Roy Cohn, o executor dos Rosenberg e mentor de Trump: uma herança de paranoia e poder nos EUA
Figura-chave do macarthismo, advogado teve papel decisivo na execução de Ethel Rosenberg e influenciou a retórica combativa de Donald Trump
Há 72 anos, no auge da Guerra Fria, o casal Julius e Ethel Rosenberg foi executado na cadeira elétrica, acusado de espionagem em favor da União Soviética. Em 2025, Donald Trump ocupa novamente a presidência dos Estados Unidos. O elo entre esses dois momentos históricos atende pelo nome de Roy Cohn — um advogado gay e homofóbico, judeu e antissemita, cuja trajetória revela muito sobre os excessos do anticomunismo e os bastidores do poder nos EUA.
A execução do casal Rosenberg ocorreu em 19 de junho de 1953, na penitenciária de Sing Sing, no estado de Nova York. A morte de Ethel foi especialmente brutal: ela não morreu na primeira aplicação da corrente elétrica. Foram necessários múltiplos choques até que seu coração parasse, gerando comoção internacional e protestos contra o que muitos consideraram uma punição politicamente motivada.

Documentos posteriores, como os arquivos do projeto Venona — uma operação ultrassecreta do governo dos Estados Unidos, conduzida entre 1943 e 1980, com o objetivo de decifrar comunicações criptografadas da inteligência soviética, principalmente da KGB e da GRU (inteligência militar soviética) — e da KGB, indicam que Julius de fato atuava como espião, mas que Ethel teve papel secundário ou nulo — reforçando a tese de que sua execução foi usada como forma de pressão.
Cohn e a pena capital
Roy Cohn, então com pouco mais de 20 anos, atuou como promotor assistente no julgamento, sob liderança de Irving Saypol. Ele afirmava ter sido crucial na escolha do juiz Irving Kaufman, que impôs a pena de morte mesmo diante de apelos internacionais por clemência. Historiadores questionam o grau real de influência de Cohn na sentença, mas é inegável que ele usou o caso como trampolim para sua carreira — e como símbolo de sua dedicação à cruzada anticomunista.

Cohn logo se tornaria braço direito do senador Joseph McCarthy na infame “caça aos vermelhos”, perseguindo comunistas reais ou imaginários em setores do governo, das universidades e da cultura. Seu papel na condenação de Ethel, em especial, é visto como uma das ações mais cruéis da era do macarthismo.
De executor a mentor de Trump


Nos anos 1970, Roy Cohn consolidou sua posição como figura influente nos bastidores do poder em Nova York. Depois de sua atuação nos julgamentos do casal Rosenberg e no macarthismo, Cohn migrou para o setor privado, tornando-se um advogado poderoso com conexões profundas no mundo dos negócios, da política e da mídia. Frequentava clubes exclusivos, como o Le Club e o Studio 54, e convivia com figuras como Andy Warhol, George Steinbrenner e Barbara Walters.
Foi nesse contexto que conheceu Donald Trump, então um jovem empresário do setor imobiliário tentando expandir os negócios da família em Manhattan. A aproximação ocorreu em 1973, quando o Departamento de Justiça dos Estados Unidos processou a Trump Management Corporation, acusando-a de práticas discriminatórias contra afro-americanos na hora de alugar apartamentos.
Em vez de buscar um acordo com o governo, como sugerido por advogados convencionais, Roy Cohn aconselhou Donald Trump a contra-atacar agressivamente: processar o governo por difamação, negar todas as acusações e se recusar a fazer concessões.
Mais do que conselhos jurídicos, Cohn transmitiu a Trump uma visão de mundo baseada em lealdade cega, ofensiva constante e negação de qualquer erro. “Nunca admita nada, nunca recue, ataque sempre” — esse era o mantra. Trump não só o adotou, como o elevou ao centro de sua retórica política e empresarial.
