“Por favor, mantenham os cintos afivelados: estamos passando por uma área de turbulência.”
Talvez você já tenha sentido o estômago revirar dentro de um avião ao ouvir a mensagem de atenção. Quando um avião sacoleja no céu, ele está passando por turbulência — uma palavra que provoca desconforto em passageiros, mas também em cientistas, porque, mesmo depois de séculos de avanços na física, a turbulência atmosférica continua sendo um dos maiores enigmas da ciência moderna.
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Richard Feynman, ganhador do Nobel de Física em 1965, já chegou a descrevê-la como “o problema não resolvido mais importante da física clássica”.
Mas, afinal, o que tem de tão difícil e misterioso nesse fenômeno?
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Na linguagem da física, turbulência é um regime caótico de movimento de fluidos, o que inclui não só o ar, mas também a água, a fumaça, a lava e até o plasma solar.
A turbulência surge, portanto, quando há mudanças abruptas na velocidade ou na direção dos fluidos, ou seja, nas partículas pelos quais são formados, que estão em movimento livre e podem se deformar sob a ação de outras forças externas. É isso, aliás, aquilo que os diferencia dos sólidos. Essa mudança cria correntes imprevisíveis.
Então, na prática, um avião que treme com turbulência está atravessando “uma massa de ar em movimento desordenado”. Isso costuma ocorrer mais facilmente quando passa perto de montanhas ou, é claro, em meio a tempestades; mas pode acontecer até em céus aparentemente limpos. Existe um nome para essa última: é a chamada turbulência de céu claro (clear air turbulence) — que é, também, a mais difícil de prever.
E de onde vem o mistério?
A base para se estudar os movimentos dos fluidos foi lançada no século 18 pelo famoso físico Daniel Bernoulli, mas consolidada no século 19 por Claude-Louis Navier e George Stokes, que desenvolveram as igualmente famosas equações de Navier-Stokes. Elas descrevem como a velocidade, a pressão e a densidade de um fluido evoluem com o tempo. O problema? As equações são extremamente complexas.
Em 2000, o Clay Mathematics Institute incluiu a solução completa das equações de Navier-Stokes entre os sete “Problemas do Prémio Millennium”, um conjunto de sete problemas matemáticos que envolvem geometria algébrica (conjectura de Hodge), problemas tridimensionais (conjectura de Poincaré) e o problema da mecânica de fluidos de Navier-Stokes: equações que descrevem o movimento de um fluido no espaço físico. A instituição oferece um prêmio de um milhão de dólares para quem conseguir resolvê-las.
Mesmo com o avanço de supercomputadores, ainda não é possível prever com precisão onde e quando a turbulência vai ocorrer. Isso porque o fenômeno é não-linear: pequenas mudanças nas condições iniciais geram consequências imprevisíveis, um fenômeno equivalente ao chamado "efeito borboleta". O fenômeno é descrito pela metáfora popular do bater de asas de uma borboleta, que, embora mal perturbe o ar ao seu redor, pode causar um furacão em um lugar distante. O que a metáfora quer dizer, de forma simples, é que variações nas condições de um sistema podem causar interações de longo prazo mesmo em outros, com mudanças exponenciais ao longo do tempo (os fluxos de ar, por exemplo).
Em 1941, o matemático russo Andrey Kolmogorov propôs uma das ideias mais importantes sobre turbulência. Ele imaginou que a energia do fluido vem de grandes redemoinhos (como os gerados pelo vento batendo em um prédio) e, aos poucos, essa energia vai sendo "quebrada" em vórtices cada vez menores, até virar calor devido ao atrito interno do fluido (viscosidade).
É como se você jogasse uma pedra em um lago: primeiro aparecem ondas grandes, que se dividem em ondas menores, até sumirem. Kolmogorov conseguiu prever como a energia se distribui nesses redemoinhos menores, e sua teoria funciona bem em situações controladas. Mas, no mundo real, a turbulência é muito mais bagunçada, e pode ser afetada por paredes, variações de temperatura e outros fatores, fazendo com que o modelo dele nem sempre se aplique.
Cientistas e engenheiros já usam supercomputadores para simular o comportamento do "caos". Essas simulações (chamadas de Computational Fluid Dynamics) dividem o fluido em milhões de "caixinhas" virtuais e calculam como o ar ou a água se move em cada uma delas. O problema é que, para simular todos os detalhes de um fenômeno turbulento real (como o vento em torno de um avião), seria necessário um poder computacional muito além do que temos hoje.
Por isso, os pesquisadores usam truques matemáticos para simplificar o problema, mas mesmo assim os resultados não passam de aproximações, e os modelos não são padronizados.
E, apesar do mistério, a ciência já compreende bastante sobre os fatores que contribuem para a turbulência e consegue, por exemplo, projetar aeronaves que suportam bem esse tipo de instabilidade. Satélites, radares e sensores em tempo real, além do mais, ajudam os pilotos a evitá-la; mas nada disso é, ainda, suficiente para prever turbulência com antecedência, principalmente no caso de rotas de aviação.
Além disso, as mudanças climáticas estão agravando o problema. Estudos recentes mostram que o aquecimento global contribui com cenários de maior instabilidade e com a formação de turbulência de céu claro, principalmente na região do Atlântico Norte, devido à influência atmosférica do aumento das temperaturas do planeta.
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