CYNARA MENEZES
Em uma entrevista à apresentadora bolsonarista Leda Nagle três anos atrás, o economista e youtuber Paulo Figueiredo Filho contou ter herdado duas características do avô, João Baptista Figueiredo, o último ditador brasileiro: a "franqueza brutal" e o "humor sarcástico". Paulo Figueiredo só não mencionou que o golpismo também está no seu DNA.
Autointitulado jornalista desde que se tornou comentarista da Jovem Pan, Paulo Figueiredo agiu, segundo o relatório da Polícia Federal, como o braço midiático do plano golpista para envenenar Lula e Alckmin, explodir Alexandre de Moraes e impedir a posse do novo presidente. Figueiredo, "integrante da organização criminosa", tinha a função de vazar documentos pró-intervenção militar, criar fake news contra as urnas eletrônicas, pressionar generais a aderir à quartelada e incitar nas redes sociais o ódio aos militares que se negaram a tomar parte do plano.
"Dentro do núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado, o economista e influenciador digital Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, devido à sua capacidade de penetração no meio militar, pelo fato de ser neto do ex-presidente da República João Baptista Figueiredo, foi responsável por divulgar informações falsas com o objetivo de incitar integrantes do meio militar a se voltarem contra comandantes que se posicionavam contra a ação criminosa que estava em execução", diz o relatório.
Figueiredo também estava encarregado de divulgar o documento golpista "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais da Ativa do Exército Brasileiro", para, de acordo com a PF, "criar a falsa percepção de que haveria um alinhamento das Forças Armadas ao Golpe de Estado". O documento, que teria sido encaminhado apenas ao Comandante do Exército, foi enviado a Figueiredo, então comentarista da Jovem Pan, pelo tenente-coronel Sergio Cavaliere e pelo coronel Ronald Ferreira, ambos indiciados agora pela participação na trama.
Não é papel de jornalistas aderir a golpes ou incitar atentados contra a democracia, pelo contrário. No código de ética da profissão está previsto o dever de "opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão". Residente nos EUA, não se sabe ainda o que acontecerá a Paulo Figueiredo. Mas e a Jovem Pan?
"Logicamente que, 'acidentalmente', irá vazar", diz Cavaliere a Ferreira nas conversas resgatadas. "A versão que vai sem querer parar na mão de alguém aí, que eu até já sei quem, ela vai também com os nomes?", questiona Ferreira –"alguém" é o neto do ditador. Cavaliere responde cinicamente: "Com nomes. Se vazar, não será culpa nossa. Essas coisas acontecem". Para a PF, "esse trecho do diálogo demonstra que os investigados tinham a intenção de expor seus próprios colegas militares que assinariam o documento, mesmo sabendo das possíveis consequências no âmbito disciplinar e criminal".
As trocas de mensagens entre o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro na presidência, evidenciam que, além da carta, os investigados já estavam alimentando Paulo Figueiredo para atacar os comandantes que estavam resistindo a colaborar. No dia 28 de novembro de 2022, Corrêa Netto envia a Mauro Cid uma mensagem onde diz: "Assista o Pingo nos Is hoje. O Prec, o Espora Dourada e o Bigode serão expostos". Mauro Cid responde: "Eu sei. Hahahaha".
O "Prec" é o atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Paiva, que na época ocupava o Comando Militar do Sudeste; o "Espora Dourada" era o então chefe do Estado-Maior do Exército, general Valério Stumpf Trindade, hoje na reserva; e "Bigode" era o então comandante militar do Nordeste, general Richard Fernandez Nunes.
“Dos 14 generais do Alto Comando do Exército, são três deles que têm se colocado de forma aberta na articulação contra uma ação mais direta, mais contundente das Forças Armadas”, disse Paulo Figueiredo na Jovem Pan naquele dia, acusando-os de ser "contra o Brasil". O resultado disso foram ataques coordenados aos três generais, chamados de "melancia": verdes por fora, vermelhos por dentro.
Mas Paulo Figueiredo fez pior: os próprios generais à frente dos ministérios do Exército e da Aeronáutica durante o governo de Jair Bolsonaro o apontaram como o responsável por pressioná-los a aderir ao movimento golpista e, por se recusarem a seguir o mesmo caminho do ministro da Marinha, almirante Garnier, o único que mergulhou na empreitada, se tornaram alvo de difamações por parte do pseudojornalista e golpista hereditário.
O ministro do Exército de Bolsonaro, general Freire Gomes, disse em depoimento à PF que "o investigado Paulo Figueiredo era um dos responsáveis pelos ataques pessoais e caluniosos que recebeu pelo fato de não ter aderido à tentativa de golpe de Estado". O mesmo modus operandi foi exercido sobre o brigadeiro Baptista Júnior, ministro da Aeronáutica.
Figueiredo, “integrante da organização criminosa” segundo a PF, tinha a função de vazar documentos pró-intervenção militar, criar fake news contra as urnas eletrônicas, pressionar generais a aderir à quartelada e incitar nas redes sociais o ódio aos que se negaram a tomar parte
"O brigadeiro Baptista Júnior afirmou que, após negar aderir ao golpe de Estado na reunião ocorrida no ministério da Defesa no dia 14/12/2022, começou a receber ataques por meio das redes sociais, recebendo o rótulo de 'melancia', 'traidor da pátria' etc., sendo obrigado a suspender sua conta pessoal nas redes sociais. Da mesma forma confirmou que, após as eleições, começou a receber ataques do influenciador Paulo Figueiredo", diz o relatório.
No dia 16 de janeiro de 2023, já com Lula no cargo, a Jovem Pan anunciou a demissão de Paulo Figueiredo, após o Ministério Público Federal abrir investigação sobre o canal por disseminação de notícias falsas e apoio à arruaça antidemocrática de 8 de janeiro. "O foco da investigação será a veiculação de notícias falsas e comentários abusivos pela emissora, sobretudo contra os Poderes constituídos e a organização dos processos democráticos do país", disse o MPF-SP em comunicado. Outros dois bolsonaristas radicais também foram demitidos: Rodrigo Constantino e a cubana radicada no Brasil Zoe Martinez, eleita vereadora pelo PL de São Paulo em 2024.
Ao entrar no ar durante a baderna bolsonarista, Figueiredo disse que era "compreensível a revolta popular", e retratou os agressores como supostas vítimas do sistema. "A revolta é legítima", afirmou. Zoe Martinez, por sua vez, defendeu em participação no programa Morning Show do dia 21 de dezembro que as Forças Armadas destituíssem os ministros do STF, enquanto Constantino insistiu na tese de que as eleições foram forjadas por um "um malabarismo do Supremo".
Não é papel de jornalistas aderir a golpes ou incitar atentados contra a democracia, pelo contrário. No Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está previsto, em seu artigo 9, o dever de "opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem". Residente nos Estados Unidos, não se sabe ainda o que acontecerá com Paulo Figueiredo. Mas e a Jovem Pan?