A parceria evoluiu para uma relação intensa de mentor e pupilo. Cohn tornou-se o principal conselheiro legal de Trump, defendendo seus interesses em diversas disputas judiciais e ajudando-o a forjar uma imagem pública combativa.
Eles mantiveram contato próximo até meados dos anos 1980, quando Cohn foi diagnosticado com AIDS — doença que ele negava publicamente e atribuía a um câncer de fígado. Quando sua reputação começou a ruir e ele foi desautorizado pela Ordem dos Advogados de Nova York por má conduta, Trump se afastou, o que foi visto como traição por antigos amigos de Cohn.
Apesar do fim da relação pessoal, o legado de Cohn permaneceu fortemente entranhado na forma como Trump lida com adversários, imprensa e instituições. O próprio Trump teria se queixado em 2018, durante investigações sobre sua campanha, perguntando: "Where's my Roy Cohn?", em referência à falta de aliados dispostos a defendê-lo com a mesma lealdade e agressividade de seu antigo mentor.
A frase virou título de um documentário, o Where’s My Roy Cohn? (2019), que explora a influência de Cohn na formação de Trump, revelando como os métodos do advogado, forjados no terror político dos anos 1950, ainda ressoam no discurso e nas práticas da extrema direita dos EUA.
Hipocrisia típica da extrema direita
Roy Cohn representa um caso extremo de assimilação e negação da própria identidade como meio de ascensão social. Sua homofobia e seu antissemitismo não nasceram do ódio ao “outro”, mas sim do medo de ser percebido como parte de grupos marginalizados — algo que ele combateu com ferocidade para manter poder, influência e prestígio em um sistema conservador e excludente. Sua trajetória revela como figuras públicas podem internalizar e reproduzir os preconceitos da sociedade, mesmo quando essas atitudes ferem sua própria identidade. Uma hipocrisia típica da extrema direita.
Gay homofóbico
Apesar de ser homossexual, Roy Cohn nunca assumiu publicamente sua orientação sexual. Pelo contrário: durante os anos 1950, foi um dos principais arquitetos da chamada "Lavender Scare", campanha que acompanhou o macarthismo e consistia na perseguição de pessoas LGBTQ+ no governo dos Estados Unidos. Cohn ajudou a remover funcionários públicos acusados de serem gays sob o argumento de que seriam “vulneráveis ao comunismo”.
Cohn negava e reprimia sua própria identidade sexual, adotando uma postura ativa contra outros homossexuais para proteger sua imagem pública e garantir seu espaço em uma sociedade homofóbica.
Roy Cohn foi diagnosticado com AIDS em 1984, numa época em que a doença ainda era cercada de estigmas profundos e era fortemente associada à comunidade gay, algo que ele, ironicamente, perseguira ativamente durante sua carreira pública.
Apesar de ser amplamente conhecido nos círculos sociais como um homem gay — e ter tido vários parceiros do mesmo sexo — Cohn jamais assumiu publicamente sua orientação sexual.
Quando foi diagnosticado com AIDS, Cohn negou categoricamente a realidade de sua condição. Em entrevistas e diante de amigos, insistia que sofria de um “câncer de fígado”. Sua estratégia era manter intacta sua imagem de força e controle — coerente com o estilo agressivo, impiedoso e inflexível que cultivou ao longo da vida.
Cohn passou seus últimos anos isolado, à medida que sua influência política e legal declinava. Em 1986, foi desautorizado pela Ordem dos Advogados de Nova York por comportamento antiético, incluindo suborno de testemunhas e falsificação de documentos — o que acelerou seu ostracismo. Trump, que fora seu amigo próximo e cliente por mais de uma década, também se afastou.
Roy Cohn morreu em 2 de agosto de 1986, aos 59 anos, em Bethesda, Maryland. Após sua morte, foi oficialmente revelado que a causa foi complicações relacionadas à AIDS.
