OPERAÇÃO AJAX

Como os EUA destruíram a democracia do Irã — e criaram as bases do conflito atual com Israel

As raízes do antiamericanismo iraniano estão fincadas em um golpe patrocinado por Washington que moldou o destino do Oriente Médio

Escrito em História el
Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Como os EUA destruíram a democracia do Irã — e criaram as bases do conflito atual com Israel
Fotomontagem (Wikipedia e Getty Images)

O embate entre Irã e Israel, hoje um dos conflitos geopolíticos mais explosivos do planeta, não pode ser compreendido sem olhar para 1953 — ano em que os Estados Unidos intervieram diretamente na soberania iraniana para proteger seus interesses econômicos e estratégicos.

Com aval do presidente Dwight D. Eisenhower, a CIA (Agência Central de Inteligência) executou a Operação Ajax, um golpe de Estado orquestrado em parceria com o serviço secreto britânico (MI6), que derrubou o primeiro-ministro democraticamente eleito Mohammad Mossadegh. O motivo? Mossadegh havia nacionalizado o petróleo iraniano, até então controlado pela Anglo-Iranian Oil Company, embrião da atual BP.

Mohammad Mossadegh: o premiê que desafiou o imperialismo

Enciclopédia Britânica - Mohammad Mossadegh

Mossadegh (1882–1967) era um líder carismático, formado em Direito na Europa e defensor de uma monarquia constitucional. Como primeiro-ministro, ele acreditava que o xá deveria ser figura simbólica, enquanto o verdadeiro poder caberia ao Parlamento (Majlis).

Ao nacionalizar o petróleo em 1951, Mossadegh bateu de frente com o Reino Unido e passou a sofrer pressões econômicas severas. Os EUA, temendo que o caos favorecesse a expansão soviética, optaram por derrubá-lo. Ele foi preso, condenado por traição e passou o restante da vida em prisão domiciliar.

Mesmo décadas depois, Mossadegh é visto no Irã como um mártir da democracia e um herói anticolonial. Durante a Revolução Islâmica de 1979, embora o novo regime fosse teocrático, seu legado nacionalista foi resgatado como símbolo de resistência à dominação estrangeira.

O papel de Winston Churchill 

Wikipedia - Winston Churchill retorna ao poder e influencia o golpe contra o Irã.

O retorno de Winston Churchill ao poder no Reino Unido, em outubro de 1951, marcou uma guinada decisiva na crise política iraniana que culminaria, dois anos depois, no golpe de Estado contra o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh. Determinado a restaurar o controle britânico sobre o petróleo do Irã, Churchill foi um dos principais articuladores da operação que resultou na queda de um dos únicos líderes democraticamente eleitos da história do país.

A motivação do premiê britânico era reverter a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company (atualmente BP), responsável pela exploração das reservas iranianas com lucros majoritariamente repassados ao Reino Unido. A medida de Mossadegh foi considerada, em Londres, um ataque frontal aos interesses estratégicos britânicos no Oriente Médio.

Embora os Estados Unidos — ainda sob o governo de Harry Truman — mostrassem resistência a uma intervenção direta, Churchill apostou suas fichas no novo presidente, Dwight D. Eisenhower. Apresentou Mossadegh como um risco à estabilidade regional e um possível aliado da União Soviética no contexto da Guerra Fria. O plano funcionou.

Em 1953, com Eisenhower já no poder, Londres e Washington costuraram um acordo secreto. O serviço secreto britânico MI6, impedido de operar diretamente no Irã após a expulsão de seus diplomatas, transferiu a liderança da operação para a CIA, então recém-criada. Nascia ali a Operação Ajax — nome do plano clandestino que derrubaria Mossadegh por meio de uma combinação de propaganda, suborno, tumultos orquestrados e cooptação de militares e líderes religiosos.

Churchill teria resumido sua visão em uma frase atribuída a ele em reuniões privadas com autoridades dos EUA:

“Mossadegh precisa ser derrubado. Não podemos permitir que o petróleo iraniano fique nas mãos de um lunático nacionalista.”

Churchill, ao lado dos irmãos Dulles nos EUA (John Foster Dulles e Allen Dulles, respectivamente secretário de Estado e diretor da CIA), foi um dos principais responsáveis por mudar o curso da história iraniana — e por pavimentar o caminho para décadas de antiamericanismo e instabilidade geopolítica na região.

