Poucas coisas são mais previsíveis no Brasil do que o discurso da mídia corporativa sobre economia no Brasil. Existe uma defesa permanente da chamada austeridade fiscal, da "independência" do Banco Central e da postura de seu presidente, Roberto Campos Neto, e dos pilares do mais que desgastado neoliberalismo. As fontes ouvidas invariavelmente são sempre as mesmas, independentemente da sua trajetória profissional. Pouco importa se você foi um ministro que viu a inflação aumentar a quase três dígitos por mês ou se quase todas as suas previsões se mostraram equivocadas. Se seguir a cartilha, está tudo bem.
Neste final de semana, mais uma vez um veículo de imprensa foi buscar uma voz para corroborar seu ideário. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga destilou críticas à atual política econômica do governo, atacando a governança de empresas estatais, a renacionalização de refinarias, e o que classifica como "afrouxamento fiscal".
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Foi além ao contestar as "pressões" sofridas pelo Banco Central e já apontar para a sucessão de Campos Neto. "É um momento importante. Se quem entrar se meter a besta, a inflação começar a subir e o mercado perder a confiança, vai ser um grande fiasco político, inclusive, e rápido", disse.
Enquanto isso, um editorial de O Globo conseguiu a façanha de atribuir os bons resultados dos atuais níveis de emprego não ao governo de turno, mas às mudanças que resultaram nas perdas de direitos trabalhistas em 2017. "O que explica a criação de vagas formais? A hipótese mais provável, de acordo com os economistas, é que ela seja reflexo da reforma trabalhista feita no governo Michel Temer", escreveram os editorialistas.
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Não se sabe quem são os "economistas" ou que números eles trazem para explicar a relação causa-efeito. Mesmo quem defende a tese, a exemplo de um ex-promotor, tem indícios, mas não apresenta provas. O diretor-presidente do Insper Marcos Lisboa, em entrevista, pontuou que "a conjuntura melhor se deve em boa parte às reformas aprovadas no Governo Temer, que parecem ter sido bem-sucedidas, particularmente a trabalhista". Mas, sobre este mesmo sucesso, não cita estudos. "Ainda não sei dizer, não temos dados para afirmar isso. Tem muita medida que de fato contribui para ganhos de produtividade. Não sabemos quanto."
O discurso da "técnica" na economia
Na mídia corporativa, o debate sobre economia é interditado. Economistas que não rezam a cartilha neoliberal ou ultraliberal são ignorados, ou confinados a colunas, quase nunca recebendo qualquer destaque com entrevistas mais longas ou mesmo participações pontuais em matérias.
Não é uma falta de equilíbrio, mas sim uma condição de invisibilidade. Sempre sob o manto da supremacia de um suposto conhecimento "técnico", como se as vozes discordantes fossem hordas de ignorantes que falam do que não sabem. De novo, como dito antes, não importa o quanto estes mesmos técnicos errem. Se medidas de cunho liberal dão errado, em geral é porque foram "pouco liberais", segundo seus defensores. Ou seja, eles nunca erram.
O discurso ajuda a deixar os discordantes do outro lado da cerca. E também esconde que os veículos prestam adoração a determinados dogmas econômicos por ideologia e defesa de classe, como também em função de seus próprios interesses, escondidos pela falta de transparência na relação com seus leitores/espectadores.
Aos grandes grupos de mídia interessa o desmonte da legislação trabalhista, por isso é preciso dizer que ele deu certo. Não só. O Grupo Folha inclui, além dos veículos de mídia, o PagBank, banco que tem lucro projetado para 2024 de 2,05 bilhões a 2,15 bilhões de reais. É possível confiar, nesse contexto, que um jornal defenda a taxa de juros alta ou uma queda mais branda pelo "bem do país"?
Em relação à defesa da desoneração da folha de pagamentos, por exemplo, os grandes veículos omitiram na discussão que se tratava de uma medida que beneficiava os próprios conglomerados de mídia. A austeridade fiscal só vale no corte de custos do Estado, nunca na cobrança de tributos que, neste caso, seriam devidos segundo a legislação regular.
Quem está "ultrapassado"
Embora carregue o prefixo "neo", nada no neoliberalismo é novo. Talvez o termo mais apropriado seja mesmo o "fundamentalismo de mercado", já que são ostentados dogmas que não podem ser contestados, ditados por interesses de uma parcela ínfima da população.
A pregação deste segmento é sempre em prol do Estado mínimo, mas que ninguém se engane. Trata-se, na prática, da disputa pelos recursos do Estado, com uma classe hoje predominantemente financista e que possui muitos meios para defender seu quinhão, desde lobbies permanentes nos três Poderes até uma defesa igualmente fixa nos veículos midiáticos.
Talvez os Estados Unidos, país invocado sempre como exemplo neoliberal, seja o exemplo mais bem acabado da derrocada desta ideologia que encontra seu berço mais acolhedor no Brasil. O governo Biden "descobriu" o Estado como indutor do crescimento econômico e, embora siga defensor do livre comércio do ponto de vista discursivo, o Partido Republicano, por meio de Donald Trump, advoga medidas protecionistas contra concorrentes do mercado externo.
Tanto lá quando em outros países, a desregulamentação econômica não propiciou livre concorrência, mas monopólios e oligopólios, alguns deles globais, que põem sob domínio privado áreas estratégicas. Não à toa, mesmo governos de direita vêm promovendo reestatizações em setores hídricos e de energia, por exemplo, para espanto (e silêncio) da mídia brasileira.
O pior é que o avanço promovido pelos ditos liberais brasileiros se dá contra um governo que promove uma política de responsabilidade fiscal dentro de um figurino apertado, que desagrada a maior parte da esquerda, buscando o equilíbrio possível entre as demandas sociais e a preocupação de não desagradar o mercado, que nunca está satisfeito. Sem mobilização e propostas que invertam a pauta, a corda sempre será esticada para um lado só.