CARLOS CASTELO

Nos tempos da luta livre de Ted Boy Marino e Fantomas, por Carlos Castelo

Nenhum garoto que se prezasse perdia Os Reis do Ringue, marmelada maravilhosa em que lutadores tinham seus papéis de heróis e vilões bem definidos

O Velho Envergonhado.Créditos: Pixabay
Escrito en OPINIÃO el

Eram tempos em que até a desesperança era auspiciosa.

E, naquele sábado à noite, Moa está elétrico. Os seis primos se juntaram a ele para assistir a luta de Ted Boy Marino no apartamento do tio Argeu: Tuca, Neide, Carlinha, Mosca, Zezé e Fábio - a turma do barulho, como se dizia à época.

Tia Nenê traz, numa bandeja, a substanciosa abacatada, acompanhada de petas e bolo de goma. Nada mais adequado para depois de se esfalfarem brincando de teatrinho no quarto da Tuca. O palco era o beliche; as cortinas feitas de toalhas de banho. Com isso, podia-se representar o mundo inteiro.

Os reis do ringue já vão se pegar. No programa de hoje, Ted tem pela frente Fantomas, parada duríssima.

Quando o herói mete a primeira pernada nas faces do inimigo, uma pancada à porta. Surge o senhorzinho atarracado, de olhar doce. Carlinha dá um grito:

Vovozinho chegou!

É o vovô Alcides. Moa já ouvira falar dele, mas não o conhece pessoalmente. Se tivesse idade e cultura suficientes, talvez dissesse que o homem se parece com um idoso pintado por Norman Rockwell. É o arquétipo desse gênero familiar: carinhoso, bonachão, resiliente e grande distribuidor de balas e jujubas. Não demora para que a molecada venha, em peso, se aconchegar perto dele para receber sua porção de confeitos coloridos.

O embate na TV segue renhido, Vovozinho e seu arsenal de caramelos são deixados de lado. Ted Boy Marino, para desespero geral, agora está tomando uma exemplar esfrega do impiedoso Fantomas. O facínora aplica uma série de golpes sujos no lutador e, por fim, o amarra nas cordas. Os berros da garotada sobem, agudos, quando o juiz da luta se une a Fantomas para surrar Ted.

- Nãoooo, isso não vale! Roubalheiraaa!

No round seguinte, porém, começa a vingança. Ted, como um relâmpago, aplica um mata-leão no adversário e os dois passam o tempo todo atracados. A confiança se renova, o final pode ser favorável à lei e à ordem.

No início do derradeiro assalto, Neide passa chorando por trás do sofá da sala. Todos a olham sem saber o que fazer. Tia Nenê a leva para o quarto.

A disputa, claro, perde a graça. O que há com a prima para verter lágrimas daquele jeito?

Moa e os seis primos vão até a porta tentando descobrir o que acontece. Tia Nenê indaga os motivos, carinhosamente. Neide continua, de bruços, no colchão, somente resfolegando.

Passados alguns instantes, ela desabafa, o travesseiro camuflando a sua voz:

O Vovozinho…ele…o Vovozinho baixou as calças, ele…

Tia Nenê ordena que a turma volte imediatamente à sala.

Vão, vão brincar de Banco Imobiliário, a caixa está dentro do armário do corredor!

Banco Imobiliário, em termos de emoção, não se equipara, nem de longe, à uma luta livre. É, contudo, o que resta a Moa até que seus pais venham buscá-lo.

Os tempos, no entanto, eram de esperança. Ted Boy Marino acabou ganhando do Fantomas.