O golpe de 1953: como os EUA manipularam o destino do Irã

Getty Images - Manifestação contra o primeiro-ministro do Irã financiada pelos EUA.

A Operação Ajax foi marcada por uma complexa rede de subornos a políticos, militares, empresários da imprensa e líderes religiosos, além da orquestração de protestos simulados nas ruas de Teerã para criar a aparência de uma revolta popular contra o governo. A operação foi conduzida por Kermit Roosevelt Jr., agente da CIA e neto do ex-presidente Theodore Roosevelt, atuando diretamente no Irã com o apoio logístico do MI6 britânico.

O sucesso da operação resultou no colapso da jovem democracia iraniana e na restauração do poder absoluto ao xá Mohammad Reza Pahlavi, agora completamente alinhado aos interesses estratégicos dos Estados Unidos. Sob seu governo, o Irã transformou-se em um regime autoritário pró-Ocidente, marcado por repressão política e dependência externa — um cenário que perduraria até a Revolução Islâmica de 1979. O golpe de 1953 plantou as sementes de uma desconfiança duradoura em relação aos EUA, alimentando o antiamericanismo institucionalizado que se tornaria um dos pilares da política externa iraniana nas décadas seguintes.

Da aliança à inimizade: Irã e Israel antes e depois de 1979

Durante o reinado do xá Mohammad Reza Pahlavi (1941–1979), Irã e Israel mantinham uma aliança estratégica discreta, mas sólida. Ambos os países não apenas compartilhavam interesses geopolíticos comuns — como conter a influência do Egito de Gamal Abdel Nasser e do Iraque sob o comando do Partido Baath de Saddam Hussein —, como também cooperavam ativamente em áreas sensíveis, como inteligência militar, agricultura de precisão e comércio de petróleo. Mesmo diante do boicote promovido por países árabes após a Guerra dos Seis Dias (1967), o Irã fornecia petróleo a Israel e mantinha laços com o Mossad e o Shin Bet por meio de canais não oficiais.

A Revolução Islâmica de 1979 reverteu completamente essa relação. Com a derrubada do xá e a ascensão do aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder, o novo regime teocrático rompeu formalmente relações diplomáticas com Israel, expulsou sua missão diplomática de Teerã e entregou a embaixada israelense à OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Israel passou a ser chamado de “Pequeno Satã”, subordinado ao “Grande Satã”, os Estados Unidos. Desde então, o Irã adotou uma postura abertamente antissionista, apoiando militar, financeira e politicamente grupos como o Hezbollah no Líbano e, mais recentemente, o Hamas na Palestina.

A partir da década de 2000, essa rivalidade assumiu novos contornos, com o Irã consolidando seu papel como liderança do chamado “Eixo da Resistência” — um bloco informal de forças anti-Israel que inclui milícias xiitas no Líbano, Síria, Iêmen e Iraque. O antagonismo entre Teerã e Tel Aviv deixou de ser apenas retórico para se tornar parte estruturante da disputa geopolítica no Oriente Médio, envolvendo ações de inteligência, ciberataques, assassinatos seletivos e guerras por procuração.

Conflito indireto e guerra de narrativas

Desde os anos 2000, a tensão entre Irã e Israel tem se manifestado por meio de guerras por procuração e operações encobertas. Israel está amplamente acusado de assassinatos seletivos de cientistas nucleares iranianos — como Masoud Ali-Mohammadi (2010), Majid Shahriari (2010–11) e, mais recentemente, em junho de 2025, Fereydoon Abbasi e outros cinco cientistas alvos de ataques aéreos israelenses. Além disso, relatos apontam para sabotagens cibernéticas e ataques contra posições militares iranianas na Síria.

Do lado iraniano, há apoio declarado a grupos como Hezbollah, Houthis e em Gaza. O envolvimento inclui apoio financeiro e logístico: estima-se que o Irã destine cerca de US$ 700 milhões anuais ao Hezbollah e forneça armamentos e apoio aos Houthis no Iêmen. Tais grupos têm experiência em ações militares contra Israel, como os recentes ataques de mísseis e drones no Mar Vermelho.

Essa rivalidade intensificou-se após o acordo nuclear de 2015 (JCPOA). Israel, considerando-o insuficiente, pressionou fortemente pela sua ruptura e apoiou a retirada dos EUA em 2018. Desde então, a percepção israelense é de que um Irã com armamento nuclear representa ameaça existencial — enquanto Teerã insiste que seu programa é exclusivamente civil.

