cara mais inocente que consegui fabricar, e implorar às velhinhas que comprassem meus biscoitos para que eu pudesse ajudar uma instituição de crianças carentes. Claro, a instituição era o meu bolso e a carência era pelo distintivo, mas detalhes são irrelevantes. Funcionou. Vendi mais biscoitos desde a fundação do escotismo por Baden Powell e recebi minha insígnia debaixo de uma chuva de aplausos.
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O problema é que sucesso vicia mais que crack. Uma vez que você o prova, não volta mais a ser o mesmo. Aos 16 anos, fui presidente do grêmio estudantil da escola. Aos 21, liderava uma startup que vendia kits de sobrevivência emocional - caixas com sachês de ar do Himalaia e cristais energizados por monges tibetanos (que na verdade eram pedras do jardim da minha casa). Aos 30, já tinha feito mais inimigos do que Napoleão.
Agora, sentado no topo do mundo – que, no meu caso, é um escritório de andar inteiro na Faria Lima, com ar-condicionado, máquina de café expresso e três secretárias, olho para trás e penso: o escotismo me salvou. Deu-me as armas para lutar nessa selva chamada sociedade.
E, não se esqueçam, o sorriso é a chave. Ninguém suspeita de alguém que sorri. Até hoje, quando recebo um novo cliente, ou aperto a mão de um concorrente em uma reunião, lembro do dia em que vendi 234 caixas de biscoitos fingindo que estava salvando a humanidade. É uma amoralidade? É, mas polida, envernizada.
Por isso, sinto informá-lo: só sobe na vida quem tem instinto criminoso e sabe escondê-lo com um sorriso. Se eu sou assim? Bom, eu sou apenas um escoteiro que aperfeiçoou essa arte. Como dizemos no movimento: sempre alerta! - principalmente às oportunidades de lucro.