Deputada alemã que venceu neta de ministro nazista fala sobre renascimento da esquerda no país
"Priorizamos as questões que mais preocupam as pessoas, como os aluguéis altos ou o aumento dos preços", conta Ines Schwerdtner, em entrevista exclusiva à Fórum
Nas eleições alemãs, onde o partido de extrema direita AfD conseguiu 20,8% dos votos, uma derrota emblemática para a legenda aconteceu em um distrito da região de Berlim-Lichtenberg. Ali, a candidata da sigla, Beatrix von Storch, neta do nazista Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ministro das Finanças de Adolf Hitler, perdeu a disputa para Ines Schwerdtner, do Die Linke (A Esquerda).
Storch acabou garantindo seu assento por ter sido indicada pela lista estadual do AfD, já que o sistema germânico é distrital misto, onde um voto é dado ao candidato do distrito e outro em uma das legendas partidárias. Mesmo assim, a vitória de Schwerdtner, jornalista que foi editora da revista Jacobin, chamou a atenção. Não apenas pelo seu desempenho, mas pelo renascimento de seu partido, que esteve ameaçado de não entrar no Bundestag no pleito de 2021.
A Esquerda conseguiu 8,5% dos votos, um crescimento em relação aos 4,9% obtidos nas eleições anteriores, uma performance ainda mais notável levando-se em conta o cenário de evolução dos extremistas de direita.
"Acima de tudo, estamos preocupados com os interesses materiais da grande maioria", diz Schwerdtner, em entrevista exclusiva concedida à Fórum, sobre as razões do fortalecimento da sigla. "Priorizamos as questões que mais preocupam as pessoas, como os aluguéis altos ou o aumento dos preços. Mas, no final das contas, é claro que também defendemos as outras questões. Isso nos diferencia do BSW, mas também dos Verdes e do SPD, que preferem atacar os beneficiários dos auxílios ou dizer que os sírios devem ser deportados agora."
Ela também destaca a presença nas redes sociais, que se tornou um grande diferencial para o partido. Uma das principais figuras por trás dessa reviravolta é outra parlamentar eleita em fevereiro, Heidi Reichinnek. Com mais de 500 mil seguidores no TikTok, ela faz sucesso entre os eleitores jovens, grupo demográfico que havia rejeitado o partido nos últimos anos. Agora, o Die Linke chegou a 25% entre os eleitores de 18 a 24 anos, e a 15% no segmento de 25 a 34 anos.
"Não devemos deixar as redes sociais para a direita. Por muito tempo, fascistas, racistas e teóricos da conspiração usaram o TikTok e similares para atrair diretamente um público predominantemente jovem. Onde não há concorrência de esquerda nas mídias sociais, esses influenciadores de direita podem manipular as pessoas", pontua Schwerdtner.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Nos últimos anos, você entende que houve uma espécie de normalização da extrema direita dentro do espectro político alemão?
Primeiro, o partido de extrema direita alemão AfD é, na verdade, um partido protofascista com muitos membros e figuras importantes que expressam seus pontos de vista racistas e abertamente fascistas. Em alguns dos estados federais, o AfD é classificado como uma organização extremista de direita. Esse partido agora dá o tom quando se trata de migração.
Os social-democratas e os democratas-cristãos tentam conter o crescimento do AfD assumindo suas posições sobre migração. Essa estratégia fracassou, como demonstraram as últimas eleições gerais. O AfD conseguiu quase dobrar seus votos e agora tem 20% [do Parlamento].
No Brasil, a ascensão da extrema direita envolveu uma espécie de revisionismo em relação ao período da ditadura no país. Algo semelhante aconteceu na Alemanha em relação ao período nazista?
Sim, isso também acontece aqui. Os direitistas não fazem isso por engano, é parte de sua estratégia para “normalizar” termos e figuras de pensamento da ideologia nazista e introduzi-los na linguagem cotidiana.
Políticos da AfD, como Maximilian Krah, por exemplo, disseram que nem todos os membros da unidade de elite SS dos nazistas, que esteve envolvida em crimes de guerra horrendos durante a Segunda Guerra Mundial, eram criminosos de guerra. Björn Höcke, presidente da AfD Turíngia, usa frases da era nazista e as coloca em seus discursos. E um tribunal alemão decidiu que descrever Höcke como fascista não era calúnia.
O Die Linke vinha em uma trajetória de queda em termos de força eleitoral, mas conseguiu reverter essa tendência. Que mudanças de direção o partido adotou para conseguir esse ressurgimento?
Nosso foco é a luta de classes, mas com uma atitude em relação a temas centrais como migração e paz. Acima de tudo, estamos preocupados com os interesses materiais da grande maioria. Priorizamos as questões que mais preocupam as pessoas, como os aluguéis altos ou o aumento dos preços. Mas, no final das contas, é claro que também defendemos as outras questões. Isso nos diferencia do BSW, mas também dos Verdes e do SPD, que preferem atacar os beneficiários dos auxílios ou dizer que os sírios devem ser deportados agora.
Estamos fazendo campanha localmente por questões sociais, como aluguéis mais acessíveis. E muitas pessoas se envolveram porque puderam agir diretamente contra a guinada à direita na campanha de porta em porta. Em poucos meses, conseguimos dobrar nosso número de membros. Agora somos mais de 100 mil companheiros.
Em geral, nos países em que a extrema direita está avançando, as mulheres têm desempenhado um papel importante na resistência a esse crescimento. Como você vê o papel das mulheres, não apenas como candidatas, mas também como eleitoras, nas últimas eleições?
É verdade que, também na Alemanha, os extremistas de direita foram votados principalmente por homens. Nós, da esquerda, temos uma grande proporção de eleitoras. As mulheres são menos suscetíveis a slogans vazios que apelam para os instintos básicos. Não quero ofender os homens, mas as mulheres parecem ser as pessoas mais sensatas. O Partido de Esquerda sempre enviou mais mulheres do que homens para o Bundestag desde 2009. Nossa base de membros se tornou mais jovem e mais feminina nos últimos meses.
Como você avalia o papel das estratégias de comunicação no forte desempenho do Die Linke, especialmente nas mídias sociais, que muitas vezes são dominadas por extremistas de extrema direita?
Não devemos deixar as redes sociais para a direita. Por muito tempo, fascistas, racistas e teóricos da conspiração usaram o TikTok e similares para atrair diretamente um público predominantemente jovem. Onde não há concorrência de esquerda nas mídias sociais, esses influenciadores de direita podem manipular as pessoas.
É por essa razão que não começamos a focar nas redes sociais apenas nesta campanha eleitoral, mas sempre as consideramos em nossa estratégia. Muitas pessoas já não utilizam mais a mídia tradicional, e é por isso que é tão importante estar presente nesse espaço. Além disso, a comunicação nas redes sociais tem muitas vantagens, pois podemos explicar nossas políticas de forma breve e concisa. Conseguimos fazer isso com sucesso. Nossa principal candidata, Heidi Reichinnek, é a política alemã de maior sucesso no TikTok.