O economista Ladislau Dowbor disse, em depoimento à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, que a taxa de juros de referência do Banco Central representa uma transferência de 7% do PIB "da economia real, dinheiro nosso, dos nossos impostos, para os grupos financeiros, para os bancos, para os grandes aplicadores financeiros".
O debate foi feito a pedido dos deputados Marcos Tavares (PDT-RJ) e Lindbergh Farias (PT-RJ).
Te podría interesar
Nem o Banco Central, nem o Ministério da Fazenda mandaram representantes.
O debate foi comandado pelo deputado Paulo Guedes (PT-MG), apelidado no evento de "Guedes do Bem".
Te podría interesar
Além dos parlamentares citados, a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RJ) foi uma das poucas a comparecer, apesar da importância do tema.
Dowbor, que é professor da PUC de São Paulo, negou que a inflação brasileira justifique as altas taxas de juros.
Trata-se, na opinião dele, de parte de um sistema implantado no Brasil para transferir renda para o topo da pirâmide social, que se combina com o sistema tributário e a evasão de divisas.
Um estudo citado por ele sustenta que 82% do estoque da dívida interna, cerca de R$ 7,5 trilhões, não foram resultado de investimentos, "que o governo se endividou para abrir estrada, para construir universidades, para investir. É juros sobre a dívida pública, é juros sobre juros".
Se a taxa do Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) está em "apenas" 13,25%, Dowbor afirma que a taxa média de juros para as famílias brasileiras que estão endividadas é de 55,8%.
"Na França é entre 4% e 4,5%. Na China é 4,6%. Desconto em 2% de inflação, é um juro real para as famílias de 2,6%. Dá para financiar coisas", narrou.
"Na realidade, isso é particularmente importante porque quando você trava a demanda das famílias, as famílias estão pagando juros, não estão comprando. Você paralisa a economia, porque a demanda das famílias é o principal. Para que serve a economia? Para as famílias, o resto é conversa. Então, na realidade, você está paralisando a demanda. O Banco Central apresenta um estoque da dívida das famílias de R$ 1,8 trilhão, pagando 55,8% [em juros]", afirmou o economista.
Seria essa a explicação para o Brasil ter 72 milhões de inadimplentes, com 79% das famílias atoladas em dívidas.
Isso aqui é sem [o banco] produzir nada, simplesmente extraindo. Você, para explorar um trabalhador de um fabricante de sapatos, pelo menos você tem que gerar um emprego, tem que gerar produto. Aqui não, simplesmente é um dreno.
Pequenas e médias empresas estão pagando, em média, 23,1% em juros.
"Para a empresa é mortal. Não à toa o Brasil se desindustrializou nesse ritmo. Pegando o estoque da dívida deles [pequenos empresários], de R$ 1,3 trilhão, isso vai dar, mais ou menos, um dreno de 3% do PIB", afirmou o economista.
De acordo com estimativas do Instituto Roosevelt, dos Estados Unidos, apenas 10% do dinheiro capturado através de juros [20% do PIB no Brasil, segundo Dowbor] voltam para a economia real.
"Por que? Porque, por exemplo, tiram juros das famílias, isso dá lucro para a Faria Lima, para os grandes bancos, para os grandes aplicadores. Eles não vão abrir empresa com isso, eles vão simplesmente aplicar na taxa Selic, que paga 13,25%, lucro líquido, não precisa estar produzindo coisas".
Ladislau Dowbor se referiu a uma oferta do Santander que recebeu por SMS. Poderia gastar além do limite do cheque especial, com taxa mensal de juros de 5,9%.
"Gente, sabe o que é 5,9%? É 100% ao ano. Milhões de pessoas seguramente receberam isso. Ou seja, eu queria lembrar que no artigo 192 da Constituição estava que o juro máximo seria 12% real, que além disso, seria considerado crime de usura. Na França, por exemplo, está em 7,9% ao ano. Acima disso, você está em cana, certo? Não precisaram colocar na Constituição, colocaram no Código Comercial, no caso da França. Isso é absolutamente escandaloso".
Por isso ele incluiu em seus cálculos os números da sonegação, que estaria na casa de 7% do PIB.