Judeu e antissemita
Cohn também era judeu, mas cultivava uma imagem de elite anglo-saxônica e cristã. Ele raramente falava de sua herança judaica publicamente, e se aliou a figuras antissemitas, como o senador Joseph McCarthy e, mais tarde, políticos e empresários conservadores que flertavam com ideologias excludentes.
Um dos exemplos mais emblemáticos de sua contradição é sua atuação no caso Rosenberg — o casal judeu acusado de espionagem e executado em 1953. Cohn se orgulhava de ter influenciado a escolha do juiz e de ter pressionado pela pena de morte, inclusive para Ethel, cuja culpa era duvidosa.
Muitos críticos viram nisso uma tentativa de Cohn de se distanciar de sua identidade judaica, demonstrando lealdade total ao establishment americano anticomunista, ainda que às custas de outros judeus.
Legado dos Rosenberg
Ethel e Julius Rosenberg deixaram dois filhos: Michael e Robert Meeropol. Quando os pais foram executados em 1953, Michael tinha 10 anos e Robert apenas 6. O trauma da perda foi agravado pela rejeição inicial de vários parentes, que temiam represálias políticas por se associarem às crianças de "espiões condenados".
Sem lar fixo por um período, os irmãos foram acolhidos pelo casal Abel e Anne Meeropol. Abel, além de professor, era um reconhecido compositor — autor da canção "Strange Fruit", eternizada na voz de Billie Holiday como um hino contra o racismo e os linchamentos nos Estados Unidos. Com a adoção, Michael e Robert passaram a usar o sobrenome Meeropol, que carregam até hoje.
Militância e reconstrução da memória
Na vida adulta, os dois irmãos dedicaram-se a resgatar a memória dos pais e denunciar as injustiças do caso. Michael Meeropol tornou-se economista e professor universitário, enquanto Robert seguiu carreira como advogado e ativista pelos direitos civis. Juntos, fundaram a Rosenberg Fund for Children — uma organização dedicada a apoiar filhos de ativistas políticos perseguidos, inspirada em sua própria trajetória.
Ao longo das décadas, os Meeropol também lideraram campanhas pela abertura dos arquivos do governo norte-americano, em busca de documentos que pudessem esclarecer o real envolvimento de seus pais com a espionagem. As evidências divulgadas posteriormente sugerem que Julius tinha, de fato, vínculos com redes soviéticas, mas que o envolvimento de Ethel foi no mínimo marginal — o que fortaleceu a visão de que sua condenação e execução foram movidas por motivação política e desejo de intimidação.
A história familiar ganhou novo alcance com o documentário Heir to an Execution (2004), dirigido por Ivy Meeropol, filha de Michael e neta de Ethel e Julius. O filme mistura investigação histórica e memória pessoal para questionar a legitimidade do processo judicial e denunciar os excessos cometidos durante a histeria anticomunista dos anos 1950.
Hoje, os filhos dos Rosenberg continuam sendo vozes ativas na denúncia das injustiças do macarthismo — e defensores da liberdade política e do devido processo legal, em tempos nos quais a perseguição ideológica ainda encontra terreno fértil.
Em 2020, Ivy Meeropol lançou um outro documentário: Bully. Covarde. Vítima. – A História de Roy Cohn (Bully. Coward. Victim. The Story of Roy Cohn), disponível na plataforma Max, da HBO, o filme investiga a trajetória do advogado, incluindo seu papel no julgamento dos Rosenberg e sua relação com Donald Trump
Já Roy Cohn é lembrado como uma das figuras mais controversas e repugnantes da história política e jurídica dos EUA — símbolo da paranoia anticomunista, da perseguição ideológica e do uso do judiciário como instrumento de intimidação. Algumas pessoas o consideram a "personificação do mal".
Isso sem falar na flagrante hipocrisia que marca a trajetória da extrema direita mundo afora que tem como exemplo o seu pupilo, Donald Trump. A história de Cohn é, ao mesmo tempo, um alerta e um espelho de como o autoritarismo se constrói: com aliados implacáveis, retórica inflamada e a manipulação estratégica do medo.