APURAÇÃO

Na luta por justiça por Marielle e Anderson a milícia precisa ser derrotada – Por Monica Benicio

Fazer Justiça por Marielle é também ter a possibilidade de construir um novo futuro para o Rio de Janeiro. E era isso também que ela sonhava

Marielle Franco.Créditos: Dayane Pires/CMRJ
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Um mês e meio após a prisão dos irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, e de Rivaldo Barbosa, o dia de hoje (quinta, 9 de maio) trouxe novos desdobramentos para a luta por justiça por Marielle e Anderson. São mais de 6 anos lutando por justiça e, mesmo imersa na dor do luto, sigo com a certeza de que não podemos desistir de ver esse caso completamente elucidado. 

As operações de hoje aprofundam os elementos que já haviam sido trazidos pelo relatório da Polícia Federal (PF), e culminaram em novos mandados de prisão preventiva, dessa vez contra Robson Calixto da Fonseca, conhecido como Peixe, e Ronald Paulo Alves Pereira, o Major Ronald, e também no oferecimento de denúncia contra o conjunto dos apontados como autores, coautores e partícipes do crime.

Robson Calixto, o Peixe, era assessor de Domingos Brazão tanto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quanto no Tribunal de Contas do Estado. Os elementos da delação de Lessa, que foram trazidos pelo relatório da Polícia Federal, já indicavam a sua participação no crime. Ele acompanhou seu chefe, Domingos, no encontro que deu início ao planejamento do assassinato, intermediando o contato com Ronnie Lessa e com Macalé. 

A Polícia Federal também aponta que ele e sua esposa fizeram parte de empresas do Clã Brazão. Uma dessas empresas, inclusive, com endereço no mesmo local que Chiquinho Brazão apontou para a Justiça Eleitoral que teria um imóvel.

Por todos esses elementos, Peixe já havia sido alvo de mandado de busca e apreensão no último dia 24 de março, quando seu chefe foi preso. Certamente, essas diligências foram importantes para que, dessa vez, ele também fosse preso, aprofundando os dados que já haviam sido apontados pela Polícia Federal.

Outro integrante deste grupo criminoso é conhecido como Major Ronald, e também foi alvo das operações de hoje. Contra ele foi expedido um mandado de prisão preventiva, mas ele já se encontra preso em decorrência de sua atuação na milícia de Rio das Pedras.

A Operação Intocáveis, que prendeu Ronald, tinha o objetivo de desbaratar as operações dessa milícia que atua na região. Ele foi apontado como o “empreiteiro” das construções irregulares em Rio das Pedras. Ele também foi apontado como um dos integrantes do chamado Escritório do Crime, que atuava num verdadeiro mercado de mortes ligado aos interesses das milícias e da contravenção no Rio de Janeiro.

Essa sua atuação nas construções irregulares, segundo o relatório da PF, também daria a Ronald uma participação na promessa de recompensa que os irmãos Brazão dariam a Ronnie Lessa pelo crime. Um território teria sido prometido a Lessa, e contaria com Ronald como o responsável por sua “urbanização”, segundo os elementos da delação apontados pela Polícia Federal.

Ronald teria também participado do monitoramento que esse grupo criminoso fez da rotina de Marielle, da nossa rotina. O deslocamento mapeado do seu celular coincide com locais onde ela esteve, e também mostra que ele foi até o local do crime dias antes. Ronald também teria avisado a Macalé sobre o evento na Casa das Pretas, que era onde Marielle estava em agenda de trabalho e sairia imediatamente antes de ser assassinada a caminho de casa. 

Todos esses elementos são importantes não apenas para contextualizar a participação desses sujeitos no crime contra Marielle e Anderson, mas também para expor todo o conjunto de interesses e o modo de operação das milícias no Rio de Janeiro.

A exploração de territórios, seja pela grilagem, oferta de serviços, construção civil, compra e venda de imóveis e toda essa dinâmica ligada ao fazer a cidade está em diferentes partes do Rio de Janeiro, atrelada ao modo de operação das milícias. Essa urbanização miliciana é ponto chave para a compreensão da forma como atuam esses grupos, operando e alimentando, inclusive, um mercado de mortes que elimina opositores e permite a continuidade dos seus negócios. 

Temos, então, três aspectos que compõem o modo de atuar desses grupos milicianos – o poder econômico, que vem da exploração ilegal desses múltiplos modos de fazer a cidade, o poder político, que garante os arranjos necessários para que diversas estruturas da Administração Pública atuem em favor dos seus interesses, e o poder de matar, que articula a morte, tortura e execução sumária de opositores, num cenário de constante impunidade.

Hoje, avançamos mais um passo não apenas na luta por justiça para Marielle e Anderson, mas na luta por uma cidade não miliciana. Vivemos um momento histórico em que esses arranjos estão sendo postos a público, expondo, inclusive, as tramas políticas que os sustentam. Como disse o então ministro Flávio Dino, o Rio de Janeiro está envolto em um verdadeiro ecossistema criminoso, que sequestra o funcionamento do Estado.

Fazer Justiça por Marielle é também ter a possibilidade de construir um novo futuro para o Rio de Janeiro. E era isso também que ela sonhava. Minha mulher não vai voltar para o jantar, nunca voltou, e é por isso também que sigo lutando, para que não morram mais Marielles, Andersons e que as milícias sejam derrotadas para vivermos uma política livre de grupos que só servem aos seus próprios interesses. Isso é sobre democracia, justiça social e esperança. 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.