OPINIÃO

O que está acontecendo nas universidades públicas brasileiras? – Por Rodrigo Perez

À esquerda e à direita as universidades estão sob ataque. Os ataques têm dinâmica e propósitos diferentes, apesar de estarem umbilicalmente conectados entre si

Créditos: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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À esquerda e à direita as universidades estão sob ataque. Os ataques têm dinâmica e propósitos diferentes, apesar de estarem umbilicalmente conectados entre si. Principalmente nos cursos das ciências sociais e humanas, as universidades públicas foram dominadas por movimentos sociais da esquerda identitária, supostamente comprometidos com a agenda da equidade de raça e gênero.

O pensamento dominante no ambiente acadêmico afirma uma nova missão para o sistema universitário: não mais o ensino gratuito de qualidade, a pesquisa científica de ponta a as atividades extensionistas de impacto social. A missão, agora, é a reparação de todas as violências acumuladas ao longo da história moderna.

Machismo, homofobia, racismo, escravidão, genocídio indígena, discriminação de pessoas com deficiência. Caberia à universidade a jornada messiânica de correção de todas as injustiças, com parte da comunidade acadêmica convencida de que chegou ao estágio mais evoluído da consciência crítica e das boas intenções morais.

Essa jornada messiânica pela reparação leva a universidade a buscar, incessantemente, o sujeito do sofrimento, o personagem a ser reparado e protegido.  Hoje, essa posição é compartilhada entre as pessoas trans e as populações escravizadas pela colonização europeia, ou seja, negros e indígenas. Já começa a surgir no horizonte um novo sujeito do sofrimento: as pessoas neurodivergentes, sobretudo espectro autista. Estar no espectro autista já se tornou marcador de identidade política, constantemente evocado por membros da comunidade acadêmica em seus esforços de autoidentificação.

São duas as principais consequências dessa atmosfera política e cultural:

- O conhecimento produzido passa a ser validado em função de seu compromisso com a “representatividade” das “experiências” desses sujeitos do sofrimento. Se o leitor e leitora fizerem uma pesquisa rápida nos produtos acadêmicos mais laureados nos últimos anos na área das ciências sociais e humanas, perceberão que, em geral, as temáticas apontam para experiências e testemunhos de minorias sociais. “Representatividade”, “experiência” e “testemunho” são as palavras-chave. Ganhou bastante influência um gênero textual conhecido como “autoetnografia”, onde “pessoas não binárias” narram suas próprias experiências de socialização (há diversos relatos de experiências sexuais, muitas vezes legitimados como dissertações de mestrado e teses de doutorado). A narrativa em primeira pessoa é fetichizada a partir da premissa de que somente o oprimido pode falar sobre si mesmo. A relação de exterioridade recíproca entre sujeito e objeto não apenas deixa de fazer sentido como deveria ser abolida, considerada um valor politicamente negativo defendido apenas pelos “reacionários”.

- As pessoas que fazem parte das minorias sociais e que, por isso, encarnariam o sofrimento histórico, estão liberadas para fazerem o que bem entenderem. Reivindicam direitos nem sempre formalizados na legislação: “direito” de faltar aulas, de não se submeter aos ritos de avaliação, de não ler a bibliografia recomendada, de ter acesso a políticas de transferência direta de renda, mesmo que isso não esteja previsto no orçamento das instituições. “Direito” à expressão de suas identidades através de performances que colidem com o decoro acadêmico. Por isso, no evento realizado na Universidade Federal do Maranhão no dia 18/10, uma pesquisadora, pessoa trans vinculada à Universidade Federal da Bahia, se sentiu à vontade para subir na mesa e mostrar suas partes íntimas. O evento foi divulgado como palestra acadêmica e não como performance artística, o que demandaria estabelecimento de classificação etária, nos termos das leis brasileiras.

Os “sujeitos do sofrimento”, portanto, se sentem autorizados a ignorar qualquer código de ética e procedimento institucional, que nada mais seriam do que instrumentos de coerção de uma universidade “branca, elitista e colonizadora”. Qualquer medida institucional que contrarie os interesses dessas pessoas coloca professores e servidores em situação de embaraço, sob risco de serem interpelados em processos administrativos, acusados de racismo, transfobia e assédio.

A extrema direita acompanha com atenção os escândalos protagonizados pelos “sujeitos do sofrimento”, utilizando-os como combustível para promoção de pânico moral visando a destruição da reputação das universidades públicas.  O objetivo é o estrangulamento orçamentário, a precarização das condições de trabalho e a privatização.

A extrema direita é pouco presente no ambiente acadêmico e, geralmente, seus ataques vêm de fora da universidade, provocando coesão da comunidade universitária, o que colabora para a eficiência da resposta. Já a esquerda identitária conta com a leniência de professores e autoridades universitárias, o que dificulta a adoção de protocolos de autoproteção institucional.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.