ELEIÇÕES 2024

Desvendando Pablo Marçal: as técnicas de coach e a mentira sobre uso de cocaína

Vistas com desdém por parte da comunidade científica e pelo campo progressista na política, técnicas usadas por Marçal desconcertam adversários e entrevistadores e são amplificadas pela milícia digital cooptada - e paga - pelo ex-coach

Pablo Marçal na divulgação de curso baseado em seu livro "Lavagem Cerebral", com técnicas de "coach".Créditos: Reprodução / Facebook
Escrito en OPINIÃO el

De um lado, um grupo de pessoas representam a equipe Garcia. De outro, os "adversários" se enfileiram para representar o time Rowan. Na arena, montada com cadeiras, o objetivo é um só: vencer os debates "tête-à-tête"" desestabilizando emocionalmente o "inimigo". Para isso, vale tudo: mentiras, acusações levianas de cunho pessoal, ataques baixos e desdém quando o adversário argumenta.

A única regra: não se pode chegar às vias de fato. A verdade é tratada apenas como um detalhe, desprezível, que é ignorada solenemente pelos participantes.

A dinâmica baseada no ensaio Mensagem à Garcia, escrito em 1899 pelo filósofo e escritor estadunidense Elbert Green Hubbard, virou febre em cursos de coach e Programação Neurolinguística, a PNL, como aqueles propostos por Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, que vem desconcertando adversários em debates e jornalistas em entrevistas.

Vistas com desdém por parte da comunidade científica e pelo campo progressista na política, as técnicas usadas por Marçal têm origem no Behavorismo, estudo do comportamento humano que surgiu no início do século XX e ganhou força a partir dos anos 1970 no estudos conduzidos pelo antropólogo, cientista social, linguista e semiólogo inglês Gregory Bateson no Instituto de Pesquisa Mental em Palo Alto, na Califórnia. 

Inicialmente usadas em terapias para tratar transtornos mentais e comportamentais - como autismo, fobias e abuso de drogas, entre outros -, as técnicas da Neurolinguística foram adaptadas para o universo corporativo nos EUA e disseminadas entre executivos e funcionários de empresas do mundo todo em cursos de coach ou com nomes semelhantes.

Na dinâmica dos debates, por exemplo, usa-se a técnica da dissociação, quando o participante treina para se dissociar das emoções durante o combate com o oponente.

Ao mesmo tempo, ele é treinado para deixar o adversário "à flor da pele", associado às emoções, inibindo respostas racionais às provocações e incitando reações enérgicas - ou mesmo agressões -, fazendo com que perca a batalha. 

Essa desestabilização do adversário pode ser facilmente detectada pelos chamados movimentos corporais inconscientes - os MCRIs, na linguagem da PNL - como a vermelhidão no rosto, a mudança no tom de voz e outras reações inconscientes que foram analisadas em décadas de estudos.

Dessa forma, pode-se calibrar o discurso aumentando ou diminuindo o tom e, principalmente, detectando quais temas mais desestabilizam o oponente para que sejam repetidos.

Das corporações para a política e as igrejas

Eficaz em terapias cognitivo-comportamentais e no mundo empresarial - especialmente para negociações que exijam racionalidade -, a partir dos anos 1990, os estudos comportamentais começaram a ser levados para os palanques políticos e para os púlpitos das igrejas, especialmente nos EUA.

As estratégias, que buscam conhecer e mudar comportamentos indesejados, foram apropriadas pela ultradireita neofascista e por uma parcela de pastores neopentecostais para manipular de forma inescrupulosa o comportamento do eleitorado e dos fiéis e, assim, acumular poder e riqueza.

No Brasil, um dos principais expoentes na propagação dessas técnicas na esfera política foi justamente Olavo de Carvalho.

O guru do clã Bolsonaro incluiu técnicas de PNL para cooptar doutrinados e induzi-los a um conflito na política e na sociedade (a chamada "guerra cultural") tendo como principal "inimigo" o fantasma do "comunismo" - personagem que faz parte do inconsciente coletivo após décadas de narrativa distorcida da mídia liberal.

A candidatura de Pablo Marçal nas eleições municipais em São Paulo marca a entrada definitiva dessas estratégias de manipulação do comportamento do eleitorado nas campanhas eleitorais.

Com um aditivo: as técnicas são amplificadas nas redes sociais por meio da contratação de uma milícia digital, que recebe premiação em dinheiro para disseminar mentiras e discursos de ódio regurgitados por Pablo Marçal.

Segundo o juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral da capital paulista, o ex-coach montou na rede Discord "uma arquitetura aprofundada e consistente" que está sendo usada nas eleições com o abuso de poder econômico.

"Atente-se que a postura do requerido Pablo fideliza e desafia seguidores, que o seguem numa desenfreada busca de 'likes' em troca de vantagens econômicas. Diz o requerido que 'ensina a ganhar' dinheiro ao usuário, mas a sua imagem e 'cortes' chegam a um sem número de pessoas, num espantoso movimento multiplicador e sem fim", diz o magistrado na decisão em que derrubou os perfis nas redes sociais - e que não foi cumprida pelo bilionário neofascista Elon Musk, dono do X.

Usuário de cocaína?

Tendo ao lado aliados com ligação estreita com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC, e o tráfico de cocaína - entre eles, o influencer Renato Cariani, o presidente nacional do PRTB Leonardo Avalanche, e os assessores Tarcísio Escobar de Almeida e Júlio César Pereira, o Gordão, que trocaram carros de luxo por cocaína, segundo investigação da Polícia Civil de São Paulo -, Pablo Marçal desencadeou a estratégia inescrupulosa logo no primeiro debate, na Band, no dia 9 de agosto.

Após disseminar por meio da milícia digital que teria provas que dois dos adversários seriam usuários de droga, Marçal fez o gesto de cheirar acusando Guilherme Boulos (PSOL) de usuário da droga.

O gesto de colocar o dedo no nariz e cheirar - assim como fazer o M com as mãos - é mais uma técnica comportamental, de propagar a linguagem não verbal, e foi repetido dezenas de vezes pelo ex-coach e ganhou as redes sociais.

A falsa acusação foi compartilhada milhões de vezes nas redes pelas milícias paga e espontânea, cooptada pelo ex-coach, e turbinou Marçal nas pesquisas de intenção de votos.

A mentira inescrupulosa foi desnudada na quinta-feira (28) pela Folha de S.Paulo. Em pesquisa no Google, o ex-coach encontrou um processo por posse de droga de um homônimo de seu adversário.

Empresário e candidato a vereador pelo Solidariedade, partido que apoia Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Bardauil Boulos consta como réu em um processo que correu na Justiça há 23 anos, quando foi flagrado com uma pequena quantidade de maconha na época da faculdade.

Marçal, que diz ser formado em Direito, não pode alegar ignorância ou que houve confusão na pesquisa na internet.

A mentira contra Guilherme Castro Boulos, verdadeiro nome do adversário, foi construída de forma ardilosa. O próprio Marçal diz que só revelaria o documento no debate da TV Globo, marcado para as 22h do dia 3 de outubro, às vésperas do primeiro turno das eleições e no último dia da campanha eleitoral.

O ex-coach sabia que seria desmentido e poderia alegar que se confundiu com os nomes. Mas, o estrago já estaria feito e não haveria tempo hábil - e nem meios de comunicação - para que a fake news fosse desmentida.

Marçal poderia, no máximo, ser acusado de mentiroso. Mas, como ele bem sabe, a verdade é apenas um detalhe, desprezível, que pode ser ignorado no combate contra o inimigo.