BELCHIOR

Fulano canta Belchior, sicrana interpreta Gal Costa; não há nada novo na MPB?

Assim como a mania dos covers da década de 90, vários artistas recorrem às recriações diante da resistência do público ao novo

Gal Costa em capa de álbum da década de 60.Créditos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

Antes que atirem pedras, é bom deixar claro que vários projetos com recriações de obras consagradas que andam circulando por aí são excelentes. Só de saída é bom citar o cantor e ator Silvero Pereira, soberbo em seu tributo a Belchior. Além dele, o bandolinista Hamilton de Holanda acaba de lançar um excelente álbum só com composições de Djavan.

Além deles, vale destaque também o lindo “Xande canta Caetano”, álbum já comentado por aqui em que o cantor e compositor Xande de Pilares regrava vários sucessos de Caetano Veloso. Circulou muito pelas redes, inclusive, um vídeo em que o cantor baiano se emociona ao ouvir em primeira mão a versão de “Gente”.

Há muito mais recriações dignas de nota. A questão, no entanto, é outra. Diante de tantas releituras e homenagens, fica a pergunta: não há nada de novo rolando na cena musical brasileira? Há.

De acordo com o relatório da empresa de dados e insights Luminate, cerca de 120 mil novas faixas são lançadas todos os dias em plataformas de streaming de música no planeta. Várias delas são feitas por brasileiros. Segundo o relatório, até o final de 2023, pelo menos 43 milhões de novas faixas estarão no Spotify.

A explicação para a predisposição dos ouvintes de música brasileira para o novo pode estar exatamente aí. A pessoa se vê atônita diante do oceano de possibilidades e, por conta disso, acaba voltando a navegar no pequeno lago que construiu ao longo da vida. Ou não.

É bom observar que dentro dos nichos mais populares, das canções para consumo rápido, o fenômeno se inverte. A incansável Anitta, por exemplo, produz sucessos ferozmente, com direito a megalançamentos com clipes ousados e várias participações. O mesmo ocorre com Pablo Vittar, Ludmilla, Iza, entre outros.

A velha MPB, ou seja, a canção urbana dita culta e mais elaborada que em outros momentos fez a festa das famílias nos grandes festivais, parece ter mesmo sucumbido, vítima de si própria. Há quem diga que nunca mais surgiram compositores do nível de Chico Buarque, Caetano, Paulinho da Viola, entre outros.

Há quem, no entanto, defenda, que o formato gastou. O próprio Chico afirmou, entre outras coisas, que o século da canção foi o passado, assim como o século XIX foi o da ópera. Disse ainda que, daqui pra frente, as coisas mudariam.

O fato é que a grande música dos nossos tempos nunca deixou de ser gestada e segue viva. Há sinais claros disso em músicos como Bruno Berle, Ana Frango Elétrico e Tim Bernardes, só pra ficar em alguns. São obras feitas a partir de recortes eletrônicos, sons acústicos e outras colagens, lições que já se avizinhavam com os rappers, DJs e outros tantos artistas surpreendentes.

São novas gerações com várias maneiras de amar e encarar o mundo, discursos montados a partir das novas ferramentas e suas múltiplas formas de propagação. Um trem bala passando em disparada, mas que, mesmo sem saber, ainda se alimenta da paisagem que ficou no caminho.