Além da sonegação, "temos as renúncias fiscais, que algumas são justificáveis para facilitar o desenvolvimento de certa região, mas, no conjunto, renúncias fiscais representam 4% [do PIB]".
"Vamos somando, tá, gente? Nos paraísos fiscais, nós não temos dados atuais. Eu tenho dado do Tax Justice Network, o último dado que fizeram é de 2012. De lá para cá, não sei quanto aumentou. Agora, a ordem de grandeza equivalia a 28% do PIB. É um estoque que está lá fora. Aliás, com Paulo Guedes, o outro. Roberto Campos Neto também tem uma [empresa] offshore", disse.
O problema tende a se agravar, já que hoje em dia apenas 3% da moeda em circulação no mundo é física. 97% são sinais magnéticos.
Sinais magnéticos, não precisa revistar a mala no aeroporto, nem coisa do gênero. Tudo se faz. O sistema se globalizou. É chamado internacionalmente de financeirização, mas os governos continuam nacionais e não tem regulação global. A primeira regulação global está sendo discutida hoje na OCDE, o chamado BEPS, Basic Roles and Profit Shifting. Na realidade, há uma perda de controle.
Dowbor define a posição brasileira no quadro internacional como "grotesca".
"A parte da tributação é dramática, porque desde 1995 nós temos lucros e dividendos distribuídos, não pagam [imposto]. Então, esse andar de cima lá, os bilionários de cima, os 290 bilionários que a Forbes nos apresenta, pagam pouquíssimo imposto ou não pagam imposto. Eu pago 27,5% como professor. Não faço evasão fiscal, porque ninguém pergunta se eu quero fazer evasão fiscal. Me deduz na fonte, certo?".
Quanto ao imposto territorial rural, "está na lei e deveria ser cobrado. Deixa eu lembrar que nós temos no Brasil 353 milhões de hectares de propriedades agrícolas, de estabelecimentos agrícolas. Quanto a gente usa para lavoura efetiva, somando temporária e permanente? 63 milhões. A estimativa por baixo de terra subutilizada no Brasil é de 160 milhões de hectares. 160 milhões de hectares dá cinco vezes a Itália".
Você ter terra parada ou espalha um pouco de boi, você tem um rentismo. Essa terra vai valorizando gradualmente. Isso é dramático, porque, na Europa, você cobra [imposto] efetivamente sobre terra parada, as pessoas ou vendem para quem vai produzir ou produzem.
Dowbor acrescenta aos cálculos os efeitos da Lei Kandir, que entrou em vigor pouco antes da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que controla imensas reservas minerais, em 1996.
A Lei Kandir isenta produtos primários ou semiprimários -- minérios, inclusive -- de ICMs, "o que leva as pessoas a produzir soja para exportação, em vez de arroz para a população. É espantoso, em termos internacionais, a gente ter 33 milhões de pessoas passando fome e 125 milhões em insegurança alimentar. Nós produzimos no Brasil, só de grãos, 4 quilos por pessoa por dia".
Depois de elencar todos os fatos acima, Dowbor conclui que a deformação é sistêmica.
O sistema de juros, o sistema de evasão e os sistemas tributários não recompõem, pelo contrário, agravam a desigualdade.
Dowbor sugeriu aos presentes que lessem o livro O Complô, do constituinte gaúcho Hermes Zanetti, que se transformou em documentário premiado. O livro e o filme relatam os bastidores do que hoje Dowbor define como "o dreno financeiro" implantado pelos banqueiros constitucionalmente a partir de 2003.
O inciso terceiro do parágrafo oitavo do artigo 192 da Constituição Federal, promulgada em 1998, dizia claramente:
§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".
Todos os oito parágrafos sobre o sistema financeiro foram simplesmente suprimidos pela emenda constitucional número 40, sancionada pelo presidente Lula, então recém empossado no primeiro mandato, em 29 de maio de 2003.
A referência à usura, assim como o limite de 12% aos juros anuais, sumiram do texto constitucional.
Depois de decepado, o artigo 192 agora tem apenas uma frase genérica. Pelo estudo do professor Dowbor, ainda assim vem sendo descumprida:
O Sistema Financeiro Nacional será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade.