OPINIÃO

Ainda estou aqui

A exibição de Ainda Estou Aqui dá-se no momento em que um homem-bomba ameaça a democracia, tentando, a exemplo do 8 de janeiro de 2023, atacar os Poderes da República

Escrito em Opinião el
Mestre e doutor em Direito Constitucional. Professor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Advogado de Uchôa Advogados Associados. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD/CE. E-mail: marceloruchoa@gmail.com
Ainda estou aqui
Selton Mello como Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui. IMDB

Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles adaptado de livro de Marcelo Rubens Paiva, vem conquistando festivais Brasil afora e lotando salas de cinema em todo o país. A genialidade de Salles, a sublime atuação de Fernanda Torres e o olhar profundo de Fernanda Montenegro são destaques da produção, mas o que definitivamente prende a atenção do público é o enredo: a prisão ilegal e o desaparecimento forçado do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura de 1964 e a luta incansável e corajosa de sua esposa, Eunice Paiva, pela busca de respostas sobre o paradeiro do marido em pleno regime de exceção.

Eunice, que também foi presa ilegalmente por 15 dias, criou sozinha cinco filhos e tornou-se referência na advocacia indígena. Sua determinação em saber a verdade sobre o destino de Rubens Paiva é comovente. Só em 2006, após os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, passados 25 anos da prisão do esposo, ela pôde suspirar: “é uma sensação esquisita sentir-se aliviada com uma certidão de óbito!” O mínimo considerando que as víboras que torturaram, mataram e atiraram o corpo do marido no mar jamais foram responsabilizadas.

A história, apesar de emblemática, não é tão conhecida pelos brasileiros. Ela soma a um sem número de outras histórias igualmente ofuscadas pela impunidade e pelo tempo. A exibição de Ainda Estou Aqui dá-se no momento em que um homem-bomba ameaça a democracia, tentando, a exemplo do 8 de janeiro de 2023, atacar os Poderes da República e um plano de setores das forças armadas para matar o presidente é descoberto. Perturbador!

O filme ensina às gerações pós-Constituição que, durante duas décadas, o Brasil viveu sob a escuridão da censura, das perseguições infundadas, dos crimes de Estado. Ensina, também, sobre a necessidade imperiosa de preservar a memória para evitar retrocessos, como uma infame anistia para os golpistas de 2023 ou uma abjeta conivência com a impunidade dos cabeças da conspiração. Ao fim e ao cabo, o filme é uma oportuna advertência de que, sem justiça, traidores da democracia seguirão ameaçando o país. 

Logo Forum