Qual a diferença entre os persas e os árabes?
O Oriente Médio é uma região muito diversa, composto de etnias, culturas e até religiões diferentes; contrário do senso comum que categoriza todo mundo dessa região como árabe e muçulmano
Quando pensamos no Irã, muitos de nós tendemos a associá-lo automaticamente ao estereótipo genérico que o Oriente Médio evoca no Ocidente: deserto, religião islâmica, turbantes, língua árabe e povos árabes. Essa visão, embora comum, é simplista e não reflete a complexa diversidade étnica, linguística e cultural da região. Uma das confusões mais frequentes é considerar os iranianos como árabes, quando, na verdade, eles são majoritariamente persas — um povo com identidade, idioma e história próprios.
Irã: uma nação persa, não árabe
O Irã é um país situado no coração do Oriente Médio, mas se destaca de seus vizinhos por sua origem e cultura distintas. Diferente dos países árabes, o Irã possui uma herança persa milenar que precede o surgimento do Islã em séculos.
A maior parte da população iraniana pertence ao grupo étnico persa, descendente direto das antigas civilizações que floresceram na região há mais de 2.500 anos. Os persas não apenas sobreviveram às invasões árabes e mongóis, mas também mantiveram sua identidade ao longo dos séculos. Eles são responsáveis por uma das literaturas mais ricas do mundo oriental, com nomes como Ferdowsi, Hafez e Rumi — este último, embora frequentemente associado ao mundo árabe, escrevia em persa.
Além dos persas, o Irã é um mosaico de outros grupos étnicos, como azeris, curdos, balúchis, árabes iranianos e turcomenos, que também contribuem para a diversidade cultural do país.
A língua persa (Farsi)
O idioma oficial do Irã é o farsi (ou persa moderno), que pertence à família das línguas indo-europeias — a mesma de línguas como português, francês e alemão. Embora utilize o alfabeto árabe com algumas modificações, a estrutura gramatical, a fonética e o vocabulário do persa são bastante diferentes do árabe.
Isso significa que um falante de árabe, ao visitar o Irã, provavelmente não entenderia o que está sendo dito, exceto por algumas palavras comuns ligadas à religião islâmica. O persa moderno preserva raízes linguísticas que remontam à Antiguidade, incluindo o persa médio e o persa antigo, usado no Império Aquemênida.
Xiitas e sunitas
Árabes e persas compartilham a fé muçulmana, mas com diferenças marcantes em sua forma de prática e interpretação.
A maioria dos árabes é sunita, o ramo mais difundido do Islã. Já no Irã, cerca de 90% da população é xiita, um ramo distinto da fé islâmica. Essa divisão surgiu após a morte do profeta Maomé, quando seus seguidores se dividiram sobre quem deveria liderar a comunidade islâmica. Os sunitas aceitaram a liderança dos califas eleitos, enquanto os xiitas acreditavam que apenas os descendentes diretos de Maomé, através de seu genro Ali, poderiam assumir essa posição.
Essa divisão teológica tem implicações políticas profundas até hoje, influenciando as relações entre o Irã (maior potência xiita) e países árabes sunitas, como Arábia Saudita, Egito e Jordânia.
O Império Persa: uma civilização milenar

(foto: wikipédia)
O povo persa foi responsável por fundar alguns dos maiores e mais sofisticados impérios da história antiga, como os impérios Aquemênida, Parta e Sassânida. Sob o comando de Ciro, o Grande, o Império Persa se expandiu de territórios que iam do Mediterrâneo até o rio Indo, respeitando a diversidade cultural dos povos conquistados e estabelecendo uma administração eficiente, um sistema de estradas e uma moeda padronizada.
Os persas também deram grandes contribuições à ciência, medicina, matemática, poesia e arquitetura, deixando um legado duradouro que ainda pode ser visto nas ruínas de Pérsepolis ou na literatura clássica persa.
A expansão árabe e a islamização do Irã

(foto: wikipédia)
Com a expansão do Islã no século VII, o território persa foi conquistado pelos árabes muçulmanos. No entanto, os iranianos resistiram à completa assimilação cultural. Embora tenham adotado o Islã, preservaram a língua persa e muitos elementos de sua identidade nacional. De fato, a literatura persa floresceu no período islâmico, sendo fundamental para manter viva a cultura persa dentro do novo contexto religioso.
O que ocorreu foi uma fusão: a religião muçulmana com a alma cultural persa — o que deu origem ao Irã como o conhecemos hoje.
A confusão entre árabes e persas é comum, mas revela o quanto ainda precisamos aprofundar nosso conhecimento sobre o Oriente Médio. O Irã, apesar de sua localização geográfica e religião predominante, não é árabe. Trata-se de uma civilização distinta, com raízes profundas na história da humanidade.
Conhecer essas diferenças é uma forma de evitar generalizações e estereótipos, além de reconhecer a rica tapeçaria cultural que compõe o mundo islâmico. Mais do que isso, é um passo para enxergar com mais nuance uma região frequentemente retratada de forma simplista.