Eu era o presidente da República, vocês sabem. Então, muitos devem estar se perguntando: o sujeito era a maior autoridade do país e não sabia de um golpe de Estado feito pelos seus auxiliares diretos? E ainda tudo arquitetado usando a estrutura do meu governo, as salas dos meus ministérios, o meu pessoal administrativo e até com financiamento dos meus aliados?
Parece incrível, mas, olha, eu não sabia de nada.
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Deixa eu explicar.
Era um dia útil qualquer, daqueles que você só quer assistir Johnny Bravo. Mas eis que sou informado de que uma insurreição tinha sido executada. Fiquei tão surpreso que derrubei meu 38 na mesa e gritei: “Quem foi que autorizou isso sem me consultar?!”
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Um ministro, que estava ao meu lado nos Estados Unidos, deu aquela tossida nervosa de quem sabe que vai ter que apagar rastros de reuniões antigas, mas não disse nada. Eu já joguei no lixo o chip do celular dele, junto com o do meu aparelho. Estão vendo? Tudo comigo é na isonomia e no respeito à liberdade de expressão das pessoas.
Claro, surgiram as evidências: um documento assinado por mim, um plano detalhado da sublevação com o carimbo presidencial, uma gravação minha dizendo “É isso aí, vamos arregaçar tudo!” Mas, espera um pouco, sejamos realistas: hoje em dia, tudo não é tudo falsificado? Estamos na era da deep fake, das fake news, dos deep news e das fake fakes! Quem garante que aquele vídeo não foi gravado por algum imitador comunista? Eu, sinceramente, não me lembro de ter usado aquele terno azul.
Além disso, é importante lembrar que, como presidente, eu era uma pessoa ocupadíssima. Tinha que inaugurar clubes de tiro, escolas cívico-militares, apertar mãos de presidentes de extrema-direita e sorrir para selfies no cercadinho.
Sobre álibi. Eu tenho, sim. Estava naquele momento do quebra-quebra, me lembro bem, em Orlando, na Disney World. E, olha, quem está se divertindo no brinquedo Piratas do Caribe não quer guerra com ninguém.
E o mais importante: se eu tivesse feito um levante, ele não cairia. Eu sou imbrochável. A missão seria cumprida e não ficariam rastros.
Já repararam na minha assinatura naqueles papéis? Está totalmente tremida! O carimbo colocado de cabeça para baixo. Se isso não prova a minha inocência, eu não sei o que prova.
Eu, portanto, sigo em frente, de cabeça erguida, com Deus no comando, e sempre dentro das quatro linhas da Constituição. E quer saber? Se aprovei aquele golpe, eu assinei sem ler, como qualquer pessoa ocupadíssima faz.