Operações recentes ilustram bem esse cenário: Israel lançou “Operation Rising Lion” no dia 13 de junho de 2025, com ataques aéreos em várias cidades iranianas, incluindo o complexo de Natanz e instalações militares – resultando na morte de líderes da Guarda Revolucionária e cientistas nucleares. Em reação, o Irã atacou Israel com dezenas de mísseis balísticos e drones, causando mortes e tensão em cidades como Tel Aviv e Jerusalém.

O conflito também se reflete no campo diplomático. O envio de sinalizadores militares pelo Irã e a posição israelense reforçam uma narrativa de emprego da força como meio legítimo de impedir ameaças. Por sua vez, ações terroristas e apoio a milícias contrabalançam essa justificativa, configurando uma guerra híbrida, com implicações regionais, como amplas crises humanitárias, impacto no preço do petróleo e riscos de proliferação nuclear.

Geopolítica contemporânea: entre Rússia, Houthis e Acordos de Abraão

Nos últimos anos, o conflito entre Irã e Israel assumiu dimensões cada vez mais internacionalizadas, refletindo o entrelaçamento de rivalidades regionais e disputas globais. O Irã aprofundou sua aliança estratégica com a Rússia, especialmente após o início da guerra na Ucrânia, fornecendo drones e apoio logístico em troca de respaldo diplomático e militar. Paralelamente, Teerã intensificou sua presença indireta no Oriente Médio por meio de grupos aliados, como o Hezbollah, no Líbano, e os Houthis, no Iêmen — ambos engajados em guerras por procuração (proxy wars) que desafiam diretamente os interesses de Israel, dos Estados Unidos e de seus parceiros árabes.

Enquanto isso, Israel consolidou uma inédita rede de alianças com países árabes sunitas por meio dos Acordos de Abraão, assinados a partir de 2020 sob mediação dos Estados Unidos, durante o governo Donald Trump. Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein foram os primeiros a formalizar a normalização diplomática com Israel, seguidos por Sudão e Marrocos, que aderiram em formatos distintos.

Esses acordos romperam com o tradicional consenso da Liga Árabe, que condicionava o reconhecimento de Israel à criação de um Estado palestino soberano. Em vez disso, inauguraram uma nova fase de cooperação bilateral em áreas como segurança, tecnologia, comércio e inteligência, ancorada no objetivo comum de conter a influência regional do Irã.

Embora aclamados por Washington e Tel Aviv como um marco diplomático, os Acordos de Abraão enfrentam críticas de analistas e setores da sociedade civil por marginalizarem a causa palestina e priorizarem interesses geoestratégicos e econômicos. No xadrez do Oriente Médio, eles simbolizam a reorganização das alianças diante de um cenário multipolar em que Teerã e seus aliados se confrontam direta e indiretamente com um eixo emergente entre Israel e as monarquias do Golfo.

Conflito Israel e Irã hoje

A derrubada do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, em 1953, por meio de um golpe orquestrado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, não apenas destruiu uma experiência democrática no Irã como também plantou as sementes de um ressentimento duradouro contra o Ocidente. Para muitos iranianos, a Operação Ajax permanece como um trauma fundador — um ponto de inflexão que moldou a visão de mundo da República Islâmica e consolidou a desconfiança em relação às potências ocidentais.

Sete décadas depois, as consequências geopolíticas desse evento ainda reverberam. O conflito entre Irã e Israel, antes aliados durante o reinado do xá, hoje se expressa em confrontos indiretos, guerras por procuração e ações de inteligência, com crescente risco de escalada militar aberta.

Um dos episódios mais recentes ocorreu em 13 de junho de 2025, quando Israel lançou uma operação militar de precisão contra alvos iranianos em retaliação a ataques anteriores atribuídos a Teerã e seus aliados. A ação, embora limitada, marcou uma das fases mais tensas do confronto bilateral nas últimas décadas, com impactos diretos na segurança regional e no mercado energético global.

A história do Irã moderno não pode ser compreendida sem reconhecer as marcas profundas deixadas pela ingerência estrangeira e pelos rearranjos de poder ao longo da Guerra Fria. O golpe de 1953 não apenas alterou o curso da política iraniana, como também alimentou a narrativa de soberania violada que sustenta a postura confrontacional do país até hoje — especialmente diante de Israel, dos EUA e dos aliados árabes que integram o novo tabuleiro estratégico do Oriente Médio.

Temas

Logo Forum