Desde que me conheço por gente adulta faço refeições e tomo cerveja no Orêia. O bar está na mesma esquina, num imóvel igualzinho ao que era nos antigamente.
A casa é tocada por Rosendo, o homem do salão, e dona Maria, a cozinheira.
O Orêia é de um estoicismo exemplar. Oferece poucos pratos, uma variedade básica de bebidas, mas tem Dan Top e sequilhos à disposição da clientela no balcão.
Antes de frequentá-lo é bom saber que se trata de um botequim propositalmente ortodoxo e, por que não dizer, old fashion way. Posso exemplificar com o caso ocorrido a uma amiga que é nutricionista. Levei-a para provar o afamado comercial do lugar. Ela escolheu o prato mais leve do dia: costela de vaca com mandioca. Quando pedia, indagou ao Rosendo:
- Pode trazer o meu com arroz integral, por favor.
O garçom gritou na direção da cozinha:
- Dona Maria, a moça aqui quer a costela com arroz integral!
Lá das panelas, Maria reagiu com uma sonora gargalhada.
- Arroz integral? Hahahahahaha! Mas essa é boa demais!
A partir dali o recinto inteiro, em coro, a acompanhou na gaitada. A amiga nutricionista não disse mais palavra e comeu sua porção de proteína gorda em pesado silêncio.
Mas por que Orêia? - me perguntei durante um bom tempo. Certa vez, tomando minha brahma (servida em copo gelado), ouvi um frequentador contando a outro a origem da denominação:
- É Orêia por causa do episódio com o Fantomas.
- Aquele que foi lutador do Telecatch Rum Montilla?
- O próprio. O único que peitava o Fantomas era o Múmia.
- Lembro dele, mas o que rolou?
- Uma tarde, ele passou aqui e pediu um bauru. Deu duas mordidas e jogou o sanduíche no lixinho.
Dona Maria veio até a mesa e perguntou se ele não tinha gostado.
- E daí?
- Ele falou que tinha sido o pior bauru que tinha experimentado na vida.
- Ela fez outro, né?
- Que nada. Deu foi uma mãozada na orelha do Fantomas que ele se largou no chão, estrebuchando. Aí começaram a chamar aqui de Orêia.
Sempre fui conservador, mas só com botecos. Era habituê de muitos assim no passado. Lembro-me de um, em especial, que nem nome tinha, para os lados da República. O modo como as cervejas eram cobradas já mostrava a filosofia do pedaço. Após o consumo, o freguês pagava e o dono estilhaçava o vasilhame ao lado mesa. E havia uma razão prática para a ação: se alguém quisesse brigar, os cacos de vidro já estavam à mão.
Brigas no Sem Nome, aliás, eram a coisa mais comum. Pegavam-se a tapas e pescoções universitários de esquerda e de direita, maridos e esposas traídas, artistas e críticos. E havia uma teoria da conspiração corrente de que um padre, certa noite, quebrara uma cadeira nas costas de um pai-de-santo.
Num mundo com tabernas cada vez mais gourmetizadas, e cheias de nove horas, bares como o Orêia deveriam ser tombados como patrimônio nacional.
*Este artigo não relfete, necessariamente, a opinião da Fórum.