Caos é plano

Esvaziar Gaza tem apoio de 65% dos israelenses, diz TV

Israel trabalha para vencer a resistência do Ocidente

Escrito em Opinião el
Completei 40 anos de trabalho como repórter de TV em 2020 e meio século de Jornalismo em 2022. Fui correspondente em Nova York por quase duas décadas, da TV Manchete, SBT e TV Globo. Colaborei com as redes CNN e CBC, dos Estados Unidos e Canadá. Colaborei com a Folha de S. Paulo e a rádio Jovem Pan. Fui o primeiro repórter a fazer uma entrevista improvisada com um líder da União Soviética, em Moscou, em 1988, e a conversa com Mikhail Gorbatchov no Kremlin foi notícia nas redes norte-americanas ABC, CBS e NBC, saiu no diário soviético Pravda e, apesar de transmitida pela TV Manchete, foi noticiada no Jornal Nacional, da concorrente TV Globo. Acompanhei de perto a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Cobri os encontros dos líderes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov que levaram ao fim da Guerra Fria -- na Islândia, na URSS e nos EUA. Cobri o prelúdio das invasões militares do Panamá e do Iraque. Participei de coberturas de Copas do Mundo e Olimpíadas (Itália, França, Estados Unidos, Brasil) e fiz 100 transmissões ao vivo de provas de automobilismo na Fórmula Indy. Dirigi 52 edições do Programa Nova África, da produtora Baboon Filmes, exibido na TV Brasil. Ao longo da carreira, passei por Quênia, Moçambique, África do Sul, Botsuana, Namíbia, Gana, Serra Leoa, Guiné Bissau, Cabo Verde e Marrocos -- no total, trabalhei em mais de 50 países de cinco continentes. No início dos anos 2000, em Nova York, criei o site Viomundo, do qual me afastei no final de 2021 para me dedicar a outros projetos. Sou co-autor de vários livros, dentre os quais se destaca O Lado Sujo do Futebol, finalista do Prêmio Jabuti. No Brasil, atuei no Globo Repórter, especialmente em viagens pela Amazônia, ganhei o Prêmio Embratel de 2005, investigando o uso fraudulento de tratamentos com células tronco, em série que foi ao ar no Jornal Nacional e o Prêmio Esso de Telejornalismo, em 2013, com a série As Crianças e a Tortura, exibida no Jornal da Record. Recebi dias menções honrosas no Prêmio Vladimir Herzog. Fui finalista do Prêmio Esso com o documentário "Luta na Terra de Makunaima", da TV Cultura, e do Prêmio Gabriel Garcia Marquez, com série investigativa sobre médicos que se viciam com drogas de hospitais.
Esvaziar Gaza tem apoio de 65% dos israelenses, diz TV
Expulso do hospital. Ferido num bombardeio, o jovem palestino que estava no hospital Shifa diz que recebeu ordem de soldados de Israel para se retirar. Reprodução de TV

O ataque de Israel a hospitais e escolas que abrigavam refugiados, o esforço para retirar a população do Norte da faixa de Gaza em direção ao Sul e o anúncio de que agora a ofensiva terrestre vai se concentrar justamente na área para onde foram os refugiados não fazem sentido do ponto-de-vista militar.

O principal centro de comando e controle do Hamas, segundo Israel, estava sob o hospital Shifa.

No hospital, agora ocupado, Israel não encontrou o que seus serviços de inteligência previam, de acordo com animação de vídeo divulgada pelo próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: um emaranhado de túneis, com sofisticadas salas de comando e um grande arsenal para proteger reféns.

Destruir a infraestrutura de Gaza, especialmente a rede hospitalar, permitindo a entrada no território de ajuda humanitária limitada, mover a população civil de um lado para outro, privando milhões de pessoas de água potável, comida e condições mínimas de subsistência -- tudo isso só faz sentido se o objetivo for causar caos em escala industrial para promover imigração em massa.

Atacar as organizações humanitárias ligadas às Nações Unidas que atuam em Gaza e dificultar seu trabalho também se inserem neste objetivo.

"Abra o portão, não seja um fracote". Card da campanha para reassentar palestinos no Sinai faz trocadilho com o sobrenome do presidente do Egito, que controla a passagem de Rafah 

Um pesquisa divulgada pelo canal 14, a Jovem Pan de Israel -- apoio total a Benjamin Netanyahu, assim como a Pan apoiou Bolsonaro no Brasil -- diz que 65% dos entrevistados aprovam a ideia de esvaziar Gaza.

85% concordam com a afirmação de que mesmo depois de eliminado o Hamas uma nova organização surgirá, pois "permanecerá [em Gaza] uma população que apoia o terrorismo".

77% não acreditam que uma força de paz das Nações Unidas resolverá o problema, alegando que não resolveu na fronteira de Israel com o Líbano.

70% são contra transferir o controle de Gaza para a Autoridade Palestina, alegando que, tendo oportunidade, ela faria o mesmo que o Hamas fez em 7 de outubro.

58% dizem ser contra a entrada de qualquer ajuda humanitária enquanto todos os reféns mantidos pelo Hamas não forem libertados.

Debates que antes estavam restritos a círculos de extrema-direita, ligados às ideias do rabino Meir Kahane, agora tem aceitação mesmo em círculos da esquerda local.

O projeto de esvaziar o território de seus 2,3 milhões de habitantes ganhou força internamente a ponto de estimular a criação de um site batizado de Relocation Gaza nas redes sociais.

O argumento foi repaginado: não se trata de limpeza étnica, mas de obrigação moral com os próprios israelenses e palestinos.

Ariel Kallner, um parlamentar do Likud, o partido de Netanyahu, disse em entrevista que "a população [de Gaza] precisa ser encorajada a sair, a se reabilitar, começar uma nova vida em outros lugares. Existem planos para reabilitar refugiados, sempre houve. O Egito é um destino próximo e lógico, mas não há razão para pensar só na possibilidade do Egito".

Outro parlamentar, Ram Ben Barak, do partido centrista e liberal Yesh Atid, foi co-autor de um artigo de grande repercussão, publicado no Wall Street Journal, que advoga a mesma ideia. Numa entrevista à emissora de maior audiência de Israel, ele disse:

Se todos em Gaza são refugiados, vamos espalhá-los pelo mundo. São 2,5 milhões. Todo país poderia receber 20 mil. 100 paises. É humano, é lógico, eles já são refugiados. Melhor ser refugiado no Canadá do que em Gaza. Se o mundo realmente quiser resolver este problema, consegue.

Amir Weitmann, parlamentar do Likud que se apresenta como campeão do liberalismo, chegou a fazer os cálculos: segundo ele, o reassentamento dos moradores de Gaza no Egito custaria no máximo 7 bilhões de dólares.

Ele apresentou um plano, que descreveu como "realístico e sustentável para o reassentamento e a reabilitação humanitária de toda a população árabe da faixa de Gaza".

Não são ideias novas em Israel, mas saíram repaginadas dos guetos ideológicos da extrema-direita como um dever moral com o qual o Ocidente -- especialmente os Estados Unidos -- precisa colaborar.

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