O ataque de Israel a hospitais e escolas que abrigavam refugiados, o esforço para retirar a população do Norte da faixa de Gaza em direção ao Sul e o anúncio de que agora a ofensiva terrestre vai se concentrar justamente na área para onde foram os refugiados não fazem sentido do ponto-de-vista militar.
O principal centro de comando e controle do Hamas, segundo Israel, estava sob o hospital Shifa.
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No hospital, agora ocupado, Israel não encontrou o que seus serviços de inteligência previam, de acordo com animação de vídeo divulgada pelo próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: um emaranhado de túneis, com sofisticadas salas de comando e um grande arsenal para proteger reféns.
Destruir a infraestrutura de Gaza, especialmente a rede hospitalar, permitindo a entrada no território de ajuda humanitária limitada, mover a população civil de um lado para outro, privando milhões de pessoas de água potável, comida e condições mínimas de subsistência -- tudo isso só faz sentido se o objetivo for causar caos em escala industrial para promover imigração em massa.
Atacar as organizações humanitárias ligadas às Nações Unidas que atuam em Gaza e dificultar seu trabalho também se inserem neste objetivo.
Um pesquisa divulgada pelo canal 14, a Jovem Pan de Israel -- apoio total a Benjamin Netanyahu, assim como a Pan apoiou Bolsonaro no Brasil -- diz que 65% dos entrevistados aprovam a ideia de esvaziar Gaza.
85% concordam com a afirmação de que mesmo depois de eliminado o Hamas uma nova organização surgirá, pois "permanecerá [em Gaza] uma população que apoia o terrorismo".
77% não acreditam que uma força de paz das Nações Unidas resolverá o problema, alegando que não resolveu na fronteira de Israel com o Líbano.
70% são contra transferir o controle de Gaza para a Autoridade Palestina, alegando que, tendo oportunidade, ela faria o mesmo que o Hamas fez em 7 de outubro.
58% dizem ser contra a entrada de qualquer ajuda humanitária enquanto todos os reféns mantidos pelo Hamas não forem libertados.
Debates que antes estavam restritos a círculos de extrema-direita, ligados às ideias do rabino Meir Kahane, agora tem aceitação mesmo em círculos da esquerda local.
O projeto de esvaziar o território de seus 2,3 milhões de habitantes ganhou força internamente a ponto de estimular a criação de um site batizado de Relocation Gaza nas redes sociais.
O argumento foi repaginado: não se trata de limpeza étnica, mas de obrigação moral com os próprios israelenses e palestinos.
Ariel Kallner, um parlamentar do Likud, o partido de Netanyahu, disse em entrevista que "a população [de Gaza] precisa ser encorajada a sair, a se reabilitar, começar uma nova vida em outros lugares. Existem planos para reabilitar refugiados, sempre houve. O Egito é um destino próximo e lógico, mas não há razão para pensar só na possibilidade do Egito".
Outro parlamentar, Ram Ben Barak, do partido centrista e liberal Yesh Atid, foi co-autor de um artigo de grande repercussão, publicado no Wall Street Journal, que advoga a mesma ideia. Numa entrevista à emissora de maior audiência de Israel, ele disse:
Se todos em Gaza são refugiados, vamos espalhá-los pelo mundo. São 2,5 milhões. Todo país poderia receber 20 mil. 100 paises. É humano, é lógico, eles já são refugiados. Melhor ser refugiado no Canadá do que em Gaza. Se o mundo realmente quiser resolver este problema, consegue.
Amir Weitmann, parlamentar do Likud que se apresenta como campeão do liberalismo, chegou a fazer os cálculos: segundo ele, o reassentamento dos moradores de Gaza no Egito custaria no máximo 7 bilhões de dólares.
Ele apresentou um plano, que descreveu como "realístico e sustentável para o reassentamento e a reabilitação humanitária de toda a população árabe da faixa de Gaza".
Não são ideias novas em Israel, mas saíram repaginadas dos guetos ideológicos da extrema-direita como um dever moral com o qual o Ocidente -- especialmente os Estados Unidos -- precisa colaborar.