GUERRA AO TERROR

Morte de Osama bin Laden: as polêmicas sobre a operação que matou o líder terrorista

Netflix lança série documental com a versão oficial dos EUA, mas jornalistas investigativos e documentos revelam versões conflitantes e segredos da operação histórica

Escrito em História el
Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Morte de Osama bin Laden: as polêmicas sobre a operação que matou o líder terrorista
Fotomontagem (Wikipedia e Netflix)

A Netflix estreou na última quarta-feira (14) a série documental Procurados - EUA: Osama bin Laden (American Manhunt: Osama bin Laden), que apresenta a versão oficial do governo dos Estados Unidos sobre a operação que resultou na morte do líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, em Abbottabad, no Paquistão, em 2 de maio de 2011.

Fotomontagem (Netflix e Wikipedia)

A produção retrata a busca global pelo terrorista responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001, revelando detalhes inéditos por meio de entrevistas com agentes da CIA, militares e jornalistas envolvidos na missão.

Segundo a série, a CIA identificou o paradeiro de bin Laden após rastrear seus mensageiros, o que levou a uma operação secreta e meticulosa conduzida por uma equipe especial dos Navy SEALs, que agiu com precisão cirúrgica. A missão foi planejada sem o conhecimento prévio das autoridades paquistanesas, para evitar vazamentos que pudessem comprometer a ação.

O então presidente dos EUA, Barack Obama, é retratado como líder decisivo, que autorizou a operação após confirmação genética da presença de bin Laden no local. A série destaca o profissionalismo dos SEALs durante o ataque, que enfrentaram resistência armada e eliminaram o terrorista.

A missão também foi conduzida com cuidado para minimizar danos a civis, e o corpo de bin Laden teria sido lançado em alto mar, conforme os preceitos islâmicos, para evitar que seu túmulo se tornasse um local de culto.

Composta por três episódios — "Um Inimigo Diferente", "Sem Restrições" e "Operação Lança de Netuno" — a série acompanha a trajetória da caçada, desde as consequências imediatas dos ataques de 11 de setembro até o histórico ataque ao complexo em Abbottabad e o assassinato do líder terrorista.

Entre os entrevistados, figuram nomes-chave como o ex-diretor da CIA e secretário de Defesa Leon Panetta, o ex-oficial da CIA e especialista em contraterrorismo Henry A. Crumpton, além de jornalistas como John Miller e Nayyera Haq, que oferecem perspectivas detalhadas sobre os desafios enfrentados durante a missão.

Versão oficial contestada

Wikipedia - Seymour Hersh

Apesar do sucesso e da ampla aceitação da narrativa oficial apresentada pela série, esta versão é fortemente questionada pelo jornalista investigativo Seymour Hersh, conhecido mundialmente por reportagens que revelam abusos de poder e operações secretas do governo dos Estados Unidos.

Hersh ganhou notoriedade ao receber o Prêmio Pulitzer de Reportagem Internacional em 1970, por expor o massacre de My Lai, na Guerra do Vietnã, onde centenas de civis foram assassinados por soldados dos EUA.

No contexto da caçada a bin Laden, Hersh aponta que altos generais paquistaneses, incluindo o chefe do Exército e o diretor da ISI — Inter-Services Intelligence, principal agência de inteligência militar do Paquistão — estavam cientes da operação antes de sua execução e colaboraram secretamente para seu sucesso.

Segundo suas apurações, bin Laden teria sido mantido sob custódia da ISI desde 2006, vivendo como prisioneiro vigiado, e sua localização foi entregue aos EUA por um ex-oficial paquistanês que recebeu parte da recompensa de 25 milhões de dólares oferecida pelos Estados Unidos.

A operação teria resultado de um acordo complexo entre EUA e Paquistão, envolvendo concessões financeiras e estratégicas para que o país mantivesse bin Laden como uma espécie de “refém”, utilizando-o para controlar grupos jihadistas na região, como o Talibã e a Al-Qaeda.

Hersh também desafia a narrativa oficial de que houve um intenso tiroteio e resistência armada no complexo onde bin Laden foi morto. Ele afirma que essa história foi fabricada para legitimar legalmente a execução e valorizar a ação dos militares estadunidenses.

Além disso, questiona a versão oficial do enterro do corpo em alto mar, sugerindo que teria sido uma manobra para evitar questionamentos sobre o paradeiro real do corpo do terrorista.

Outro ponto destacado por Hersh é a suposta “coleção de informações valiosas” — o chamado “tesouro de inteligência” — supostamente encontrado na residência de bin Laden, que justificaria sua eliminação ao mostrar que ele ainda era líder operacional ativo da Al-Qaeda. 

Hersh considera essa alegação exagerada, apontando que havia poucos indícios de que bin Laden mantinha controle operacional significativo nos anos anteriores à sua morte.

Leia aqui a reportagem original de Seymour Hersh, publicada em 2015 (em inglês)

Contrastes entre a narrativa oficial e a reportagem de Hersh

Versão oficial

  • As autoridades paquistanesas não tinham conhecimento prévio da operação para capturar bin Laden. 
     
  • A localização do terrorista teria sido descoberta por meio do rastreamento de mensageiros da Al-Qaeda e análise da CIA, sem cooperação prévia do Paquistão. 
     
  • O confronto armado foi intenso, com bin Laden resistindo até ser morto, e ele é retratado como líder ativo da Al-Qaeda, comandando operações terroristas. 
     
  • O corpo foi levado para um navio dos EUA e lançado ao mar, conforme os preceitos islâmicos. 
     
  • A missão é apresentada como um feito heroico dos Navy SEALs e da inteligência dos EUA, com impacto político significativo, incluindo a reeleição de Barack Obama.

