CYNARA MENEZES
Às vésperas de se tornar inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Jair Bolsonaro nem parece o mesmo político arrogante, destemperado e irritadiço que destratava jornalistas durante os quatro anos em que ocupou a presidência do país. Nos últimos meses, o ex-presidente tem aparecido chorando, humilde, vitimista. Até desculpas ele já pediu. Para usar um paralelo em alta com a reprise de Mulheres de Areia, Raquel está fingindo ser Ruth.
A novela de Ivani Ribeiro foi exibida pela primeira vez em 1993 e, para comemorar os 30 anos de um dos maiores sucessos de sua teledramaturgia, a Globo está exibindo a trama pela quarta vez durante as tardes. As gêmeas vividas por Glória Pires voltaram a povoar o imaginário do brasileiro: Ruth, a gêmea boa, e Raquel, a má. O ingênuo da trama é o namorado de Ruth, Marcos, personagem de Guilherme Fontes, incapaz de reconhecer quem é quem, já que o jogo de Raquel é se fazer passar pela irmã boazinha.
Se Bolsonaro fosse uma das gêmeas, seria a pérfida, mentirosa e ambiciosa Raquel; mas o julgamento no TSE fez ele querer se passar pela honesta, amorosa e chorona Ruth. Já Marcos é o bolsominion típico, que não consegue enxergar perversidade em seu mito
Se Bolsonaro fosse uma das gêmeas, seria a pérfida, mentirosa e extremamente ambiciosa Raquel, que se acha merecedora de um lugar ao sol por direito e que não sente empatia alguma pela dor do próximo. Só a possibilidade de se tornar inelegível foi capaz de fazer o ex-presidente mostrar um lado "bonzinho" e se transformar na sincera, honesta, amorosa e chorona Ruth, a vítima inocente da maldade humana. Já Marcos é o bolsominion típico, que não consegue enxergar perversidade em seu mito.
Desde que o julgamento no TSE apareceu no horizonte, a desconhecida faceta "sensível" de Bolsonaro agora aparece a todo momento. No início do mês, ele pediu "perdão" por ter divulgado novamente fake news sobre a vacina ao dizer que ela causa problemas nos testículos por conter "dióxido de grafeno". Com medo de se prejudicar no julgamento, o ex-presidente invocou o lado Ruth: "Houve um equívoco da minha parte. Mais uma vez lamento o falado e peço desculpas".
Os choros se tornaram frequentes. O capitão "durão" cedeu lugar ao manteiga derretida que se debulhou em lágrimas em março na posse da esposa, Michelle, no PL Mulher, e ao falar sobre a acusação de adulteração do cartão de vacinação da filha, em maio. O episódio mais recente do choro de Bolsonaro foi durante uma fala da ex-primeira-dama em um evento do PL em Rondônia, no último sábado, 24 de junho. "Não é um grande bom dia porque não acordei contigo", disse ele à mulher, fofo como nunca se viu.
Na semana do julgamento, Bolsonaro não por acaso escolheu uma jornalista mulher para dar uma entrevista onde aparece surpreendentemente cortês –todo o oposto de seus anos na presidência, quando repórteres mulheres ouviram-no mandá-las calar a boca e até insinuações sexuais. Na entrevista a Monica Bergamo, o truculento ex-presidente se esmerou em simpatia, sorrisos e boa educação. Num trecho, ele fala que tem "a bala de prata" para a eleição de 2026, que não vai revelar para a repórter "não ficar perturbando". Mas logo se emenda: "No bom sentido..." Risos afáveis.
"Minha impressão é que ele estava acuado", disse Monica sobre sua percepção do estado de espírito do ex-presidente. "Eu estava tentando esta entrevista há muito tempo. É difícil, ele tem esta animosidade em relação à imprensa... Tive a impressão que o ex-presidente estava contido, todas as palavras um pouco medidas."
Tudo indica que está em curso a operação "Bolsonarinho paz e amor" (ou "operação Ruth-Raquel"), para tentar repaginar o brucutu fã da ditadura e da tortura em um homem sofrido, vítima de perseguição. Como diria Tonho da Lua, a Raquel quer se passar por "Ruthinha". A quem ele engana? Foi com Tonho da Lua, aliás, que surgiu a primeira comparação da família Bolsonaro com a trama de Mulheres de Areia.
Em 2019, parlamentares do PSL e aliados do falecido ministro Gustavo Bebianno deram este apelido ao filho de Bolsonaro, Carlos. Os rompantes de raiva de Tonho da Lua, personagem com problemas psiquiátricos, foram a razão da comparação. Carluxo, como o filho 02 costuma ser chamado, seria incapaz de manter um diálogo linear, segundo os próprios bolsonaristas –isso se tornou bem perceptível nos tweets do vereador, alguns tão ininteligíveis que viraram piada.
Quanto tempo durará a farsa do BolsoRaquel que virou BolsoRuth? É esperar o resultado do julgamento do TSE para conferir. Na novela, a máscara de Raquel demorou a cair, mas caiu. Com Bolsonaro, só se engana quem quer se deixar enganar.