OPINIÃO

Banco Central do grande capital financeiro – Por Chico Alencar

Ao desvincular o BC do Ministério da Economia, a Lei, sob capa da “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira'', consolida a captura da política monetária pelo setor financeiro privado

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Nos últimos dias, o mercado financeiro e seus porta vozes, muitos dos quais com vasto espaço nos veículos da mídia grande, têm vociferado contra as críticas que o presidente Lula dirigiu ao Banco Central (BC) e ao seu presidente, Roberto Campos Neto.

O pano de fundo da polêmica é a autonomia do BC, concedida em fevereiro de 2021 por meio da Lei Complementar 179 (LC 179), e os superpoderes que, a partir de então, quem exerce o cargo passa a ter na condução da política de juros. 

Ao desvincular o Banco Central do Ministério da Economia, a Lei, sob a capa da “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira'', na verdade consolida a captura da política monetária brasileira pelo setor financeiro privado. No popular, colocou "o vampiro como gerente do banco de sangue".

Esta era uma antiga reivindicação do mercado financeiro e de setores neoliberais, e estava na lista de pautas prioritárias do governo Bolsonaro e de sua "ekipeconômica", liderada por Paulo Guedes.

Para os mais desavisados, decisões afastadas da política institucional podem até parecer mais “eficientes”, mas a pergunta que devemos nos fazer é: conceder tanto poder a uma entidade que, na teoria, é independente do processo democrático, é uma opção razoável?

O resultado acaba sendo um órgão com imenso poder de impactar os custos e riscos da política governamental e de influenciar os níveis de atividade econômica, de preços, de endividamento, de câmbio. Um ente público que não sofre nenhuma espécie de controle popular e falha em ser neutro ou isento, enquanto conduz os anseios de representes do capital financeiro, hegemônico no mundo.

E mais: o BC passa longe de estar imune a disfunções ou capturas. Por dois anos consecutivos a gestão Campos Neto não conseguiu atingir a meta de inflação. Ao definir níveis de inflação irrealistas, a gestão justifica o aumento da taxa de juros.

Basta ver a indecorosa decisão do Conselho de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 13,75%, a maior de juros real do mundo!

Isso paralisa a atividade econômica, bloqueia o crescimento do emprego e da renda e gera impacto negativo na situação fiscal, ao aumentar os custos da dívida pública. O custo social desta política é enorme.

Na verdade, a principal causa do aumento de preços recente é externa, derivada da pandemia da Covid e da guerra na Ucrânia, o que reduz a influência da taxa de juros na trajetória dos preços. Portanto, esta poderia baixar sem impactos diretos na inflação.

É necessário que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, explique na Câmara a manutenção dos juros elevados (aliás, ele é um ferrenho bolsonarista. Na campanha eleitoral foi descoberto em um grupo no WhatsApp de ex-ministros de Bolsonaro. É assim que exerce sua tão decantada “autonomia”?).

Por conta disso, a bancada do PSOL na Câmara Federal apresentou o Projeto de Lei Complementar nº 19 (PLC 19) que altera a LC 179. Ao revogar os principais artigos que concederam superpoderes à autoridade monetária, assim como o que cria o mandato fixo, o PLC 19 retoma a estabilidade e coordenação entre políticas monetária e fiscal.

Além disso, acrescenta como objetivo fundamental do BC a busca do pleno emprego e aumenta a participação democrática na discussão do tema, ao criar um “Observatório de Política Monetária”, a fim de avaliar o cumprimento dos objetivos fundamentais estabelecidos para o Banco Central.

Que fique claro que nossa defesa não é por decisões menos “técnicas” e, sim, em favor de um alinhamento da política de juros com as intenções econômicas do governo, de forma a alcançarmos um desenvolvimento econômico democrático, distributivo e socialmente inclusivo. Queremos um BC que caminhe ao lado da busca do pleno emprego e de um crescimento econômico que se traduza também na redução da desigualdade social!

Sem esses essa preocupação em país de tamanha desigualdade, o BC torna-se instrumento exclusivo do grande capital. Toda economia é economia política, e a política econômica eleita em outubro de 2022 tem como eixo central fazer justiça social.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.