O Partido dos Trabalhadores, através da deputada Gleisi Hoffmann, celebrou a vitória do Partido Trabalhista no Reino Unido como se fosse um triunfo sobre o neoliberalismo.
Parece, mas não é.
Te podría interesar
O Labor conquistou 411 cadeiras no Parlamento, contra apenas 121 do Partido Conservador, mas o diabo mora nos detalhes e eles revelam que a vitória foi muito menos impressionante do que parece.
O comparecimento, de 59,8%, foi o menor desde 2001.
Te podría interesar
Os trabalhistas conquistaram 63% das cadeiras com apenas 34% dos votos. Por que? Os britânicos conhecem como "eficiência eleitoral": o partido fez uma campanha altamente focada nos distritos em que havia ficado em segundo lugar em 2019.
Isso levou o diário Guardian a dizer que o sistema eleitoral britânico está dando sinais de falência.
Nunca os eleitores demonstraram tamanho cansaço com os dois partidos dominantes: trabalhistas e conservadores tiveram a menor votação proporcional conjunta desde 1945.
Isso reflete, acima de tudo, a similitude entre o programa de ambos.
O NOBRE PLEBEU
Keir Starmer, o novo primeiro-ministro, é um trabalhista que tem título de nobreza. Ele fez campanha prometendo colocar o Reino Unido adiante de seu partido. Falou em polícia na rua. Enfatizou que se tratava de um "novo" Partido Trabalhista, na linha do que dizia Tony Blair, o da Terceira Via.
A grande distinção entre o Labor e os Conservadores está na imigração. Os Tories fizeram uma campanha abertamente xenofóbica.
Starmer venceu pela combinação do fracasso econômico do Brexit, cansaço com os Conservadores e um proposta social democrata "rebaixada", focada em reduzir as filas do SUS britânico.
Sir Starmer é pró-Ucrânia, pró-Israel e pró-Estados Unidos.
Ele só ascendeu ao topo do partido depois de participar da trama que levou à suspensão e expulsão de Jeremy Corbin, acusado de fechar os olhos para o antissemitismo dos trabalhistas.
Corbin assegura que foi alvo de assassinato de caráter, por suas posições claras de apoio à causa palestina.
A MAIOR SURPRESA
A maior surpresa da eleição britânica foi que cinco independentes, inclusive Corbin, derrotaram trabalhistas em seus distritos, contando com votos de esquerdistas e apoiadores da causa palestina.
Outros cinco candidatos independentes perderam por muito pouco.
Embora o establishment -- e, portanto, a mídia -- não admitam, as manifestações pró-Gaza demonstram que há uma demanda dos britânicos por um debate interno sobre a posição do Reino Unido em relação a Israel.
A mídia conservadora de Israel, alinhada à extrema direita de Benjamin Netanyahu, celebrou a vitória de Starmer.
Embora ele mantenha a posição histórica dos trabalhistas, de reconhecimento do direito dos palestinos a um Estado, ficou em cima do muro sobre quando isso se dará.
Jamais denunciou o genocídio em Gaza, nem aceitou a ideia de frear o fornecimento de armas a Tel Aviv.
Corbin, por sua vez, deu entrevista afirmando que o eleitorado britânico não está satisfeito com a participação de seu país na matança de palestinos.
George Galloway, do Partido dos Trabalhadores, outra voz britânica que defende a causa palestina, perdeu por pouco a cadeira que ocupava.
O diário Telegraph celebrou: "Adeus, Galloway. Foi um triunfo de Israel".
TRABALHISMO DE PPPs
Na linha da proposta econômica apoiada no Brasil pela coalizão governista, o trabalhismo britânico vai apostar nas Parceria Público Privadas, beneficiando especialmente a gigante das finanças BlackRock, cujo chefão Larry Fink apoiou Starmer.
Escrevendo a respeito na New Left Review, Richard Seymour afirmou:
A BlackRock já é proprietária do Aeroporto de Gatwick e tem uma participação substancial na indústria britânica de água, em ruínas e que vomita esgotos (70% da qual é atualmente propriedade de gestores de ativos). Como escreve Daniela Gabor, “os lucros que a BlackRock espera gerar através do investimento em energia verde terão provavelmente um custo enorme”. Os controladores moram longe e tem pouco incentivo para cuidar da infraestrutura. Criam veículos para reunir capital de investimento, extrair o valor do ativo e seguir em frente. Esta é a grande ideia na qual os trabalhistas baseiam sua frágil sorte: não é de admirar que não a explicaram ao eleitorado.
É algo muito parecido com o que o governador Tarcísio de Freitas fez com a Sabesp paulista. Os novos investidores vão demitir empregados, "ordenhar" lucros crescentes para os acionistas e, eventualmente, cair fora.
Trata-se, portanto, de um trabalhismo "rebaixado", num cenário eleitoral marcado pelo amargor econômico que resultou do Brexit.