É PIOR DO QUE EU ACHAVA

O que vi - e não queria - no Discord, rede onde se propagam ataques a escolas

Não foi difícil achar conteúdo realmente perturbador na plataforma de jogos frequentada por adolescentes. AVISO DE GATILHO: O texto abordará temas extremos, com conteúdo misógino, racista, antissemita, pedófilo, suicida e neonazista.

Escrito en OPINIÃO el

O Discord é uma rede social utilizada por gamers, empresas e jovens de todo o mundo para facilitar a comunicação coletiva. A rede social se tornou um importante canal após a pandemia por permitir uma espécie de "supergrupo" de WhatsApp. 

Os servidores (ou grupos) podem ser separados por temas e abrigar centenas de pessoas, permitem chat em áudio, vídeo, compartilhamento de documentos e possuem bots especializados para uma série de situações.

O Discord é uma baita plataforma na questão tecnológica e, não à toa, é um sucesso entre os mais jovens.

Eu já havia usado a rede em outras ocasiões, foi-me útil para matérias jornalísticas, conversas em grupo no meio da pandemia e até para fazer novos amigos em sessões de jogos on-line, como Among Us ou Jackbox.

Mas, após um papo com alguns conhecidos e a aparição do chamado "desafio do Discord" na mídia, decidi entrar em alguns servidores para ver como o discurso da alt-right estava instaurado na rede.

Bastou uma pesquisa de cinco minutos no Google para entrar nos grupos da extrema direita. Entrei em três servidores abertos e, caro leitor, de verdade, eu não esperava que fosse tão bizarro assim.

AVISO DE GATILHO: A partir daqui, o texto contará com termos extremos, com conteúdo misógino, racista, antissemita, pedófilo, suicida e neonazista. Sério. 

Ingressei em um grupo, identificado a partir de algumas gírias do universo channer, já estranhei alguns nomes de usuário. “Judeu estuprador”, “Nazipardo”, “Favelado Judeu”, etc. Os bots do grupo, utilizados para facilitar a comunicação e adicionar features ao servidor, eram batizados com temas de ode à pedofilia: AdoroPedofilia, invitepedofilo, PedoMusic e PedoBoard. 

Em outro servidor, os membros do grupo citam tentativas de suicídio e automutilação, endossam o assassinato de mulheres e negros e publicam vídeos de negação do Holocausto.

Uma mensagem me surpreendeu: com a foto de perfil de Bolsonaro, o sujeito postou um vídeo de propaganda neonazi com suásticas e o rosto de Heinrich Himmler, comandante do Exército de Reserva e general plenipotenciário do Terceiro Reich.

Outro usuário saudou o professor que elogiou Hitler em uma sala de aula em Santa Catarina. Em outros momentos, usuários se desafiam ao suicídio on-line.

Entre os conteúdos citados estão materiais de pornografia infantil — abreviadamente, CP —, conteúdo neonazista e muito, mas muito gore, isto é, imagens de pessoas sangrando, sendo vítimas de crimes violentos, além de pornografia com coprofilia e zoofilia. 

O que mais me surpreendeu não foi o conteúdo, mas sim a extrema similaridade compartilhada entre os grupos e o universo channer. Há uma roupagem de humor que paira sobre servidores e usuários, que se divertem com o conteúdo "edgy".

O termo "edgy" vem do inglês e é um sinônimo para o humor que vai até o limite — edge — do "politicamente correto". Os limites humorísticos acabam se tornando um subterfúgio para conteúdo abertamente nazista.

Em cada servidor, estavam cerca de 110 ou 120 usuários, totalizando pouco mais de 400 pessoas. Ao longo das conversas, percebi também a presença de servidores fechados, como o 'Brasil Reich', ou seja, a rede pode atingir milhares de usuários.

Esse grupos estão aí na internet desde que eu tinha 11 anos de idade. Alguns se esconderam na deep web, outros se mantêm na superfície. Eles usam os mesmos termos de dez anos atrás e as mesmas táticas de dez anos atrás. Continua funcionando. E as autoridades seguem tomando um baile dessa organização.

Os conteúdos de suicídio, automutilação e gore indicam problemas psicossociais graves nesses jovens, embriagados no humor e na ideologia da extrema direita.

Contudo, o debate também não pode cair no pânico moral. O "desafio do Discord" não é uma "Baleia Azul" ou um "Obedece a La Morsa". Não é um hoax feito para criar pânico. De fato, a extrema direita está presente na rede social, agindo com conteúdo perigoso.

Mas não é só pânico. Isto também merece um alerta: o fato de seu filho ou sua filha ter uma conta no Discord não é um indicativo de que ele/ela é de extrema direita ou um/a neonazi. A maioria extensa dos grupos do Discord têm focos diversos e muitos são enriquecedores e importantes. O fundamental é saber com quem e o que seu filho anda falando na internet.

O Discord foi contatado para esta e para futuras reportagens, mas ainda não respondeu a nossa solicitação. Seguiremos de olho. Os canais foram denunciados para o Ministério da Justiça.