Versão de Hersh

  • Altos oficiais militares e de inteligência do Paquistão sabiam da presença de bin Laden e colaboraram na operação. 
     
  • A localização de bin Laden foi informada aos EUA por um ex-oficial paquistanês em troca de recompensa financeira. 
     
  • Bin Laden estava sob custódia dos serviços secretos paquistaneses, vivendo isolado e doente, sem comando efetivo. 
     
  • Não houve tiroteio intenso nem resistência armada, e essas narrativas teriam sido fabricadas para justificar a execução. 
     
  • A versão do enterro no mar é questionada e pode ter sido encenação para esconder o paradeiro real do corpo. 
     
  • A cooperação EUA-Paquistão foi secreta, motivada por interesses mútuos em manter sigilo.
     
  • A operação causou desgaste nas relações internacionais e desconfiança entre os países, contrariando a imagem de heroísmo absoluto propagada pela administração de Washington.

Outras versões contestam a narrativa oficial

Não foi apenas Seymour Hersh que questionou a história oficial da morte de bin Laden. Diversas reportagens levantaram dúvidas sobre o conhecimento do governo paquistanês em relação à operação.

Destaca-se a matéria intitulada “What Pakistan Knew About Bin Laden” (O que o Paquistão Sabia Sobre Bin Laden, em tradução livre), assinada por Carlotta Gall na New York Times Magazine, em 19 de março de 2014. 

Gall, que atuou por 12 anos como correspondente no Afeganistão, relatou ter sido informada por um “funcionário paquistanês” de que o general Ahmed Shuja Pasha, então diretor da ISI, sabia antecipadamente que bin Laden estava escondido em Abbottabad. A versão foi negada por autoridades americanas e paquistanesas, sem desdobramentos oficiais.

Reprodução Roli Books

Outra fonte que contesta a versão oficial da Casa Branca sobre a morte de bin Laden é o  diretor executivo do Centro de Pesquisa e Estudos de Segurança em Islamabad, Imtiaz Gul. Em seu livro Pakistan: Before and after Osama (2012) ele revelou ter conversado com quatro agentes de inteligência disfarçados que confirmaram a percepção local de que o exército paquistanês tinha pleno conhecimento da operação.

O debate ganhou novo fôlego em fevereiro de 2015, quando o general aposentado Asad Durrani, ex-chefe da ISI nos anos 1990, disse em entrevista à al-Jazeera que “é bastante possível” que os oficiais superiores da agência desconhecessem o esconderijo de bin Laden, “mas é mais provável que soubessem”. 

Ele explicou que a estratégia era revelar a localização no momento oportuno, quando o Paquistão pudesse obter “o necessário quid pro quo”: “Se você tem alguém como Osama bin Laden, não vai simplesmente entregá-lo aos Estados Unidos.”

Depoimento do executor da missão

Reprodução X - Robert O’Neill

Um dos momentos mais impactantes do documentário da Netflix é o relato de Robert O’Neill, ex-Navy SEAL que disparou contra bin Laden no último andar do complexo. Ele descreve a tensão do momento: “Podem ser homens-bomba, mas podemos vencê-los, temos que ir agora”.

Ao encontrar bin Laden a poucos passos, afirmou: “Foi um daqueles momentos da vida em que as coisas desaceleram. Ele não estava se rendendo, era uma ameaça não só para mim, mas para toda a equipe. Naquele instante pensei: ele tem que morrer.”

Curiosidades sobre a minissérie

Inicialmente prevista para 10 de março, a série sofreu adiamento sem explicações oficiais. Nas redes sociais, especulou-se que a estreia teria sido postergada por coincidir com o Ramadã — período sagrado para muçulmanos — e com o aniversário de nascimento de bin Laden, em 10 de março.

Com três episódios, o documentário acompanha os dez anos de perseguição ao terrorista mais procurado do mundo. O primeiro episódio mostra as consequências imediatas dos ataques de 11 de setembro e o início da caçada, após bin Laden assumir a responsabilidade. 

O segundo foca nos anos de buscas, incluindo a interceptação de ligações de Abu Ahmed al-Kuwaiti, mensageiro próximo a bin Laden, e os desafios enfrentados pelas autoridades de Washington. O episódio final detalha a operação “Lança de Netuno” — o ataque do Seal Team 6 ao complexo onde bin Laden estava escondido — e seu assassinato.

Os bastidores da operação, realizada em maio de 2011 pela força de elite da Marinha dos EUA com helicópteros furtivos, são revelados com exclusividade.

Vítimas da Guerra ao Terror x Ataques de 11 de Setembro

Reprodução www.nayyera.com - Nayyera Haq

Nayyera Haq, jornalista e ex-porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, entrevistada na série da Netflix, compartilha sua perspectiva sobre os eventos que levaram à captura e morte de Osama bin Laden e questiona o alto custo humano da Guerra ao Terror, principalmente em relação às vítimas não estadunidenses.

Os ataques de 11 de setembro resultaram na morte de aproximadamente 2.977 pessoas, incluindo passageiros dos aviões sequestrados, vítimas no World Trade Center e no Pentágono.

Em contraste, a Guerra ao Terror, iniciada após os ataques, causou entre 906 mil e 937 mil mortes diretas nos conflitos do Afeganistão, Iraque, Síria e outros países afetados. Estima-se também entre 3,6 e 3,7 milhões de mortes indiretas, devido à destruição de infraestrutura, falta de acesso a serviços essenciais e outras consequências.

Esses dados evidenciam a discrepância entre o número de vítimas dos ataques de 11 de setembro e os impactos humanitários da Guerra ao Terror, fornecendo contexto para as narrativas complexas apresentadas na série documental.

Confira o trailer oficial

 

 

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