DIVERSIONISMO

A quem serve confundir o Hamas com o Estado Islâmico

Batalha por corações e mentes

Raqqa.A cidade síria foi a capital do Estado Islâmico durante quatro anos, antes de ser demolida pela coalizão liderada pelos Estados UnidosCréditos: Reprodução Anistia Internacional
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"Neste momento no Oriente Médio -- ou Ásia Ocidental -- está em embate o fim definitivo da OTAN, o fim definitivo da hegemonia do dólar, o fim definitivo da hegemonia dos Estados Unidos, o fim definitivo do G7, o fim definitivo do colonialismo de 200 anos atrás, o fim definitivo do modelo construído a partir das duas guerras. Quem não compreender isso vai ficar falando as bobagens que fala esse Guga Chacra aqui no Brasil".

A declaração foi dada à Fórum pelo presidente da Federação Palestina Árabe do Brasil, Ualid Rabah.

Antes mesmo do périplo de líderes ocidentais a Tel Aviv para manifestar apoio a Israel, inclusive do presidente dos Estados Unidos Joe Biden, Ualid fez uma análise histórica do envolvimento das potências ocidentais no Oriente Médio:

"Eu quero recorrer à História. A Inglaterra e a França, com o apoio dos Estados Unidos, selaram o acordo de Sykes-Picot em 1916, no qual negaram à Palestina o direito de autodeterminação prometido nas correspondências de 1913 e 1915 ao Sheikh [bin Ali] Hussein,  naquele momento representante árabe [como Xarife de Meca] na correspondência com o [diplomata] inglês [Arthur Henry] McMahon. O esforço de guerra dos países árabes contra o Império Otomano seria recompensado com a autodeterminação", afirmou.

Sobre a declaração de Balfour:

Em 1917 a Inglaterra emite a declaração de Balfour, que promete um lar nacional na Palestina aos judeus. Detalhe: ela diz que não judeus terão direitos civis e religiosos reconhecidos. Agora entram a Itália e também os Estados Unidos. Em 1920, na Itália, em San Remo, eles definem o território colonial da Palestina, definem que o mandato será aplicado e definem que a Inglaterra será encarregada disso.

Mais adiante, já com a Liga das Nações criada, depois da Primeira Guerra Mundial, foi estabelecido o mandato britânico sobre a Palestina e a Transjordânia, que hoje constituem Israel, Jordânia e os territórios palestinos:

"Com os Estados Unidos, em 1922, na Liga das Nações, eles aprovam o chamado mandato para Palestina, que é o mandato colonial para os ingleses dominarem a Palestina. O preâmbulo diz que vai ser implementada a declaração Balfour. Detalhe, tem 28 artigos e nenhum deles cita o povo palestino. Os 11 primeiros desenham como vai acontecer a limpeza ética e a colonização. Gaza é produto disso, porque 73% da população de Gaza é de refugiados de 1948 [implantação do estado de Israel]", lembra Ualid.

É neste contexto que deve ser vista a promessa feita em Tel Aviv pelo presidente da França, Emmanuel Macron, de promover uma guerra da coalizão anti-Estado Islâmico contra o Hamas.

DIVERSIONISMO E PROPAGANDA

É uma ideia contestada por analistas ocidentais.

Itzchak Weismann, historiador da Universidade de Haifa que estuda movimentos islâmicos, disse ao diário israelense Haaretz:

O Hamas tentou incluir toda a população de Gaza. Em contraste, o Estado Islâmico assassinaria qualquer muçulmano que não rezasse na hora certa. Você não pode simplesmente dizer: ‘O ISIS massacrou pessoas e o Hamas também, então eles são iguais’

"O Estado Islâmico vê os integrantes do Hamas como apóstatas", publicou Aaron Zelin, do Instituto de Política para o Oriente Médio de Washington.

Nenhum dos dois pode ser acusado de apoiador do Hamas.

O Estado Islâmico, de origem sunita, não aceita os contatos do Hamas com o governo xiita do Irã.

O Hezbollah, movimento xiita baseado no Líbano que defende a causa palestina, por sua vez lutou contra milícias do Estado Islâmico na Síria.

O Irã foi um dos principais articuladores do combate ao Estado Islâmico (que chama de Daesh) no Iraque.

O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, ao anunciar o cancelamento de planos para visitar Tel Aviv, rejeitou a tentativa de Israel -- com apoio dos Estados Unidos e da França -- de embaralhar a causa palestina com o Estado Islâmico:

O Hamas não é uma organização terrorista, é um grupo de libertação, mujahideen que trava uma batalha para proteger as suas terras e o seu povo

O diversionismo de Israel tem justamente este objetivo: comparar o Hamas ao Estado Islâmico atrai as potências ocidentais para um enfrentamento entre o "bem" e o "mal", cujos caminhos passam pelo Hezbollah no Líbano e terminam em Teerã.

É por isso que Vladimir Putin, enfrentando uma guerra na Ucrânia, deu uma guinada na política externa de Moscou, sempre muito amigável com Israel: o líder russo quer tirar proveito do sentimento anti-ocidental que se espalha nas ruas dos países árabes e muçulmanos.

Mesmo na Indonésia e Malásia, que não tem relações diplomáticas com Israel mas não estão entre os grandes financiadores da causa palestina, as manifestações dos últimos dias revelam que a retaliação de Israel contra o Hamas, que mata crianças na faixa de Gaza, causa profunda repulsa.

Confundir apoiadores da causa palestina com apoiadores do terrorismo é um peça da guerra de propaganda por corações e mentes e "justifica" o massacre de civis em Gaza aos olhos ocidentais.