Era uma maternidade tradicional, bastante frequentada pela classe média da cidade. O casal estava no apartamento, descansando, em silêncio.
Entrou a enfermeira, com o recém-nascido no colo, e o entregou à mãe. Após a saída da moça, os dois ficaram, por um bom tempo, olhando a cria.
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- Coisinha mais linda do mundo o nosso Luiz, hein? – comentou a mãe.
O pai também estava encantado.
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- Lindo, lindo demais!
- Um milagre! – completou a mulher.
O marido aduziu:
Falando em milagre, sabe uma coisa? Eu olho pra ele e me vêm um pensamento estranho, sabe?
- Estranho? Que tipo de pensamento é esse?
- Ah, umas dúvidas existenciais...
- Hummm...
- O famoso “de onde viemos, o que somos, para onde vamos?”. Vendo o Luiz me dá logo essa inquietação. Não acontece de você imaginar como ele veio parar aqui?
- Às vezes, sim. Me passa o babadorzinho dele. Tá ali na maleta, ao lado no moisés.
- É o azul com bolinhas brancas?
- Esse mesmo.
- Então, não me parece que apenas uma ligação entre você e eu possa ser responsável por ele estar respirando agora nesse berço. Penso que tem muito mais coisas por trás. Fatos que não acessamos.
- Você acha?
- Sim. Pra mim, esse bebê é a união de uma vida individual com o universo inteiro.
- Não é mais fácil a gente pensar que Deus fez o Luiz pra gente?
- Talvez. Só não sei se esse Criador, mesmo tão poderoso, teria tempo pra organizar desde o código genético até o desenvolvimento dos órgãos de milhares de nenês que nascem todo dia no planeta.
- Fala baixo, ele choramingou, tadinho. Psiu!
- Desculpa.
- Tudo bem, amor. Coloca o almofadão naquela cadeira que vou me sentar com ele lá. Fica mais confortável.
- Boto em pé ou enviesado?
- Em pé é melhor.
- É que, o nascimento dele, me leva a perguntas do tipo: o que é a consciência? Como e quando ela surge?
- Sim, eu sei disso.
- E se forem, de repente, seres de outros planetas que comandam a população terrestre? Tipo pensando em algum momento virem pra cá e escravizarem o Luiz e todos os outros recém-nascidos?
- Sinceramente, não sei. Mas minha avó sempre repetia uma frase: “o nascimento de uma criança é um convite à humildade”.
- Como assim, humildade?
- É uma boa oportunidade de a gente aceitar os mistérios do mundo. E ponto final.
- Ah, sim, entendi.
- Falando em humildade, olha aí: ele se cagou todo. Pega, põe no trocador, e limpa a bundinha dele.